Uma cidade não é apenas um agrupamento de pessoas ou um conjunto de edificações, mas, antes de tudo, é território (entendido aqui para além de uma delimitação geográfica, e sim como espaço resultante da junção entre o humano, os objetos, a natureza e a cultura) e identidade. Com essa perspectiva, o Urbe-se chega à segunda edição dialogando, mais uma vez, com locais simbólicos para a memória das lutas por liberdade e democracia no Recife. De 12 a 15 de novembro, o festival de video mapping promoverá, exposição, oficinas e bate-papo, um circuito artístico que retorna à Casa da Cultura e ao Monumento Tortura Nunca Mais, ambos no Centro do Recife, e, pela primeira vez, chega ao Memorial da Democracia de Pernambuco, no Sítio Trindade, com projeções de obras de artistas de diferentes gerações, entre eles Francisco Brennand (in memoriam), homenageado desta edição. Toda a programação é gratuita e conta com incentivo do Funcultura.
Pernambuco é palco de revoluções e lutas contra os mais diversos tipos de opressão desde sua origem, o que fez um autor desconhecido, no século XIX, afirmar que existia um “maligno vapor pernambucano”, vapor este sinônimo de democracia, e o padre Dias Martins, em contraponto, atestar que havia uma “ardência natural dos pernambucanos”. Ligado a esta memória, que não está só no passado, mas se concretiza com as batalhas diárias da população, especialmente dos grupos minorizados, o Urbe-se, cuja primeira edição aconteceu em 2019, trabalha o espaço urbano através de intervenções artísticas com o video mapping, reforçando seus três principais eixos: arte e política, arte e tecnologia e arte urbana.
“Destacamos a importância do papel político da arte, a associação da arte com os novos suportes contemporâneos e também a escolha dos lugares para unir os eixos. São locais que guardam memórias da cidade do Recife. A Casa da Cultura, antes, foi a Casa de Detenção, e por ela passaram muitos presos políticos da ditadura militar, como Gregório Bezerra. O Monumento Tortura Nunca Mais foi o primeiro do país a denunciar a tortura do período da ditadura. O Brasil foi o único país do mundo a não punir os torturadores e a única forma que temos de não repetir essa história é lembrar dela. E o Memorial da Democracia, além de ter sido sede do Movimento de Cultura Popular, está localizado no Sítio Trindade, um território histórico de resistência que abrigou, em 1630, o Forte do Arraial do Bom Jesus, criado para lutar contra a invasão holandesa, e onde, por cinco anos, 500 pessoas ficaram abrigadas, resistindo”, explica Lucia Padilha, coordenadora do Urbe-se.
Para isso, o Urbe-se convidou artistas pernambucanos de diferentes gerações, cujos trabalhos se manifestam em diferentes linguagens artísticas, para criar obras inéditas e dialogar com as memórias desses lugares através das projeções de vídeo mapping, técnica audiovisual que projeta imagens em espaços e edificações, dialogando com a arquitetura e a forma da superfície. Integram a programação Maurício Castro, Juliana Notari, Clara Nogueira, Coletivo IAE (Inconsistência, Acaso e Erro) e o Coletivo Mutirão.
O festival conta ainda com a participação do coletivo VJs Retinantz, composto por Gabriel Furtado e Cauê Nascimento, que fará as projeções de video mapping e foi responsável pelo suporte técnico para a criação das obras em vídeo dos artistas convidados; e o músico Alex Mono, que contribuiu com a criação de trilhas sonoras para os vídeos criados. Durante as projeções, haverá também performances sonoras ao vivo do Coletivo IEA, composto por João Lin e Hassan Santos.
Além deles, o Urbe-se exibe uma animação inédita do mural “Batalha dos Guararapes”, de Francisco Brennand (in memoriam), que tem 2,20 metros de altura por 32,11 de comprimento, e retrata os esforços dos pernambucanos para expulsar os holandeses, após a invasão no século XVII. O evento é considerado um dos fundadores do entendimento da pátria brasileira, com a união de representantes brancos, indígenas e negros. O artista foi convidado pelo projeto no início de 2019 e autorizou a intervenção na sua obra, que originalmente ficava na rua das Flores, mas hoje está na rua Antônio Falcão, em Boa Viagem. Brennand faleceu em dezembro daquele ano e, por isso, esta edição presta uma homenagem ao icônico artista visual pernambucano que guarda ainda outra ligação com a proposta do festival.
