GIRL (SUPER) POWER
Afastada dos gibis de heróis vendido em bancas, decidi dar uma chance às representantes femininas no reboot da DC Comics
Por Dandara Palankof
Já há alguns anos havia deixado de comprar gibi de super-herói em banca. Simplesmente chegou aquela hora que, provavelmente, sempre chega pros leitores brasileiros pouco abastados: não estava mais valendo à pena. Com nossa política de publicação dos supers por meio de mixes (com vários títulos em uma só publicação, dos quais às vezes só um vale a pena), pouca verba disponível e um certo cansaço do universo, percebi que, naquele momento, não tinha muita vontade.
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Aquele momento, pra mim, era uma pausa nos Surpreendentes X-Men de Joss Whedon e John Cassaday, e final da passagem de Brian Michael Bendis e Alex Maleev pelo Demolidor. O único título que comprava regularmente da DC era Novos Titãs, e esse já havia sido abandonado pelo outro fator cada vez mais determinante: a pindaíba. Então, nada mais me empolgava ao ponto de justificar o investimento. E lá se vão mais ou menos seis anos que só vejo esse universo de colants em encadernados ou na tela do computador.
(Sim, eu baixo gibis. E provavelmente você que está lendo isso também. Mas isso é conversa pra outro dia.)
Enfim, sou dessas trouxas que a indústria norte-americana de quadrinhos adora: a que cai no conto do reboot. Não que eu necessariamente bata palminhas de excitação toda vez que vejo uma das grandes editoras do gênero dizer que vai mudar o status quo de seu respectivo universo e zerar a numeração de seus gibis – e já vi isso algumas vezes nesses pouco mais de 20 anos de leitora de histórias em quadrinhos. Não garante nada realmente inovador, mas dentro de uma indústria de cronologia tão extensa, é bom tanto pra leitores – novos ou filhos pródigos – quanto pros autores, que tem uma pequena, ínfima lufada do vento da liberdade criativa no que concerne às tais amarras cronológicas.
Dito isso, é justo dizer que minha encarei a iniciativa dos Novos 52, o reboot valendo da DC Comics, com um pouco mais de simpatia. Porque, em princípio, é realmente uma grande ousadia; sem necessariamente uma crise pra dizer “isso vale, isso aqui não vale mais”, o que eu via era a editora respeitando tanto seu passado ao ponto de achar que não era mais interessante revirá-lo; que seja finalmente colocado como um grande legado a ser revisitado por todos os meios que são hoje disponíveis. Posto isso, grandes personagens, novos tempos, vamos manter tudo o que os faz icônicos e começar uma Era toda nossa. Menos as cuecas por cima das calças. Isso realmente não faz mais sentido, se é que um dia já fez.
(E talvez isso seja interessante de se discutir em alguma mesa de pessoas que se dignem a ser Vigias desses universos: estamos diante da aurora uma nova Era?)
Enfim. Sendo a pindaíba menor, sendo o barulho grande – ainda que eu esteja ciente de que essa relação, por vezes promíscua, da indústria da HQ com a indústria do cinema iria interferir MUITO nos rumos da Nova DC –, sendo a saudade considerável e o número de mensais brasileiras da DC bem inferior às da Marvel na minha gibiteca, achei que esse era um bom momento para voltar a comprar gibis mensais de super-herói e ainda aumentar a variedade do acervo.
Entretanto, a pindaíba é apenas menor, não inexistente. Selecionei apenas alguns poucos para esse retorno. Gostaria aqui de me ater a um deles em específico: A Sombra do Batman. Gosto do universo do personagem, obviamente – principalmente do que Grant Morrisson, aquele lunático, vinha fazendo com ele. Mas houve outro fator determinante: dos sete títulos presentes na revista, três são protagonizados por mulheres. E bom, estou tentando ser um pouco mais atuante no que diz respeito à representação feminina nos quadrinhos de super-herói e dar ibope a tais títulos é sempre um começo. Então, nesse meu primeiro momento de compartilhar meu olhar sobre a Nova DC, é deles que quero falar.
(Apesar de tudo, queria só fazer uma menção honrosa ao único título de equipe do mencionado mix: Capuz Vermelho e Os Renegados é tão ruim, mas TÃO RUIM, que chega a ser divertido, aquele refugo dos anos 1990.)
O que eu acho mais interessante é que os três títulos estrelam personagens femininas bem diversas entre si. Um mosaico interessante de personalidades. Sendo otimista, uma prova de que talvez a indústria possa estar aprendendo um pouco… e começando pelo título que representa o arquétipo feminino mais explorado dentro desse gênero: a mulher hiper-sensual, voluptuosa e “fetichizada”. Mas não necessariamente objetificada. Pelo menos não em Mulher-Gato. A série, escrita por Judd Winick e desenhada por Guillem March, apresenta uma Selina Kyle jovem, ambiciosa e, nesse primeiro arco, com sede de vingança. E bem sexualizada.
