Com apenas uma vogal, a cantora e clarinetista Maria Beraldo expôs o estereótipo que se impõe às mulheres, sobretudo na arte. Ser uma cavala se subentende alguém bruta, forte e imponente, por vezes rude. Ao batizar seu disco de estreia com o feminino de cavalo a cantora quer romper com esse lugar “delicado” e “cândido” dado ao feminino. A brutalidade do termo em vez do comum “égua”, simboliza um atributo que a sociedade quer dizer como exclusiva aos homens.
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O disco é um dos experimentos pop mais experimentais do ano e também o mais punk (na episteme do termo). Na sonoridade há muita aproximação com o jazz e com o rock, mas sem se ater ao formalismo de cada gênero. Guiado por um senso de autodescoberta, