Histeria Oscar: Preciosa – Uma História de Esperança

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LOOP DE TRAGÉDIAS
Indicado em categorias “nobres”, filme não só tem um roteiro contundente, como conseguiu extrair o melhor de todos os seus atores

Por André Azenha
Colaboração para a Revista O Grito!, em São Paulo

Quando você achar que sua vida está uma merda porque a pessoa amada terminou a relação, o ambiente no trabalho não é como você gostaria que fosse, ou não há dinheiro para a baladinha de final de semana, assista Preciosa – Uma História de Esperança e baixe a bola. Sua vida é um paraíso perto dos problemas enfrentados por Claireece Preciosa Jones (Gabourey Sidibe), ou simplesmente, Preciosa (Precious).

Preciosa é negra, obesa (fatores que não deveriam ter maiores consequências, mas que a fazem enfrentar o preconceito que ainda há na sociedade), e espera o segundo filho de seu próprio pai. Não bastasse sofrer abusos sexuais por aquele que devia amá-la, protegê-la e educá-la, ela também é vítima de ofensas e agressões da mãe (Mo’Nique), e não sabe ler nem escrever.

A princípio, a trama pode parecer uma daquelas excessivamente melodramáticas utilizadas em telefilmes norte-americanos para mostrar certas realidades daquele país. Mas não há nada de melodrama aqui. O que o diretor Lee Daniels (de Matadores de Aluguel com Helen Mirren e Cuba Gooding Jr., que saiu direto em DVD no Brasil) concebeu foi uma história pungente, triste, mas que pode servir de alento para quem vive dramas parecidos – daí o subtítulo brasileiro “Uma História de Esperança”.

Baseado no livro Push (cujo título foi modificado na adaptação cinematográfica para não haver confusão com o filme de ação contemporâneo de mesmo nome), que o próprio Daniels leu, “Preciosa”, o filme, apesar de não ser uma história inspirada em alguém verídico, representa a situação de tantas meninas ao redor do mundo. Não é um filme de fácil digestão, mas é uma situação que precisava ser contada. E quem der chance ao longa-metragem dificilmente sairá do cinema indiferente.

Produzida por duas celebridades da televisão americana, Oprah Winfrey e Tyler, trata-se de uma obra visceral, filmada com câmera na mão (exceto os sonhos da protagonista, rodados de forma clássica), intensificando a proximidade com a realidade e calcado principalmente nas atuações memoráveis da novata Gabourey “Gabbie” Sidibe e da comediante Mo’Nique, que interpreta Mary, a mãe da protagonista.

Mo’Nique, por sinal, dá vida a uma das personagens mais execráveis e desprezíveis da história do cinema. Ela não economiza na agressão física ou verbal propagada contra a própria filha ou a neta com síndrome de down, batizada simplesmente de Mongo.

Não satisfeita em humilhar Preciosa, Mary aproveita o auxílio desemprego e a pensão que deveriam ser utilizados em favor de sua filha e da neta, para usar essa “ajuda” em benefício (se é que pode ser considerado algo benéfico) próprio: passar os dias sentada em frente à televisão, comendo que nem uma porca, e criticando quem tirar o seu “sossego”. A forma como Mo’Nique se entrega ao papel é tamanha que ela venceu os principais prêmios do ano, incluindo o do Sindicato dos Atores e o Globo de Ouro, e é franca favorita ao Oscar de Atriz Coadjuvante.

Sidibe não fica atrás. Estreando no cinema e já faturando uma indicação à premiação da Academia, a atriz precisou dar vida a uma personagem quase dez anos mais nova que sua idade real (ela fará 27 anos em 6 de maio, enquanto Preciosa tem 18 no filme) e encarna com perfeição um menina, que, para se proteger do mundo exterior, mantém a cara fechada, não troca olhares com ninguém, tentando parecer invisível. Para escapar um pouco da realidade, vez ou outra Preciosa sonha que é bem sucedida artisticamente e que tem um namorado branco.

Os atores coadjuvantes também têm boas atuações. Começando por Paula Patton, como a professora Blu Rain, que surge na vida de Preciosa quando esta última vai parar nunca escola “alternativa”, por estar grávida novamente. Blu Rain, com muita paciência, não apenas ensina Precious e suas amigas a ler e escrever, mas a encarar a vida por outra perspectiva. E cada olhar e expressão de Patton transmite o envolvimento da professora com a vida dessas meninas. Fica subentendido que Blu Rain é homossexual, o que a torna um alvo de discriminação tanto quanto suas alunas.

Também se destacam as presenças da cantora Mariah Carey e do músico Lenny Kravitz, totalmente despidos de qualquer glamour. A primeira, como uma atendente do serviço social, e o segundo como um assistente de enfermagem que vira amigo da personagem principal.

Revelado no Festival de Sundance, a Meca do cinema independente mundial, onde foi premiado em três categorias, Preciosa – Uma História de Esperança já levou mais de 50 prêmios ao redor do mundo e mereceu suas seis indicações ao Oscar (Filme, Direção, Atriz, Atriz Coadjuvante, Montagem e Roteiro Adaptado).

Talvez não seja sucesso de público no Brasil devido ao tema forte. Mas se puder, encare esta empreitada e se emocione. Você estará à frente de uma obra que pode parecer sobre determinada raça ou classe social, mas se vista sem pré-conceitos, é um tratado sensível e universal sobre a força da mulher, diferenças, tolerância, amor, respeito, amizade e sim, esperança – fatores com os quais convivemos diariamente sem ás vezes nos darmos conta. É um filme direto, reto, enxuto, um dos grandes trabalhos cinematográficos dos últimos anos.