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Trecho da capa da revista Risco, com arte de Jô Oliveira. (Cortesia do artista).

HQPédia: Jô Oliveira, quadrinista que se inspira na cultura popular, completa 50 anos de carreira

Quadrinista pernambucano iniciou sua formação artística no Leste Europeu, mas sempre manteve como inspiração as tradições populares nordestinas, como a xilogravura e o cordel

Este texto foi publicado originalmente na edição impressa da revista Plaf. Acesse a página especial da revista e compre as edições anteriores.

Subdesenvolvimento, fome, polícia secreta, graves violações de direitos e enormes filas para comprar pão. Essas são as insígnias que rodeiam o imaginário de quem pensa o Leste Europeu sob a cortina de ferro sem nenhuma pesquisa mais crítica e aprofundada. Esse pensamento recheava de medo a cabeça dos brasileiros que viam o recrudescimento da ditadura nos anos 1970, mas não amedrontou Josimar Fernandes de Oliveira, o Jô Oliveira. Pernambucano nascido em 1944 na Ilha de Itamaracá, ele juntou as economias geradas pelo trabalho em uma loja de sapatos no Centro do Rio e, com uma única mala, partiu para a Escola Superior de Artes Industriais, em Budapeste, na Hungria.

Com pouca noção do idioma, enfrentou com altivez o frio às margens do Danúbio e forjou com cordel, xilogravura e história brasileira a identidade da sua obra. “A Hungria não era o inferno na Terra, pelo contrário, era um país bom de se viver. Não havia um clima de medo e violência nos rodeando. Havia emprego, educação razoável, assistência médica gratuita e um clima geral de camaradagem”, conta.

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Longe do país que o acolheu na sua formação, seus primeiros quadrinhos foram publicados na Itália, na revista Alter Linus, publicação festejada e cuja primeira edição circulou em abril de 1965 pela editora Milano Libri. A revista lançou personagens icônicos como Valentina, de Guido Crepax, e fez chegar na Europa histórias com o personagem Dick Tracy. A notoriedade lançada pela Linus levou Jô Oliveira à Dinamarca, Espanha e Rússia, fazendo com que o seu Lampião em quadrinhos, primeiramente, falasse grego, para só assim ganhar assinatura brasileira.

La Guerra Del Regno Divino [Guerra do Reino Divino] foi uma das principais HQs publicadas por Jô Oliveira na Alter Linus. Recheada de referências nordestinas ele fez uso da estética do cordel, incorporando referências e mitos europeus à cultura popular brasileira, lançando mão da cavalhada, caboclinho, bumba-meu-boi, forró, pau de sebo, além da figura de Lampião como o herói, representado miticamente como Dom Sebastião.

Jô Oliveira
HQ originalmente publicada na Alter Linus. (Divulgação).

Para além da estética do cangaço, as expressões artísticas do Nordeste tornaram-se a marca registrada de toda a sua obra. São características de seu estilo o traço bem marcado, as expressões forte nos seus personagens, a simplicidade das formas e a presença de motivos, paisagens e personagens nordestinas, tomando a xilografia popular como inspiração. A semelhança com a xilogravura foi alcançada, inicialmente, com o uso do linóleo e em trabalhos mais recentes, com o nanquim.

Dentro do universo dos HQs, Jô é quase uma unanimidade. Voltando da Europa, ele iniciou os trabalhos no Brasil elaborando selos postais para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, sendo responsável por mais de 50 peças filatélicas, recebendo a medalha “Olho de boi” pela produção de selos. Na gaveta traz uma série de prêmios: por duas vezes recebeu o troféu do melhor selo do mundo, na cidade de Asiago, Itália. Foi agraciado com o Prêmio Tucuxí de Ilustração, o Troféu Carlos Estevão de Humor e o Troféu HQ Mix de Grande Mestre dos Quadrinhos, em 2004. Só para citar os principais.

Outra obra que se destaca é Hans Staden – Um Aventureiro no Novo Mundo. A HQ levou seis meses para ficar pronta e nada menos do que 16 anos para chegar ao Brasil. Antes de sua impressão e distribuição pela editora Conrad, a obra já havia sido publicada em três edições da revista italiana Corto Maltese, casa de artistas como Hugo Pratt e Sergio Toppi. “A história de Staden é fantástica. Ele só queria conhecer o mundo e acabou refém de índios por mais de oito meses, quase foi devorado e saiu ileso disso tudo”, comenta empolgado.

A escolha de trazer as histórias da formação do povo brasileiro para dentro da fantasmagoria da sua narrativa tem um porquê muito bem estruturado, uma vez que ele defende a livre utilização de quadrinhos dentro das escolas. “Toda criança sabe desenhar. De repente, as crianças param de desenhar, seja pela pressão dos pais ou por identificar o desenho com uma atividade demasiada infantil”, lamenta. “Nas escolas o ensino de história, por exemplo, é muito chato. História é aventura. Os maiores relatos de aventuras da humanidade estão nos livros de história, que passam a ver os acontecimento de maneira muito formal”, comenta Oliveira que, no primeiro governo Lula, chegou a agendar reuniões com o então ministro da Educação, Cristovam Buarque. A ideia era inserir quadrinhos na rotinas escolares a partir de incentivos do Ministério da Educação. O projeto acabou sendo engavetado.

Jô Oliveira
Fanzine Top! Top! (Paraíba). (Divulgação).

Avesso às histórias de super-heróis como Batman e Superman, Jô também não curte muitos os mangás. “Os super-heróis emburrecem seus leitores. Você acaba depositando toda a responsabilidade de uma ação em uma única pessoa. Isso não existe…”, comenta. Entre os trabalhos atuais está o resgate de algumas obras suas que não foram publicadas em português, bem como a tentativa de dar continuidade à adaptação de Grande Sertão: Veredas interrompida devido à questões internas da editora. “Não entendi porque eles não quiseram continuar…o trabalho de construir uma HQ é muito complicado, envolve diversos processos e custa muito tempo”, concluiu.

Exposição virtual e lançamentos

Para comemorar os 50 anos de carreira, Jô Oliveira ganhou uma exposição virtual no Kunstmatrix, 50 Anos em Imagens: O Mundo Imaginário de Jô Oliveira, com curadoria de Ju Pereira. O autor também se prepara para lançar O Homem de Canudos, parte da campanha Bonelli Brasil, uma homenagem aos quadrinistas brasileiros que trabalha(ra)m para Sergio Bonelli Editore: Jô Oliveira, Wilson Vieira, Pedro Mauro e Ibraim Roberson. A obra está em financiamento coletivo no Catarse, com previsão de lançamento para agosto deste ano.

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