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Cena de Muribeca. Foto: Shilton Araújo.

Crítica: Muribeca, um bairro fantasma

O documentário de Alcione Ferreira e Camilo Soares mostra como uma comunidade viva e alegre se transformou em um cenário de ruínas

Crítica: Muribeca, um bairro fantasma
4.5

Muribeca
Alcione Ferreira e Camilo Soares
BRA, 1h18, Documentário. Distribuição: Descoloniza Filmes
Em cartaz nos cinemas

A cidade de Pripyat, na Ucrânia, quando ainda pertencia à extinta União Soviética, ficou conhecida mundialmente por causa do acidente ocorrido em 1986 na Usina Nuclear de Chernobyl, evento que obrigou os seus moradores a abandonarem o local, às pressas, para não morrerem contaminados pela radiação atômica. Hoje, são famosas as imagens das ruas invadidas pela vegetação, casas e edifícios caindo aos pedaços, apartamentos vazios e cães perambulando pelas ruínas.  A cidade nunca mais voltou a ser habitada. 

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Todavia, não é preciso ir muito longe para testemunhar um cenário tão desolador quanto o da distante Pripyat. Ele existe logo ali, em Jaboatão dos Guararapes, mais precisamente no bairro da Muribeca, onde um conjunto residencial, com 69 blocos de apartamentos construídos em 1982, hoje se transformou numa zona fantasma. Os prédios arruinados, os apartamentos sem moradores e as ruas desertas na periferia do Grande Recife, felizmente, não foram frutos de uma tragédia nuclear, mas, nem por isso, o que ocorreu lá deve ser minimizado. 

Por conta de uma sucessão de erros e descasos do poder público, centenas de famílias, de uma hora para outra, foram obrigadas a deixar seus lares e a se desfazerem do sonho da casa própria e dos laços afetivos que os ligavam a uma comunidade por eles amada e com a qual se identificavam. Lá, contudo, não foram os elementos radioativos descontrolados que mataram as pessoas, foi a tristeza. Sim, alguns moradores, sobretudo os mais velhos, não superaram a perda e morreram. Outros, seguiram em frente, mas não esquecem o lugar animado e cheio de vida que hoje invariavelmente é comparado a um cemitério. E é esse drama humano e social que o comovente documentário Muribeca de Alcione Ferreira e Camilo Soares nos apresenta.

O filme de Alcione Ferreira e Camilo Soares poderia ser o mero registro de um problema urbano como vemos em muitos documentários que apontam a irresponsabilidade de órgãos estatais no tratamento da população carente. Eles, no entanto, foram muito além. Tanto a denúncia, quanto a indignação pela falta de uma solução estão lá. Os autores, porém, não se contentaram apenas em retratar a superfície dos fatos. Eles articularam uma narrativa costurada pelas lembranças gravadas na memória dos moradores, extraindo dela uma paleta de luzes e sombras que revelam como de um conjunto de moradias conjugadas pode brotar o espírito de pertencimento a uma comunidade onde a solidariedade e os afetos são os elementos capazes de tornarem um bairro periférico um território de conquistas e de prazer.

A utilização de antigos vídeos domésticos feitos pelos moradores mostrando diversos aspectos da vida no conjunto, desde cenas prosaicas de blocos de carnaval, festejos juninos ou de um dia de chuva forte, conjugados com os depoimentos e imagens do bairro nos dias atuais, causam um forte impacto no espectador. Inevitavelmente, aos poucos, nos damos conta do tamanho do vazio provocado no peito de quem foi obrigado a partir, e constatamos como a Muribeca era um celeiro de artistas, não só do poeta Miró, um dos participantes do documentário, mas também de músicos, capoeiristas, do desenhista e autor de HQs Flavão, o ator Manoel Carlos e muitos outros. 

Apesar de um tema tão triste, Muribeca é um documentário que precisa ser visto e para o qual é imperativo expressarmos apoio.