Ao ouvir Ciclone, primeiro álbum de Juliette, é impossível não pensar na sua trajetória inusitada e ao mesmo tempo, completamente alinhada com os fenômenos da cultura digital e de celebridades do nosso tempo. Vencedora da 21ª edição do Big Brother Brasil, a paraibana se tornou um dos personagens mais marcantes do reality show e um paradigma que, desde então, vem tentando ser emulado (sem sucesso) por outros participantes do programa. Sua carreira musical surgiu como um acaso e é reflexo dessa febre midiática em torno da sua figura. Poderia ter dado muito errado, e quase deu, mas, como aponta este novo trabalho, há mais nuances no projeto artístico de Juliette do que supunha.
Ser cantora não estava necessariamente nos planos de Juliette quando entrou no BBB (na apresentação do elenco no site do GShow, ela contou que estava estudando para realizar o sonho de ser delegada). Sua voz correta, mas longe de ser marcante, aparecia pontualmente, quando ela cantarolava pela casa. Pouco a pouco, porém, quanto mais sua narrativa crescia no programa, maior era o interesse por qualquer movimento seu. A cada semana, ela conquistava milhões de seguidores no Instagram e tudo que tocava se transformava em sucesso: se usasse um batom, logo ele se esgotava nas lojas; se cantasse o trecho de uma música, pouco depois ela viralizava, como aconteceu com “Deus Me Projeta”, de Chico César.
Não demorou para que seus fãs começassem a cogitar uma carreira musical para ela – e as gravadoras, atentas ao movimento, começaram a se mobilizar. Juliette já era motivo de disputa entre empresas multinacionais e ganhava mais atenção do que os vários cantores que também compunham o elenco do BBB 21, como sua nêmesis Karol Conká, Pocah, Rodolffo, Projota e Fiuk. Quem venceu a disputa foi a Virgin Records e o selo Rodamoinho Records, de Anitta, e, em setembro de 2021, cerca de quatro meses após o reality, ela lançou o EP que leva seu nome.
O trabalho fez sucesso (como tudo que ela fazia à época), mas parecia mais um produto para reforçar a marca Juliette do que o trabalho de uma artista interessada em criar. As canções, que começaram a ser produzidas antes mesmo dela sair do programa, eram marcadas por todos os estereótipos que envolviam a paraibana, inclusive a construção de “nordestinidade” tão evidente no reality show e fora dele (desde a imagem dos cactos para nomear seus fãs até o uso do chapéu de couro, só para citar alguns). Com versos sofríveis como “Mas é que eu venho lá do sertão/ O coco é seco demais, irmão/ E o preconceito eu só engulo com farinha”, da faixa “Bença”, ou “Eu sou do Nordeste/ Ele é do Sul/ Prefere rap, e eu sou mais Gadú”, de “Diferença Mara”, ela parecia fadada a reproduzir ideias do Sudeste a respeito do que deve ser um artista nordestino.
Não demorou, porém, para Juliette dar indícios de que os rumos que queria seguir não estavam tão pré-determinados. “Cansar de Dançar”, lançada em 2022, com autoria sua, já apontava para uma sonoridade mais interessante, flertando com o brega, ritmos caribenhos e o piseiro. Até “Solar”, o single seguinte, um forró romântico, também se afastava do pastiche do EP. Ainda naquele ano, veio o single “Xodó”, um álbum ao vivo, “Caminho”. A paraibana já mostrava que estava, de fato, determinada a fazer da música sua expressão. “Sai da Frente”, lançada no começo deste ano, foi uma boa surpresa e colocou ela ainda mais alinhada com o status de estrela pop, sem que, para isso, precisasse recorrer a imagens e sonoridades cristalizadas ou “esperadas” dela.
Essa visão mais apurada e instigante atravessa Ciclone, seu álbum de estreia, que conta com sua participação na composição de cinco das nove faixas. Os elementos de gêneros nordestinos, como o forró, estão presentes, como em “Tengo”, que apesar da referência, nada tem a ver com o clássico de Luiz Gonzaga e Nelson Barbalho, misturando o triângulo a batidas eletrônicas, e, mais fortemente em “Não Sou de Falar de Amor”, com João Gomes. A principal diferença para o EP é que, no álbum, Juliette parece estar no controle e não apenas seguindo as expectativas e demandas do mercado – e do público.
Ao contrário de outros artistas pop nordestinos, como Duda Beat, Luísa e os Alquimistas, Potyguara Bardo, entre outros, Juliette não chega a arriscar tanto na sonoridade. Há um claro estudo do mercado, mas, surpreendentemente, o álbum não soa oportunista ou sem alma. Juliette soa confiante, um contraste com a imagem de vítima, sofrida e perseguida que marcou sua participação no BBB.
Ela canta sobre desejo, amor, raiva, empoderamento, superação sem a pressão de ser a “namoradinha do Brasil”. Dois anos após sua saída da casa mais vigiada do país, ela conseguiu a proeza não só de permanecer relevante, como também de atingir esse feito como artista e não como produtora de factoides para os sites de fofoca. As canções de Ciclone flertam com mais gêneros musicais, como o r&b de “Nós Dois Depois”, com Dilsinho, e o pop de “Ninguém” e “Quase Não Namoro”, parceria com Marina Sena.
Contrariando expectativas, Juliette lançou um álbum coeso e interessante, que dialoga com o mainstream, ao mesmo tempo em que foge das armadilhas que ameaçaram sua incipiente carreira. Ciclone é pop – e é assim que deve ser lido. Juliette mistura suas várias referências, do considerado “regional” às sonoridades que têm dominado as paradas musicais, de uma maneira muito mais orgânica. Existe mais elementos nas composições, especialmente se comparado às suas primeiras canções.
Sua interpretações são interessantes, com um domínio das qualidades da sua voz, que aparece sedutora, como na faixa-título, uma composição sua com a banda paraibana Seu Pereira, e assertiva. Esse direcionamento tem se mostrado produtivo para a cantora (que, agora, parece realmente confortável com esse título) e projeto tem ecoado com o público: “Tengo” entrou no top 3 das canções mais escutadas do Spotify Brasil, um espaço que recentemente tem se mostrado inóspito ao pop e, principalmente, a cantoras. Juliette, agora, canta para além dos seus cactos. E isso é bom.
Ouça Juliette – Ciclone