VOYEUR SUBURBANO
Adelina Pontual lança no Cine PE documentário sobre o trajeto do ônibus Rio Doce-CDU
A linha de ônibus Rio Doce-CDU é quase um personagem na paisagem urbana do Grande Recife. Basta perguntar a qualquer jovem – a maioria estudantes que o utilizam para ir à Cidade Universitária da Universidade Federal de Pernambuco, ao Centro Tecnológico e ao Colégio de Aplicação, na Várzea – que utilizam o coletivo. Sempre lotado, ele atravessa bairros de Olinda, Zona Norte do Recife e também a periferia do Recife. Sua presença no imaginário é tão grande que ele ganhou um documentário só seu. A diretora Adelina Pontual é a única representante pernambucana na mostra competitiva do Cine PE este ano.
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Para ela, a viagem do Rio Doce-CDU é um exercício “vouyerístico”. “O fluxo das pessoas e carros, a arquitetura dos bairros, as moradias diversas, o comércio, os sons, os odores. O intuito era o de tentar captar essa atmosfera mais suburbana de Olinda e Recife”, explicou. Rio Doce-CDU, o filme, começou como um curta-metragem, que já foi exibido pelo Sesc-TV. Depois, transformado em longa, faz sua estreia no festival Cine PE. A exibição acontece na próxima segunda (29) e promete ser um dos dias mais concorridos do festival.
O público pode até mesmo pegar a linha de ônibus que dá nome ao filme para chegar ao Teatro Guararapes, onde acontece o Cine PE. Passa na frente. Veja a programação completa.
Como surgiu a ideia de transformar Rio Doce-CDU em um filme?
Sempre andei muito de ônibus. Este, em particular, me levava para Olinda, cidade que gosto muito e na qual funcionava a Parabólica Brasil, produtora que eu, Cláudio Assis e Marcelo Gomes criamos nos anos 1990. E, andar de ônibus, pra mim, sempre foi uma “viagem”. No sentido de sentar na janela e observar a cidade que vai passando à sua frente. O fluxo das pessoas e carros, a arquitetura dos bairros, as moradias diversas, o comércio, os sons, os odores. Enfim, um exercício de “voyeurismo”. A partir dessa idéia do observar as cidades através do percurso desta linha de ônibus, que é tão longo e que passa por tão diferentes lugares é que surgiu o filme. O intuito era o de tentar captar essa atmosfera mais suburbana de Olinda e Recife. A idéia também era a de dar voz aos anônimos para que eles falassem sobre sua cidade, seu bairro, tanto aqueles que são usuários da linha, como aqueles que encontramos durante o percurso.
O trajeto do ônibus dura cerca de 1 hora. Como foi fazer o roteiro tendo personagens e bairros tão diferentes entre si?
O trajeto dura, aproximadamente, 1 hora e meia, desde o Terminal de Rio Doce até o ponto de retorno na Cidade Universitária. No filme, fazemos a ida e a volta. Fiz uma grande pesquisa, fazendo a viagem várias vezes e caminhando por todo o itinerário também. Conversando com pessoas e fotografando lugares que achava interessante, sem nunca fugir do percurso do ônibus. A idéia sempre foi fazer um roteiro cíclico, saindo de manhã do terminal e voltando ao entardecer, como se fosse uma única viagem. E durante o percurso, fazer as “paradas exploratórias”. Claro, que durante as filmagens o elemento surpresa, característico de todo documentário, esteve presente.
A mobilidade é hoje bastante debatida no Grande Recife. O filme toca nesta questão que é um grande entrave ao desenvolvimento das cidades?
Acho que o filme perpassa vários temas, inclusive a questão da mobilidade urbana. Está até inerente ao tema. Mas, falamos também de memória urbana, de violência, lazer (ou a ausência dele), da própria exaustão da viagem em si, temas cotidianos, que estão nas bocas das pessoas nas ruas.
Ônibus como “Rio Doce-CDU” já fazem parte da memória afetiva dos recifenses e olindenses. Na sua opinião, como espectadores de outros Estados irão encarar o filme?
Acredito que moradores de “grandes” cidades irão encontrar pontos em comum nas questões urbanas levantadas. Além de ser um olhar diferente sobre essas duas cidades, descobrir Recife e Olinda através de uma ótica mais cotidiana e nada turística. O filme tem também uma trilha sonora encantadora, sob a direção musical de DJ Dolores e Yuri Queiroga, que reuniram algumas bandas pernambucanas como a Eddie e Ska Maria Pastora para “acompanhar” os “passageiros” nesta viagem.
Rio Doce-CDU é o único filme pernambucano na competição de longas do Cine PE (batendo de frente com SP e RJ). Sente alguma pressão?
Não, nenhuma. Minha grande alegria é poder lançar o filme para esta grande plateia que sempre lota o Cine-PE.
O intuito era o de tentar captar essa atmosfera mais suburbana de Olinda e Recife
O cinema pernambucano foi bastante comentado em 2012, com filmes de diversos autores. Você participa de “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, que já bastante aguardado? Na visão dos produtores/realizadores, como encaram esse interesse e expectativa por parte do mercado, críticos, etc?
O cinema pernambucano está passando por uma excelente fase. E isso é maravilhoso para todos nós que produzimos audiovisual aqui. Estive com meu curta ReTrato no Festival de Tiradentes este ano e haviam muitos filmes pernambucanos (curtas e longas) na programação. Também, nos debates, sempre nossa produção sempre era citada, como quase um paradigma para os outros estados. Que continuemos assim: produzindo muito e de maneira diversa.
Você é continuísta com experiência no cinema nacional e também tem vários curtas lançados. Vai seguir em novos projetos como diretora de longas? Pode adiantar algum projeto?
Por enquanto, quero me dedicar ao lançamento do Rio Doce/CDU e do meu curta RetraTo. Tenho dois projetos de curtas que quero deslanchar para o próximo ano: um de ficção (fechando a Trilogia da Imagem, iniciada com O Pedido e ReTrato) e um documentário. Também estou finalizando uma trilogia de documentários para TV sobre Genivaldo di Pace, esta grande figura a quem o audiovisual pernambucano deve muito.