critica filho de boi
Foto: Divulgação.

“Filho de Boi” aborda bullying em um sertão romantizado

Longa de estreia de Harold Borges e Ernesto Molinero retrata a tentativa de fuga de uma vida de solidão de um adolescente sem amigos e sem conexão familiar

“Filho de Boi” aborda bullying em um sertão romantizado
3.5

Filho de Boi
Haroldo Borges e Ernesto Molinero
BRA, 2022. Drama. Distribuição: Olhar Distribuição
Com João Pedro Dias, Luiz Carlos Vasconcelos


O sertão nordestino já foi cenário e personagem de muitos clássicos do cinema brasileiro do icônico Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos a obras contemporâneas como Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes. Como eles, muitos outros filmes colaboraram na criação de um universo cinematográfico único no Brasil no qual se romantiza o sertão tanto como um lugar de precariedade social quanto símbolo de resistência e luta. Em seu longa de estreia, o baiano Haroldo Borges e o argentino Ernesto Molinero exploram esse espaço mítico, mas a partir de um tema moderno: o bullying infantil.

Filho de Boi conta a história de João (João Pedro Dias), um adolescente de 13 anos que vive apenas com seu pai (Luiz Carlos Vasconcelos), sem mãe e sem parentes no sertão da Bahia. João não tem amigos e se sente desconectado de seu pai e da comunidade em que vive. Ele sofre humilhações e é também vítima de preconceito por ser “filho de boi”, expressão usada no interior da Bahia para designar uma criança que, junto com o pai, foi abandonado pela mãe.

A ausência materna aumenta o sentimento de solidão de João. Sentimento que gera nele uma inquietação sobre seu destino e a necessidade de uma escolha: mudar de vida ou sucumbir ao sufocamento social ao qual está preso. Com a passagem de um circo itinerante pela cidade – o circo Papa-léguas – João abraça a ideia de escapar do seu tormento sendo candidato a ser o novo palhaço do circo após a morte inexplicada do palhaço Piriquito. 

Filho de Boi.
Foto: Divulgação.

A morte é o primeiro elemento de solidão explorado pelo filme. Logo nas primeiras sequências, João presencia o desespero de um boi que se encontra preso e ensanguentado em uma cerca de arame farpado. Ao mesmo tempo, João nota, próximo a ele, um homem misterioso que corre com um buquê de flores e depois o deposita em uma sepultura isolada no meio do nada com os dizeres “Aqui jaz o palhaço Piriquito.” Essa sequência inicial serve para mostrar ao público a agonia de João que, de forma desesperada, tenta soltar o boi como se estivesse tentando ajudar a si mesmo a sair da vida sem perspectiva que ele leva em Tamboril.

As cenas iniciais rodadas utilizando a técnica da câmera na mão e de planos fechados leva o espectador a sentir com mais força o sufocamento do personagem principal. A sequência culmina com a morte do boi e a aparição do pai de João que, de forma fria e em poucas palavras parece acusar João do falecimento do animal por conta de sua inexperiência como vaqueiro. A pouca interação de João com o pai demonstra, já no início, a desconexão entre os dois, elemento que será reforçado em momentos pontuais durante todo o filme, trazendo outro aspecto da solidão que atormenta o protagonista, o abandono. 

Aos poucos, vamos então percebendo o isolamento vivido por João. Assim, enquanto a cidade se movimenta para prestigiar e participar do circo Papa-léguas, João observa tudo de longe e nunca é convidado pelos outros meninos a participar das aventuras deles. João passa a espiar as instalações do circo e é surpreendido por Salsicha (Vinicius Bustani) dono do Papa-léguas. Salsicha presenteia o garoto com dois ingressos gratuitos para ele ver o espetáculo, mas fica intrigado com o comportamento silencioso de João.

A atenção recebida faz com que João, pela primeira vez, não se sinta abandonado. Com a esperança de encontrar refúgio na arte, ele decide então tentar a vaga de palhaço e passa a sonhar com a aceitação do seu pai por sua escolha, para quem sabe, ganhar também o respeito da comunidade de Tamboril. A empreitada vira um novo desafio na vida solitária de João e o fará refletir sobre sua condição.

Filho de Boi é um filme envolvente com momentos poéticos que podem hipnotizar o público, sobretudo pela fotografia de Remo Albornoz, eficiente na captura da luminosidade natural do sertão nordestino. Pela cinematografia percebemos a tentativa dos diretores de criar uma obra neorrealista. Essa escolha, no entanto, se mostra um pouco problemática.  

Pela atuação do elenco fica claro que a maioria dos atores não são profissionais, incluindo o protagonista João. A falta de experiência de alguns atores, todavia, gera a dúvida se os realizadores queriam um registro naturalista sem se importar com a atuação, ou seja, aproximar-se de um cinema híbrido entre a ficção e o documentário, ou se simplesmente não conseguiram uma interpretação mais convincente.

 Os atores profissionais do filme, Luiz Carlos Vasconcelos e Vinicius Bustani, sofrem com pouca presença em tela e com a falta de diálogos marcantes que ajudem a potencializar o drama que a história aborda. Apesar de ter o circo como cenário e falar de palhaços, Filho de Boi não é um filme engraçado. Em vez do riso, prevalece o tom de suspense e drama, principalmente nas cenas em que João sofre bullying dos outros meninos.  A trama do filme centrada na figura tímida de João com sua dificuldade de se comunicar e a discriminação da qual é vítima nos faz lembrar também a figura do lobo solitário, muito usada em filmes de western.

No Recife, Filho de Boi está em cartaz no cinema da Fundação do Porto.