la famiglia coccarelli: tutti buona genti?
Por Joana Coccarelli
minha relação com a italianidade começa, como é de se esperar, com meu único sobrenome. natural me interessar pela fábula familiar que trouxe os coccarelli ao brasil.
meu bisavô, vicenzo coccarelli, o mais antigo ascendente de que tenho notícia, era da comuna de pontecorvo. casou-se com a bela celeste, de ferrara e, fugindo da primeira guerra, já aqui no brasil, produziram meu amado vovô paterno luiz.
certo.
errado.
neste final de semana chegou ao meu conhecimento que bisavô vicenzo não fugia apenas da guerra, mas do duplo assassinato que cometeu ao encontrar sua primeira mulher na cama com o amante! minha bisavó celeste, por sua vez, não se importou em se casar com um homem de passado conjugal sangrento, o que faz dela mais um membro do submundo de doidos passionais tão característicos da itália querida.
sigo chocada. até o momento não consegui achar romântico. sempre pensei que os estereótipos próprios de minhas raízes não se aplicavam a minha família; que os coccarelli eram mais um casal de imigrantes bonzinhos; que o complexo don vito corleone que papai tanto evoca em discurso e maneirismos não passava de folclore.
já é aceito entre neurologistas que algumas características do povo de um país são geneticamente definidas e transmitidas aos descendentes. que a herança de temperamento se dilui nas gerações seguintes, sobretudo se elas não mais pertencem ao país de origem; mas que determinados traços sobrevivem, com força, tataranetos afora.
comecei a catar tais traços em mim. além dos demasiado explícitos sobrenome, biotipo e grande simpatia pelos anarquistas, admito que encontrei vendetta – a mesma matéria emocional que disparou duas vezes o revólver de vicenzo. que em mim obviamente jamais chegará às últimas conseqüências, mas que às vezes não sossega enquanto não bagunçar a paz de quem me afeta.
não é uma coisa bonita de se admitir, sobretudo nesta era de ditadura do ideal ascético. o cool é dar as costas, entubar e morrer de câncer mais tarde, achando que foi por causa de fumo passivo. mas eu me tornei uma pessoa mais tranqüila no dia em que aceitei com mais naturalidade meu lado negro da força.
sem contar que vendetta só vale a pena quando o inimigo morre do próprio veneno.
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por conta disto ou não, no dia da revelação adquiri outro hábito carcamano clássico: vinho tinto. quem diria. nem eu diria. já havia perdido completamente as esperanças.
foi num movimento muito sutil e definitivamente interessado que o amado (que parecia himself um mafioso sob a boina cinza) me estendeu a taça mesmo sabendo que eu não beberia. ou sabendo, porque bebi, e ele teve de encher outra para ele.
começo a semana me sentindo irrevogavelmente mais cosanostra.