Lembro que houve uma certa polêmica por considerarem apelativo o final da primeira edição – revisitado na segunda –, que mostra uma relação sexual entre Selina e Batman. Totalmente despropositado. A cena não é apelativa, mais sugere do que mostra e o diálogo é despojado, típico de uma mulher contemporânea jovem, vivendo um relacionamento (em princípio) puramente carnal. Tudo contextualizado, não necessariamente na trama, mas dentro do que a série se propõe a fazer: (re)construir a persona da protagonista do título.
Dito isso, Judd Winick até agora vai bem em criar mais uma boa história de ação: vingança é sempre um mote interessante e cria a expectativa de que há muito a se descobrir sobre o (novo) passado da personagem e colocá-la pra brigar com a máfia russa dá uma boa gama de vilões urbanos barra-pesada (o que, imagino, será o universo recorrente no qual veremos Selina). O retrato desses tipos machistas e hiper-masculinizados é um bom contraponto à figura forte e sensual de Selina, que sabe muito bem quando e como usar seus diversos atributos.
Já o desenhista Guillem March é uma contradição interessante: sua composição de página é muito boa e alguns quadros optam por ângulos inusitados; em compensação, seu traço, no que diz respeito à anatomia, é descaradamente influenciado pelo que há de pior nos quadrinhos de super-heróis. Todos os clichês tão lá: músculos que não existem nos heróis, pose brokeback nas heroínas… você acaba relevando com o passar da história, já que ele nitidamente tem domínio de narrativa visual e, em compensação, o cara é muito bom de expressão facial (algo difícil); mas é sempre estranho se deparar com uma barriga-tanquinho que mais parece uma coleção de tumores gigantes.
Então, temos a Batgirl de Gail Simone e Ardian Syaf. Barbara Gordon faz parte de meu imaginário de leitora já como Oráculo (que, em princípio, desapareceu. Uma pena, personagem incrível). Assim, é um contraste bem interessante ver a mulher madura ser transformada novamente na jovem impetuosa que apenas acabou de se recuperar do tiro que tomou do Coringa.
Eu adoro a Simone desde que ela escreveu o Deadpool no começo dos anos 2000. Não apenas por ela ser o maior nome entre as pouquíssimas roteiristas no mainstream das histórias em quadrinhos, mas por ela ser genuinamente talentosa pra contar esse tipo de história. A prova disso é o fato de ela ter assumido uma verdadeira bomba e, até agora, estar entregando histórias bem agradáveis de ler, criando uma empatia com essa volta meio estapafúrdia da Batgirl.
Simone criou uma boa história de retorno, abrindo várias possibilidades para a nova vida de Barbara, mas assumindo a atual fragilidade da personagem. E a roteirista trouxe alguns bons personagens secundários pra mostrar a Barbara que a vida não é fácil, seja mascarada ou não. O recurso da narrativa em primeira pessoa funciona bem, sem parecer repetitivo ou tornar-se cansativo. Mesmo o vilão absolutamente clichê não incomoda, pois cumpre bem a função dentro da trama. Já a arte de Syaf é bastante competente. Mas só.
Pra fechar a tríade, a nova Batwoman. Uma personagem com a qual eu não tenho a menor intimidade. Só sabia, claro, de todo o barulho por conta da sexualidade dela e de seu caso com Renée Montoya (aliás, cadê a Questão?!). E da arte do J. H. Williams III. Então, estou descobrindo a Kate Kane aos poucos e, pra ser bem sincera, ainda não sei bem quem ela é. Acho que eu deveria ir atrás de algumas coisas…
A nova série, co-escrita por Williams com W. Haden Blackman parece promissora: conflitos familiares, ameaças sobrenaturais, uma conspiração de uma organização secreta… há ação, sim, mas o foco aqui parece ser contar uma história de mistério. Também é interessante pensar que papel ela, enquanto personagem realmente nova no bat-verso, pode desempenhar dentro da Corporação Batman (ainda bem que a DC não jogou essa idéia pelo ralo com o reboot, é sensacional demais pra isso). De todas as séries, talvez seja a mais promissora no que diz respeito à trama.
Quanto à arte, Williams ainda é o responsável. E bom… a única coisa que me pergunto é aonde esse cara tava antes. Não é a toa que ele ganhou o Sandman Zero no colo. Ele cria páginas num grande mash-up de estilos, sem que nada pareça bagunçado; pelo contrário, é de uma elegância notável. As várias técnicas de traço e as diferentes texturas dão uma incrível consistência aos desenhos e, às vezes, parecem querer desafiar a bi-dimensionalidade; diferentes paletas de cores, de acordo com a ambientação que ele deseja retratar. Diversas experimentações com a estrutura das páginas. Resumindo: o cara é foda. Se as histórias caírem muito, mas ele continuar desenhando desse jeito, vou continuar querendo ler a Batwoman.
As meninas tão mandando muito bem. Que a DC se esforce pra que assim seja por um bom tempo.
PS: sim, É CLARO que eu quero ler a Mulher-Maravilha do Brian Azzarello com o Cliff Chiang. Mas o mix por aqui tava bem fraquinho. Logo mais vou deixar de ser leniente, baixar e fazer minhas considerações.