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Crítica: Parque Chas – a fantasia latina é de outro mundo

HQ argentina de Eduardo Risso e Ricardo Barreiro reúne sereias, ETs, fantasmas e vampiros em uma narrativa de terror psicológico e comentário social

Crítica: Parque Chas – a fantasia latina é de outro mundo
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Parque Chas
Eduardo Risso e Ricardo Barreiro
Comix Zone, 152 páginas, 2023, R$ 109,90
Tradução de Jana Bianchi

A fantasia latina é diferente. A contribuição que a imaginação de autores de diferentes países sul-americanos trouxeram para a literatura já é bem conhecida, com influências em todo o mundo. Mas esse realismo mágico, com ares surrealistas, também reverberaram com força nas histórias em quadrinhos. Parque Chas é uma dessas narrativas e, certamente, a que vai mais fundo nessa tentativa de desbravar todas as possibilidades do texto fantástico. Sereias interdimensionais, vampiros, fantasmas, extraterrestres e monstros aparecem por aqui em uma trama que se apega à estética do absurdo para falar de um espaço misterioso no meio da capital argentina.

Os autores Eduardo Risso (que, mais tarde ficaria conhecido pela série 100 Balas, do selo Vertigo) e Ricardo Barreiro (Cidade, Ministério) adicionam a essa premissa fantástica um olhar crítico sobre a própria história política da Argentina, sobretudo o período da ditadura militar, mas sem obviedades. Há também um tom soturno que permeia todo o álbum e que nos leva a uma Buenos Aires que só pode ser completamente compreendida por quem a vive, sendo um instigante mistério para os demais. Um labirinto.

A trama apresenta um homem que decide se mudar para um apartamento no misterioso bairro Parque Chas, um conjunto de quadras em Buenos Aires que, por alguma razão, é palco das mais inusitadas experiências fantásticas. O lugar é tão esquisito e perigoso que até os taxistas evitam entrar lá, com medo de não mais saírem. Logo de cara o novo morador se depara com o primeiro mistério: a locatária avisa que ele não deve, sob nenhuma hipótese, abrir uma janela fechada com pesados cadeados. À noite, porém, gritos e batidas na janela o fazem abri-la, o que vai iniciar uma série de esquisitices de toda sorte.

A HQ foi publicada como uma série na revista Fierro entre 1987 e 1992, e é reunida na íntegra pela primeira vez nessa edição de luxo da Comix Zone. Há um fio narrativo que conecta todas as histórias, porém cada uma conserva um brilho próprio típico desse esquema de publicação seriada. Nem todas mantém o mesmo nível, sobretudo quando os autores tentam engatar um estilo mais aventuresco, na jornada do protagonista em revelar os mistérios do Parque Chas. Mas em geral, o conjunto de histórias é bem interessante, cheio de inventividade e trazem um equilíbrio entre humor e terror.

Destaco aqui duas HQs que são preciosidades tanto no argumento como na capacidade dos autores em conseguir dar profundidade e contorno aos personagens em tão pouco tempo. Em “Parque de Outono”, um grupo de crianças decide entrar em combate com jovens misteriosos meio vampirescos numa clássica briga de gangues. Porém, uma pesada neblina no meio da guerra acaba resultando em morte e desaparecimentos. Em “Um Assassino à Toa”, um carro ganha vida e sai cometendo vários assassinatos, até que a população se une para destrui-lo. Há também uma história (“O Livro”) que traz uma participação especial de heróis clássicos dos quadrinhos, como Corto Maltese, O Eternauta e Giuseppe Bergman.

A tensão e violência que permeiam as narrativas presentes no livro parecem fazer parte de uma consciência urbana, que ao final se traduz na melancolia inerente à própria ficção latina. Já vimos isso em outras obras ficcionais cujos roteiros são calcados em Buenos Aires e sua história. Mas, assim como essas histórias, Parque Chas tem humor, um humor debochado que parece rir da busca infrutífera por algum sentido. O protagonista da história consegue dar voz e imagem a esse estado de espírito inconformado, que tenta juntar os cacos para encontrar respostas, como se quisesse decifrar o fantástico (impossível).

Parque Chas chega para se juntar à impressionante biblioteca de títulos argentinos que permeiam o mercado de HQs no Brasil hoje, o que é muito bem vindo, sobretudo em relação aos clássicos em quadrinhos dos nossos vizinhos, ainda pouco conhecidos por aqui.

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