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Aimée de Jongh: “É muito raro ver mulheres de meia-idade se apaixonarem nos quadrinhos”

Em nova HQ, quadrinista holandesa discute emancipação da mulher a partir da história de uma mulher de 60 anos que abandona marido e filhos

No dia em que completou 60 anos, Josy tomou uma decisão brusca de vida: com as malas prontas, anunciou no meio do seu aniversário que iria embora para sempre. Com marido, filhos e netos atônitos, ela pegou sua velha Kombi e ganhou o mundo, deixando para trás todas as expectativas que sua família (e o mundo) esperavam dela, uma “senhora de idade”. Este é o mote da HQ Sessenta Primaveras no Inverno, de Ingrid Chabbert, com desenhos da holandesa Aimée de Jongh.

Aimée de Jongh é quadrinista e jornalista com um interesse incessante por histórias humanas. Neste novo trabalho, ao lado de Chabbert, ela discute questões como emancipação das mulheres a partir de uma população bastante invibilizada na ficção, que são as mulheres acima dos 60.

“O que eu amei de cara no roteiro de Ingrid é que ele é tão dolorosamente realista”, diz Aimée de Jongh em entrevista à Revista O Grito!. “Josy toma decisões que na verdade são bastante prejudiciais para o marido e os filhos. Eu amo que ela é um ser humano complexo que comete erros e faz suas próprias escolhas, enquanto machuca algumas pessoas ao fazê-lo. A vida é assim, infelizmente”, diz. A HQ ganhou edição nacional pela editora Nemo, com tradução de Renata Silveira.

Mas Aimée de Jongh é figura conhecida em nosso mercado, com trabalhos publicados por diferentes editoras, quase sempre atuando a partir de histórias reais. Um dos seus livros mais conhecidos, Dias de Areia (Nemo), bastante premiado pelo mundo, mostra a história de uma região dos EUA assolada pelas tempestades de areia.

Outro sucesso é A Obsolescência Programada dos Nossos Sentimentos (Pipoca e Nanquim), ao lado de Zidrou, em que aborda a complexidade dos relacionamentos humanos. Já Táxi – Histórias Passageiras, um dos seus primeiros quadrinhos, mostra a conversa da autora com taxistas ao redor do mundo e saiu por aqui pela editora Conrad.

“Fiquei muito honrada com a recepção dos meus livros no Brasil”, diz Aimée, que esteve no Brasil no ano passado durante a CCXP. “Eu não consigo explicar como estou feliz com isso. Conheci alguns leitores em São Paulo, e eles foram muito gentis e interessados no meu trabalho! Eu definitivamente gostaria de voltar e fazer uma turnê mais longa algum dia”.

Leia a entrevista completa que fizemos com Aimée de Jongh:

Revista O Grito!: A gerontofobia é uma discussão relevante nos dias de hoje e seu trabalho, ao lado de Ingrid Chabbert, traz uma importante contribuição para o debate. Como foi dar vida à personagem Josy?
Aimée de Jongh: Aos 34 anos, imaginei que seria muito difícil desenhar a história de uma personagem de 60 anos. Mas foi através do lindo roteiro de Ingrid que percebi que não sou tão diferente daquela personagem, a Josy. Estamos lutando com as coisas com as quais toda mulher luta: o que nosso ambiente espera de nós, amor, perda, tédio. Eu queria desenhar Josy de forma realista e, portanto, imaginei-a como se fosse uma boa amiga minha.

Isso tornou o desenho mais fácil do que eu esperava. O que eu amei de cara no roteiro de Ingrid é que ele é tão dolorosamente realista. Josy toma decisões que na verdade são bastante prejudiciais para o marido e os filhos. Isso faz com que ela não seja o exemplo perfeito que queremos que ela seja. Eu amo que ela é um ser humano complexo que comete erros e faz suas próprias escolhas, enquanto machuca algumas pessoas ao fazê-lo. A vida é assim, infelizmente.

Mais do que uma crise de meia-idade, Sessenta Primaveras no Inverno revela também outras crises do nosso tempo, em camadas. O sexismo dos papéis de gênero, as desigualdades sociais, o fracasso do modelo de casamento… Você concorda com isso? Você poderia comentar sobre essas questões encontradas na HQ?
Sim, eu concordo completamente. Nos quadrinhos, a personagem principal luta contra os padrões e regras de nossa sociedade. As “regras” que se aplicam às mulheres, principalmente. Tanto em relação à sua idade quanto à sua orientação sexual, ela descobre que não se encaixa com as outras pessoas.

É por isso que esse quadrinho é importante, eu acho. É muito raro ver mulheres de meia-idade se apaixonarem nos quadrinhos. Se vemos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, na maioria das vezes trata-se de jovens. Fiquei feliz em dar voz aos casais mais velhos e espero quebrar esse tabu.

Como foi o processo de criação do livro? Como é o processo de envolvimento com o projeto?
Ingrid havia me contatado anos antes de Dias de Areia. Ela tinha lido meu livro com Zidrou e esperava que eu estivesse disposta a trabalhar com ela neste livro. Mas eu disse a ela que estava muito ocupada terminando Dias de Areia.

Felizmente, Ingrid me deu sua confiança e seu tempo. Três anos depois, voltamos a nos comunicar e pude trabalhar nessa obra. O roteiro já estava pronto, mas juntas fizemos algumas últimas correções para melhorar a história. Acima de tudo, adicionamos páginas para que tudo respirasse mais.