Brennand foi um dos grandes articuladores do projeto que fez com que a antiga Casa de Detenção fosse transformada na Casa da Cultura. Ele também foi um dos colaboradores do Movimento de Cultura Popular (MCP), que buscava ampliar o acesso à educação e à cultura para a classe trabalhadora, de uma forma libertadora e democrática, do qual participaram também pensadores e artistas como Paulo Freire, Abelardo da Hora, Germano Coelho, Anita Paes Barreto, Luiz Mendonça, entre outros. Brennand também ilustrou a cartilha para alfabetização de adultos criada por Paulo Freire. O casarão onde está o Memorial da Democracia em Pernambuco também foi sede do MCP, sendo desativado de forma abrupta pela ditadura militar, em 1964.
Exposição
De 12 a 14 de novembro, o festival apresenta a exposição coletiva “Arte, Cidade e Democracia”, com visitação das 11h às 17h, no Memorial da Democracia de Pernambuco. A mostra reúne recortes das pesquisas de quatro projetos que abordam a relação entre arte e cidade: o Circuito da Poesia, o Guia Comum do Centro do Recife, o mapeamento Trilhas do Graffiti e o projeto Recife Arte Pública. Estarão em exibição trabalhos em fotografia, mapas, esboços e livros que revelam esculturas, murais, grafites, lugares e situações poéticas presentes em espaços públicos do Recife.
Oficinas
O eixo formativo do Urbe-se conta com duas oficinas que focam na relação entre arte urbana e tecnologia, ambas com realização no Memorial da Democracia, onde também serão apresentados os trabalhos de finalização das atividades. No dia 13/11, das 14h às 17h, o artista multimídia Gools VJ ministra “VJing e Video Mapping”. De caráter teórico e prático, a oficina oferece uma introdução ao universo do VJ (video jocking, quando há manipulação em tempo real de imagens, em diálogo com a música) e às projeções mapeadas. Ao final, será criada uma obra coletiva em vídeo que será projetada no festival.
No dia 14 de novembro, Nathê Ferreira, grafiteira, educadora social e ativista, conduz a Oficina de Grafite, com abordagem teórica e prática sobre a linguagem do grafite, com foco em questões sociais e na presença de mulheres na arte urbana. Os participantes serão convidados para uma ação coletiva de grafite em um mural nos jardins do Memorial da Democracia.
As inscrições para ambas são gratuitas aconteceram de 04 a 10 de novembro , com 50% destinadas a pessoas negras, indígenas, PcD, moradores da periferia e LGBTQIAPN+.
O Urbe-se tem incentivo do Funcultura, através da Fundarpe, Secretaria de Cultura de Pernambuco e Governo de Pernambuco.
Serviço: 2ª edição do Urbe-se
Datas e locais das projeções:
13 de novembro – Casa da Cultura (Rua Floriano Peixoto, s/n, Santo Antônio)
14 de novembro – Memorial da Democracia de Pernambuco (Sítio Trindade – Estrada do Arraial, s/n, Casa Amarela)
15 de novembro – Monumento Tortura Nunca Mais (Rua da Aurora, s/n, Santo Amaro)
Horário: 19h às 21h
Confira a programação completa do Urbe-se:
Dia 12/11 (terça-feira):
Exposição “Arte, Cidade e Democracia”
Horário: 11h às 17h (até o dia 14/11)
Local: Memorial da Democracia de Pernambuco
Dia 13/11 (quarta-feira):
Oficina VJing e Video Mapping, com Gools VJ
Horário: 14h às 17h
Local: Memorial da Democracia de Pernambuco
Roda de Conversa com os artistas
Horário: 18h
Local: Casa da Cultura
Projeções de video mapping
Horário: 19h às 22h
Local: Casa da Cultura
Dia 14/11 (quinta-feira):
Oficina de Grafite, com Nathê Pereira
Horário: 10h às 17h
Local: Memorial da Democracia (Estrada do Arraial, s/n, Casa Amarela)
Projeções de Video Mapping
Horário: 19h às 21h
Local: Memorial da Democracia (Estrada do Arraial, s/n, Casa Amarela)
Dia 15/11 (sexta-feira):
Projeções de Video Mapping
Horário: 19h às 21h
Local: Monumento Tortura Nunca Mais (Rua da Aurora, s/n, Santo Amaro)