Vitoria Faria
Vacas Exaustas
Tratore, 2025. Gênero: MPB
Em seu álbum de estreia, Vacas Exaustas, a acordeonista paulista Vitoria Faria se lança como cantora e compositora em um gesto tão íntimo quanto político. O disco, produzido por Guilherme Kastrup, é resultado de um trânsito geográfico e afetivo: atravessa os quatro anos que a artista viveu em Portugal, mas também ecos do Brasil profundo – esse Brasil que se manifesta na oralidade, no barro, nos carnavais e nas ausências.
Logo nos primeiros acordes, percebe-se que não se trata de um trabalho protocolar. Há, sim, momentos dançantes, grooves eletrônicos, referências aos ritmos populares e à música de resistência urbana. Mas tudo isso é costurado por uma proposta estética que se recusa a ser facilmente nomeada. Forró, tango, funk, jazz, MPB, blues e até tecnobrega se encontram e se contradizem em um campo sonoro movediço.
As letras assumem uma contundência pouco afeita à suavização: falam de relações desiguais, da imposição de silêncios, da violência cotidiana disfarçada de normalidade. Há algo de visceral e cru em faixas como “Elefante pelo cano” e “Zap de família”, que não hesitam em confrontar o ouvinte com situações reconhecíveis e desconfortáveis. Ainda que a experimentação musical imprima leveza e cor, o que se sobressai é a fratura exposta de um feminino marcado pelo cansaço e pela reinvenção.
O título Vacas Exaustas é, por si só, provocador e irônico. Evoca a imagem da produtividade imposta, da exploração e da sobrevivência forçada sob o manto da feminilidade. Mas também sugere uma recusa a esse lugar: um cansaço que se transforma em criação, em potência estética, em declaração de presença.
Mesmo nas canções em que a melodia se insinua de modo mais suave, há sempre uma tensão subterrânea, um chamado à escuta atenta. O álbum não entrega respostas fáceis nem busca acomodação em gêneros previsíveis. Pelo contrário: o desconforto é parte essencial da proposta. Vacas Exaustas é menos um ponto de chegada e mais uma travessia: intensa e política.
