Entrevista: O Diabo na Cruz

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NOVIDADE E MÚSICA BONITA
No esteio da preservação musical de Portugal, o grupo Diabo Na Cruz fala sobre a influências musicais, perspectivas de futuro e quais as principais propostas que norteiam o grupo

Por Pedro Salgado
Colaboração para a Revista O Grito!, em Lisboa

Quem são suas referências musicais?
É muito abrangente. Se pensarmos na música internacional, com que crescemos e nos influencia na composição e em todas as áreas daquilo que fazemos…Mas, quem se interessar pelo lado da história da canção em Portugal percebe que há uma linhagem. Começa no Zeca Afonso e depois segue com o José Mário Branco, Sérgio Godinho, Fausto e Vitorino. A Banda do Casaco também marcou a diferença, tal como os Trovante nos anos 80 e mais recentemente os Gaiteiros de Lisboa ou Amélia Muge.É nessa área da música popular renovada que nos inserimos.

Qual foi a ideia que tinham em mente quando criaram a banda?
Queriamos ser uma banda de rock que cantasse a melodia portuguesa. Mas, é importante dizer que a música brasileira foi muito importante na nossa descoberta. O grupo foi formado em 2008, uma década antes eu estava mergulhado no universo do Mundo Livre SA, do Chico Science e Nação Zumbi, Pedro Luís e a Parede e outros grupos pop/rock. Esses projetos continuavam o legado da música brasileira. Desde a bossa nova ou o samba. É o caso de artistas como o Max de Castro ou outros grupos. Em Portugal, sentiamos que a música estava demasiado voltada para o exterior, as influências eram meramente anglo-saxónicas, e muito poucas apareciam a pegar na nossa tradição musical e a procurar novas interpretações da mesma árvore genealógica.

Sentem que conseguiram seus objetivos?
Digamos que os objetivos mínimos foram alcançados logo que que fizemos o disco, sentimos que fazia sentido. Mais tarde, apareceram objectivos com que não contávamos: a aceitação do público, a festa que as pessoas têm feito e a reconciliação com as suas origens. O público está preparado para esta sonoridade e nós não o fizémos com intenção de que a desejassem. Tinhamos as ideias, praticámo-las anteriormente e o facto de termos actuado em festivais de música do mundo, de rock ou de música popular, confere uma imagem abrangente de como as pessoas nos viram. A qualidade do nosso trabalho pode ser bem melhor e sinto que outros grupos no futuro conseguirão obter bons resultados.

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Os integrantes do Diabo na Cruz refletem uma preocupação permanente de portugalidade. É intencional ou expontâneo?
É bastante intencional. Começa em mim, que faço as canções, mas acaba no grupo todo. Nada é forçado, porque está no nosso léxico. Sempre esteve presente nos interesses dos membros do conjunto e quando nos decidimos encontrar, a ideia foi fazer um projecto que partisse dessas bases e acrescentar algo de novo. Há uns anos atrás talvez fosse difícil encontrar pessoas com essa vontade comum de identidade portuguesa. Muitas vezes falamos de uma memória que talvez não exista, ou seja, qual é o nosso inconsciente ? Quais são as cadências que nos podem surgir e soem como já existentes ? No fundo é a melodia atlântica e mediterrânica. Tudo passa por entender isso e construír algo de novo.

Tomemos como exemplo a canção “Tão Lindo”. Vocês falam de “Mensageiros da Luso-Tempestade que já eram fufas (sapatão) antes do prior”. Qual é a ideia subjacente a estas letras ?
Vais-me arranjar problemas (risos). Eu quero me escudar na ideia de que as pessoas tiram a interpretação que querem. Durante muito tempo, colocaram-se obstáculos à música portuguesa, e em particular às pessoas que escreviam sobre ela. Passaram-se tempos de baixa autoestima em que o melhor que lhes podia acontecer, quando ouviam um novo grupo português, era soar-lhes tão bem ou parecido a modelos internacionais. Isso adiou a autoralidade, originalidade e identidade da música lusitana. Muitos artistas que estavam a tentar fazer as coisas de outra forma eram vistos como foleiros (bregas), só por cantarem em português. E assim cantava-se em inglês, numa percentagem esmagadora. Voltando ao verso… falamos de como as mesmas pessoas, de repente, acordaram para o boom da nova música portuguesa, como se não tivessem participado no silenciar desse género que foi feito antes.

No EP “Combate” fica a sensação de que tentaram novas abordagens sonoras ao rock popular. Para onde pretendem levar o vosso projeto?
Há qualquer coisa no EP que está relacionado com o caminho a seguir no futuro. O primeiro disco foi muito urgente, baseado em músicas de dois e três minutos, muito punk rock, muito acelerado e talvez queiramos procurar uma coisa mais bonita e respirada no futuro. Em “Combate”, não marcámos uma visão, porque estamos a falar de temas extra, não é uma coisa que tivéssemos pensado antes. São canções que incluímos nos concertos, para conseguir mais densidade. Como as pessoas já as conheciam, mas não tinham forma de as obter, decidimos juntá-las no segundo disco. Tocámos esses temas ao vivo muitas vezes, não é música nova do Diabo na Cruz. É uma continuidade normal. Imagino que no futuro haja menos necessidade de ser tão imediato. O primeiro ano do grupo foi muito ‘combat rock’ e fez mesmo sentido. A ideia era derrubar as barreiras que ainda existiam. Só poderíamos aparecer, a fazer isto, da forma que fizémos e sem pedir desculpa a ninguém. É possível que essa temática já não seja tão importante porque agora temos o público a ouvir-nos. No futuro, vamos tentar fazer música bonita, trazendo algo de novo e que não soe igual à que fazíamos antes.