Você poderia nos contar sobre as técnicas que usou para desenhar esta história em quadrinhos? E, em geral, como você gosta de trabalhar?
A história em quadrinhos foi desenhada digitalmente, que é como eu normalmente trabalho. Isso significa que cada página foi desenhada em um computador. Tento simular lápis e giz de cera, aquarela e tinta. Dessa forma, muitas vezes é difícil dizer que é feito digitalmente. Mas isso faz parte da atração do computador para mim: é rápido e, ao mesmo tempo, é possível dar aos desenhos uma aparência autêntica e atemporal.

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A quadrinista Aimée de Jongh: Fã do jornalismo em quadrinhos. (Foto: Divulgação).

Seu trabalho ao lado de Zidrou faz bastante sucesso aqui no Brasil. Você gosta de trabalhar em equipe? Quais são as principais diferenças entre seu trabalho colaborativo e seu trabalho solo?
Me sinto muito honrada em saber que é um sucesso. É uma das minhas colaborações favoritas que já fiz. Bem, trabalhar sozinha pode ser bastante solitário. Tenho a sensação de que, quando a pandemia de Covid atingiu, muitas pessoas vivenciaram o que é ser uma quadrinista: ficar sozinha o dia todo, em um escritório em casa, sem ver ninguém.

Adoro trabalhar com um roteirista porque me dá um segundo par de olhos, uma segunda mente para trabalhar. Se eu estiver em dúvida sobre os personagens ou a história, posso simplesmente escrever uma mensagem ou ligar e podemos conversar sobre isso. Isso é uma coisa tão boa de se ter.

Você tem publicado muito aqui no Brasil. Já conhecia nosso mercado? O que você achou dessa recepção?
Eu não conhecia o mercado brasileiro de quadrinhos até o ano passado, quando visitei a CCXP. Fiquei muito impressionada com a cena dos comics do Brasil e sinto que ainda tenho muito a descobrir. É muito diferente da cena europeia e adoro ver a variedade de estilos e temas. Claro que fiquei muito honrada com a recepção dos meus livros no Brasil. Eu não consigo explicar como estou feliz com isso.

Conheci alguns leitores em São Paulo, e eles foram muito gentis e interessados no meu trabalho! Eu definitivamente gostaria de voltar e fazer uma turnê mais longa algum dia.

Dias de Areia é um trabalho de investigação impressionante e muitas pessoas que conheço ficaram muito surpresas não só pela narrativa, mas também pela história. Como você chegou a essa história?
Dias de Areia levou muito tempo para ser feito, cerca de três anos. Como todo mundo, em três anos, tive muitas experiências e encontros com pessoas interessantes. Tenho a sensação de que muitas dessas experiências formaram o livro, mesmo que sutilmente. O enredo do personagem principal, John, é baseado principalmente em minhas próprias experiências como jornalista gráfica.

Eu estava me sentindo bastante insegura sobre meu trabalho como jornalista lá e lutei com dilemas e dúvidas sobre qual era a coisa certa a fazer. Essas são as mesmas perguntas que John tem em Dias de Areia.

Aimée de Jongh.
Cena de Dias de Areia, um dos trabalhos mais premiados da autora. (Divulgação)

Assim como Dias de Areia, Táxi também é uma graphic novel com histórias reais que vem sendo publicada aqui no Brasil. Na sua opinião, qual é a contribuição dos quadrinhos para contar essas narrativas não ficcionais, verdadeiras?
Principalmente para mostrar nossa humanidade comum, para mostrar que somos todos muito parecidos. Táxi, em especial, é um livro sobre as conexões entre pessoas de todo o mundo. Nós nos preocupamos com nossas famílias, nossa fé, nossos empregos, nosso orgulho. Quer esses motoristas de táxi estivessem trabalhando em Los Angeles ou em Jacarta, sempre havia uma conexão entre eles e eu. E espero que o mesmo aconteça com o leitor.

Aqui no Brasil há um movimento efervescente de “jornalismo em quadrinhos”, principalmente na web, nos veículos de comunicação. Você tem acompanhado esse tipo de narrativa na Europa?
Sim, sou uma grande fã do jornalismo em quadrinhos. No Brasil, tem uma história em quadrinhos chamada A Sala de Espera da Europa que publiquei com o Conrad. É um relato elaborado da minha semana como jornalista em um campo de refugiados na Grécia, que mudou minha vida. Os quadrinhos têm a capacidade de compartilhar visualmente coisas que não são ditas em palavras.

Para mim, é por isso que o jornalismo em quadrinhos funciona tão bem. Você pode descrever a situação em imagens e adicionar diálogos entre as pessoas que estão vivendo a situação. A arte do criador acrescenta ainda mais comunicação não-verbal, como atmosfera ou sentimento. É uma forma de arte tão interessante e acho que é perfeita para o jornalismo.

Que tópicos lhe interessam hoje? Quais projetos você está desenvolvendo?
Atualmente estou interessada no tema da migração e na forma como os humanos se comportam e por quê. Estou trabalhando em vários livros sobre esses tópicos e espero poder compartilhá-los com o público brasileiro em breve. 

Tradução: Sergio Costa Floro.

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