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Dois pesos e duas medidas

Enquanto as travestis eram perseguidas, blocos de homens com fantasias femininas como as Virgens do Bairro Novo eram louvados pela imprensa

Esta reportagem faz parte da série “Antes do Orgulho“, que aborda a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife. Acompanhe as outras reportagens da série:

+ Bonecas não tem vez no Carnaval: duas décadas de intolerância nos jornais
+ Travestis no Carnaval: A luta vã por um Baile dos Enxutos
+ Nem o Rei Momo escapou da homofobia

Parte 1: + “Anormais” – a homofobia na crônica policial do Recife

Na década de 1970, enquanto as travestis eram perseguidas, os blocos com homens vestidos em trajes femininos como o famoso Virgens do Bairro Novo de Olinda, não enfrentavam nenhuma restrição. No ano de 1974, o Diario de Pernambuco fez uma grande cobertura do desfile do bloco pelas ruas de Olinda, ressaltando que “os 117 jovens da sociedade local dentro do espírito do verdadeiro travesti, deram um verdadeiro show de graça, beleza e elegância, isto sem fugir do regulamento do desfile: respeito com o público assistente, não se admitindo sob hipótese alguma, piada maldosa, gestos libidinosos ou qualquer ato que viesse atentar contra a moral”. 

O bloco Virgens do Bairro Novo surgiu em 1953 como uma brincadeira entre amigos e nos anos 1970 atraía milhares de foliões para o desfile que acontece uma semana antes do Carnaval. Ele inspirou diversos grupos no Grande Recife com todos seguindo a mesma determinação de não permitir homossexuais e travestis a participarem do desfile, sendo isso sempre ressaltado nas reportagens sobre os blocos. Na matéria “Virgens de Olinda são uma garantia”, publicada no Jornal do Commercio, um dos diretores das Virgens declarou que “eles estariam atentos à seleção dos foliões, não permitindo a participação no desfile de quem possua moral duvidosa”. 

Na seleção de 1979 para desfilar no bloco, 50 inscritos não foram aprovados, fato noticiado pelo Jornal do Commercio. O redator da matéria, em tom de sarcasmo, diz que os candidatos não passaram no “teste do quem é quem”, deixando “frustrada muita gente que queria realizar seu sonho durante o desfile, vestindo roupas femininas e distribuindo beijinhos para os homens”. Mas, se alguém conseguisse burlar a comissão de seleção, no dia do desfile agentes do próprio bloco ficavam observando as atitudes dos desfilantes e caso encontrassem algum suspeito de ser homossexual, ele era retirado.

Nas notícias sobre esses blocos a heterossexualidade dos integrantes era sempre realçada, de modo a diferenciá-los das bichas e travestis e não pairar nenhuma dúvida sobre suas sexualidades. Isso fica bem claro, por exemplo, nessa matéria do Jornal do Commercio sobre as Virgens, onde o redator capricha no discurso para provar isso: “Não existe preconceito. Os jovens são desinibidos. Contam com a aprovação da família. De vez que o desfile é realmente tradicional e tudo é encarado normalmente como coisa de Carnaval. Pelo contrário, os rapazes que desfilam são admirados pelas moças e conseguem namoradas no Bairro Novo quando querem. Muitos já estão até comprometidos e outros noivos”. 

Antes do orgulho: a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife
Reportagem: Alexandre Figueirôa
Edição e revisão: Paulo Floro
Artes: Felipe Dário