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Gênero Queer explora as subjetividades da pessoa não-binárie com leveza

Livro de Maia Kobabe foi o título mais censurado dos EUA em 2022 e traz um relato autobiográfico sobre os questionamentos da autore sobre sexualidade, família e amizades

Gênero Queer explora as subjetividades da pessoa não-binárie com leveza
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Gênero Queer
Maia Kobabe
Tinta da China Brasil, 242 páginas, R$ 99,00, 2023
Tradução de Clara Rellstab

Maia Kobabe foi identificada como menina ao nascer. Mas, desde cedo percebeu que todo o imaginário ligado ao gênero feminino não correspondia à imagem que tinha de si. No seu processo de transição, percebeu que tampouco se via como um menino. Na busca por se conectar consigo mesme e descobrir mais sobre sua própria identidade, Maia acabou se definindo como uma pessoa assexual (alguém que não sente ou sente pouca atração por outra pessoa, não importa o gênero), queer e não binárie (uma pessoa que não se identifica com o gênero masculino nem com o feminino).

Essa jornada de descoberta é narrada por Maia Kobabe nesta HQ autobiográfica que marca a estreia nos quadrinhos da editora Tinta da China. O livro traz uma narrativa que trafega entre o relato íntimo e o ensaio, com diversos infográficos e explicações bem didáticas, que são apresentadas de maneira bastante orgânica dentro da trama.

A leveza da prosa de Kobabe é sua maior fortaleza, o que fez desse livro uma espécie de porta de entrada para pessoas que buscavam entender mais sobre o gênero queer ou que precisavam de um material sensível como apoio para sua autodescoberta. A generosidade da autore em entender a relevância de sua obra para muitos dos seus leitores nos ajuda a compreender o estardalhaço que esse lançamento teve nos EUA, onde sofreu ameaças de censura por parte de movimentos ultraconservadores, que queriam bani-lo de bibliotecas públicas.

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Gênero Queer acompanha Maia Kobabe em diversas fases de sua vida, começando sua infância em um ambiente acolhedor e libertário na Califórnia dos anos 1990 (seus pais eram adeptos da educação Waldorf e trabalhavam como músicos e educadores em um ambiente comunitário). Mas, mesmo esse espaço de maior liberdade não impediu que a autore passasse por momentos difíceis dada a falta de conhecimento em relação às questões de gênero e sexualidade naquele momento.

Além dos dilemas típicos da adolescência, Maia passou também a questionar os padrões sociais impostos às meninas, como depilar as pernas e as axilas e usar maiô. Em uma viagem da escola à praia chegou a ser repreendida pela professora por ficar com tórax à mostra, assim como os meninos faziam.

Foi então que sua jornada de autodescoberta a levou a vivenciar várias saídas do armário. Primeiro, no ensino médio, se identificou como uma pessoa bissexual. Em seguida, na faculdade, como parte de uma investigação pessoal para saber como se relacionar com outras pessoas, se descobriu como pessoa assexuada. E, por fim, em um processo longo e bastante atencioso consigo mesme, passou enfim a a se definir como uma pessoa não binarie.

Ao final dessa jornada, Maia Kobabe deixa claro ao seu leitor que esse processo de descobertas é parte importante da vida. Tira o peso que muitos jovens LGBTQIA+ vivenciam durante a infância/adolescência, muitas vezes de maneira bastante solitária e sem compreensão de amigos e família.

O tom leve do livro acaba tornando sua leitura uma experiência acolhedora, sem que isso tire as nuances e complexidades que o tema exige. Ela também não abriu mão de trazer à tona momentos bem pesados, como uma cena excruciante em que narra em detalhes o horror que viveu durante os exames de papanicolau na ginecologista. Como toda boa HQ autobiográfica, Gênero Queer vai fundo na intimidade, sem pudores, ao compartilhar de maneira gráfica as descobertas sexuais, da masturbação ao uso da cinta peniana. As cenas, contudo, são desprovidas de erotismo e aparecem aqui como parte das reflexões sobre corpo e desejo.

A escrita de Maia Kobabe é direta, suscinta e sua narrativa inicia e encerra temas-chave sem rodeios. Tudo isso é carregado por um desenho bem limpo, minimalista. Quase não há cenários e os detalhes para além dos personagens só aparecem quando são imprescindíveis para a história. Isso acaba aproximando ainda mais o leitor de seu protagonista, como se fôssemos parte de sua consciência.

Gênero Queer tem tudo para se tornar um item obrigatório na biblioteca de obras clássicas do quadrinho autobiográfico, ao lado de Fun Home – Uma Tragicomédia em Quadrinhos, de Alison Bechdel e Persepólis, de Marjani Satrapi. Mas seu maior feito residirá no fato de ser uma obra generosa e companheira para todes que queiram entender melhor sobre a identidade não binárie. Em um mundo ainda tão violento com a comunidade LGBTQIA+, ter à disposição uma obra que discute com sinceridade as subjetividades ligadas ao gênero é algo muito poderoso.

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