Eleanor Davis é quadrinista, nasceu nos Estados Unidos trinta e nove anos atrás e hoje, é um dos grandes nomes da produção de HQs autorais. Desde o seu primeiro projeto publicado, Stinky, em 2008, ela segue criando histórias humanas que capturam as dores e graças de se estar vivo. Uma das suas obras mais aclamadas, Árduo Amanhã, chega ao Brasil pela Tordesilhas.
Vencedora de diversos prêmios, a artista vem se destacando com suas obras diversas que perpassam por histórias infantis e adultas, com uma pluralidade de sentimentos explorados. Eleanor Davis é uma mulher capaz de enxergar o belo no ordinário e é através dessa poderosa maneira de enxergar o mundo que as suas narrativas seguem surpreendendo, criando personagens empáticos ao mesmo tempo em que são falhos.
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Talvez o grande diferencial de Davis seja justamente esse, a criação de personagens excessivamente humanos que refletem as questões que invadem os pensamentos da autora. Em entrevista à Revista O Grito, ela explicou que suas HQs nascem de anotações e, principalmente, de perguntas não respondidas.
“Eu desenho muito no meu caderno e escrevo trechos de coisas — ideias, imagens, diálogos. Por várias vezes a história envolve uma imagem ou imagens chave, e o restante da narrativa só se forma ao redor disso. Frequentemente tem algo que eu estou tentando desvendar no meu próprio coração ou cabeça, então a pergunta e as tentativas de resposta se tornam uma história”, explicou.
Com suas HQs, Eleanor Davis se diz grata pela conexão que diversos leitores sentem ao entrarem em contato com sua arte e criarem conexões únicas e particulares com elas.
“É muito significativo para mim quando as pessoas se identificam com meu trabalho. Eu tenho dificuldades para me conectar com outras pessoas as vezes e quando eu sou capaz disso através do meu trabalho é algo muito emocionante e tranquilizador. É um sentimento humilde, de um jeito positivo, porque o isolamento é muito grandioso — você se torna o seu mundo inteiro, o que é tedioso e solitário. Eu sou grata a todos que leram meu trabalho e especialmente grata quando eles se comunicam”, Davis afirmou.
O último lançamento da artista foi a HQ The Hard Tomorrow, ou, Árduo Amanhã na tradução brasileira. A história sensível conta sobre Hannah, uma mulher que vive junto ao marido, Johnny, na traseira de uma caminhonete. O casal deseja ter um filho ao mesmo tempo que experimentam a vida juntos e separados, em meio a um futuro onde os direitos humanos parecem cada vez mais ameaçados e a esperança é um sentimento vaidoso de se ter.
Dentro das páginas do livro, o leitor se depara com um mundo onde o amanhã é incerto e nebuloso. E para Hannah, que deseja tanto um filho, é amedrontador estar viva em alguns dias. Trabalhando como cuidadora ao mesmo tempo em que atua no ativismo antiguerra, a protagonista acredita em um mundo de esperança onde o filho ainda não nascido que tanto deseja possa crescer sem medo de armas químicas, sem violência, guerras ou em uma sociedade sem respeito pelos direitos de individualidade e coletividade do povo.
Contada através do traço minimalista de Davis, a narrativa é uma lembrança do que o futuro do mundo pode se tornar, mas também uma lembrança sobre o poder da esperança, do otimismo e do amor. Delicada e poderosa, a história criada pela artista retrata a luta para manter a identidade e o direito de ser diferente em meio a um governo fascista, cujo mote parece ignorar a humanidade dentro das pessoas.
A obra foi muito bem recebida desde o seu lançamento nos Estados Unidos, no ano de 2019 e carrega diversos prêmios que demonstram a aclamação do livro, inclusive furando a bolha dos quadrinhos. Árduo Amanhã ganhou o premio de melhor graphic novel no LA Times Book Prize, premio de excelência na categoria de melhor HQ para adultos na premiação Excellence in Graphic Literature Award e no Ignatz Award, recebeu a vitória de Outstanding story.
Contada através de quadrinhos em preto e branco, a obra de Davis é sensível e traz um toque de realismo inovador. Sobre a obra, Eleanor Davis explicou que é como se cada história requeresse um novo estilo de desenho e afirmou também, sobre a mensagem passada na obra, que “se eu pudesse escrever em poucas frases, eu não teria escrito um livro inteiro. Eu queria escrever uma história que continuasse. É sobre isso”.
Assim, em uma história que não acaba, que segue, a autora quer se sentir conectada com o mundo ao seu redor para que possa conectar-se com os leitores de suas obras: “Com a maioria das minhas histórias, existem sentimentos específicos que eu estou tentando comunicar para o leitor, mas não é exatamente uma mensagem. Eu quero me sentir conectada com outras pessoas e um jeito que eu encontrei para fazer isso é através do meu trabalho”.
Com narrativas poderosas, a escritora transforma questões humanas em narrativas carregadas de humanidade e todos os sentimento e experiências que isso significa. Eleanor Davis confessou: “Eu quero entender o mundo, a verdade, da melhor forma que posso”.
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