Grizzly Bear | Veckatimest

Grizzly Bear (Foto: Divulgaçao)

URSOS MADUROS
Depois de dois álbuns elogiados, novo do Grizzly Bear mostra um espírito renovador de uma banda que, enfim, encontrou a unidade
Por Livio Paes Vilela, do Rio de Janeiro

GRIZZLY BEAR
Veckatimest
[Warp, 2009]

grizzlyvecktimestNão é a toa que o nome do terceiro disco do Grizzly Bear foi tirado de uma ilha quase inabitada e selvagem no norte dos Estados Unidos. Veckatimest é som de uma banda mergulhando no desconhecido e fazendo disso uma viagem de exploração e reconhecimento. Isso fica claro já maneira que o disco foi produzido. Embora Horn Of Plenty (2005) e Yellow House também sejam creditados ao Grizzly Bear, em ambos ouve-se claramente a distinção entre os dois compositores da banda, Ed Droste e Daniel Rossen. São trabalhos de almas isoladas (principalmente o primeiro), tocadas por um quarteto. Em Veckatimest os dois, mesmo que não pisem nos mesmos lugares, caminham juntos, como uma espécie de Lennon e McCartney do Brooklyn. Assim, Veckatimest soa como o primeiro (ou segundo, se contarmos o EP Friend lançado em 2007) disco do Grizzly Bear gravado pelo Grizzly Bear. E isso faz uma grande diferença.

Yellow House, o álbum que catapultou a banda ao estrelato indie, é um disco que apesar da riqueza de suas melodias e texturas tem seu brilhantismo garantido nas circunstâncias. Tanto é que traz no título o nome do ambiente em que foi gravado, a casa amarela da avó de Rossen. É daquelas obras que deslumbram, tiram o ar, mas também deixa a impressão que se, por um descuido, uma nota saísse do lugar, tudo desmoronaria. Veckatimest, pelo contrário, é um álbum meticulosamente calculado, em que cada escolha parece ter sido pensada, repensada, para então ser posta em prática. Nesse sentido, é como se depois de um rascunho exuberante, o Grizzly Bear finalmente tivesse chegado a um resultado final. Depois de se explorarem e se reconhecerem como banda, é como se eles entregassem exatamente aquilo desejavam. Obra-prima aqui definitivamente não é hipérbole.

Só que quem imagina um disco ainda mais expansivo que o anterior, se engana. A variada palheta de cores e texturas vindas dos êxitos tanto de Yellow House e Friend, quanto do projeto paralelo de Rossen, o Department of Eagles, deixou como espólio uma gama variada de opções e a banda parece ter escolhido só as mais bonitas. O que não quer dizer que não haja novas cores, pelo contrário. Já nos primeiros segundos Veckatimest descortina uma nova paisagem, menos árida, mais ensolarada. A faixa de abertura, “Southern Point”, flerta com andamentos de jazz, mas também acena para o folk barroco de Andrew Bird, e ainda, sim, deixa a mesma sensação de uma brisa de road-song springsteeniana.

Já na faixa seguinte outro aspecto do álbum fica claro. Como Boxer do The National e o recente Merriweather Post Pavilion do Animal Collective, Veckatimest marca o ápice dessa nova geração de bandas americanas que, sob o guarda-chuva do rótulo “new weird America”, estão reimaginando a tradição musical dos Estados Unidos. “Two Weeks” é o que Brian Wilson faria depois de Smile, se o que ele tivesse feito não fosse enlouquecer. Longe do conceito de “sinfonia de bolso” que atormentou Wilson no seu pico de genialidade, “Two Weeks” se aceita como canção pop que é e não pretende ir além disso. No entanto, não usa o fato como desculpa para o desleixo. É sofisticada, melodicamente perfeita e tem um arranjo tão exuberante quanto preciso. Sem parecer um esforço, é daquelas que deixam o ouvinte sem chão e sem fôlego.

“Fine For Now” e “While You Wait For The Others” dão continuidade ao trabalho que Rossen mostrou no último disco do Department Of Eagles, aproximando o folk rock setentista de Neil Young a “geração de ouro” de guitarristas do indie rock americano, como J. Mascis do Dinosaur Jr. e Doug Martsch do Build To Spill.  Já “Cheerleader”, “About Face”, “Ready, Able” e “Foreground” partem do soft-rock quase kitsch, para encontrem uma espécie de psicodelia classuda, tão incomum quanto adorável.

Se a música deslumbra, as letras não fazem esforço para desviar a atenção. São imagens soltas, embaçadas e, por isso, misteriosas. É como se víssemos uma história íntima através de pequenos fragmentos jogados ao léu: a “rotina atrasada” de “Two Weeks”, a “luta de um só” de “About Face”, o tempo que ainda resta de “Fine For Now”, o “não me faça implorar” de “I Live With You”, o estar “pronto, hábil” para partir de “Ready, Able”… E nos espaços em branco, Droste e Rossen fazem você deixar um pouco da sua própria vida, lembrando que qualquer obra de arte só passa a ser o que é quando se vê projetada para além do artista.

Talvez reflexo do fim da década, Veckatimest, como outros discos de 2009 (Animal Collective, Neko Case, Doves, St. Vincent, a lista é grande), é uma obra de artistas finalmente encontrando a maneira mais precisa para se expressarem. É um álbum orgulhoso de si, que entende a maturidade como meio e não como um fim. No ambiente barulhento do hype, as discussões provavelmente vão girar em torno de quão melhor ou pior Veckatimest é em relação ao outros lançamentos, mas na sua confiança quase silenciosa, ele prova ser maior do que isso.

NOTA: 9,5

[audio:http://www.musicisart.ws/music/apr/cheer.mp3]
“Cheerleader”

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