Não entendeu nada, né? Na verdade ‘Hoje tem manteiga de verdade’ é uma gíria interna pra descrever qualquer pessoa (ou pessoinha) que faz parte do SNFC (Sem-Noção-Futebol-Clube) ou do FSFC (Falta de SiMancol Futebol Clube).
A estorieta começa quando eu tinha sete aninhos e passava férias na casa de um tio queridíssimo em Bsb (Brasília). Minha mãe, pernambucana porreta que era, criava eu e meu irmão à base de manteiga: pão com manteiga, tapioca com manteiga, macaxeira com manteiga e cuscuz com manteiga (e um leitinho morno, vá lá).
Na casa desse meu querido tio, só se comia margarina.
Frustração total. Eu e meu irmão, educados que sempre fomos, trocamos um daqueles olhares cúmplices e não falamos coisa alguma. Sabíamos que – em estando na casa dos outros – a gente tinha que se adaptar aos costumes locais.
O problema aconteceu no final das férias. Já na terceira semana de Brasília – e de margarina – meu tio chega do trabalho pra ceia da noite e deposita, sobre a mesa, uma linda, magnífica e insubstituível latinha de Manteiga Aviação.
Bom, pra quem não conhece, Manteiga Aviação é uma delícia e fez parte da minha infância, com aquelas latas em tom laranja berrante quase fluorescente, um tom de abóbora indefectível. O pãozinho da tarde em frente à TV – que transmitia Sítio do Pica-Pau Amarelo e o desenho Faísca e Fumaça – era quentinho e acompanhado de uma porção generosa de Manteiga Aviação. Um copo de achocolatado geladinho pra forrar fazia daquele programa caseiro a minha equação perfeita da felicidade.
Voltamos à Brasília e ao Sem Noção Futebol Clube. Ao ver aquela latinha, meus olhos se arregalaram tal qual se eu fosse um personagem de mangá japonês. Meu coração palpitou e eu saí assim, saltitando igual a um desenho animado e gritando pelo nome do meu irmão:
– Fulaaaaaaaaaaaaano, hoje tem manteiga de verdade!
Na mesma hora minha mãe só disse “Minha filha!” e eu imediatamente sabia que tinha acabado de evocar (e provocar) a 11ª Praga do Egito. E que fatalmente pagaria bem caro pelo erro. Meu tio, coitado, caiu na risada, entendendo que criança, de vez em quando, faz a gente passar vergonha mesmo.
Ironias do destino, hoje eu não compro manteiga pra minha casa. Nem café ou açúcar ou até mesmo leite e achocolatados. Mas a ‘galere’ do SNFC ou do FSFC anda crescendo, viu? Ah, se anda. Haja manteiga pra engolir tanto sapo nessa vida.
Iara Lima é jornalista e escreve crônicas para esta revista.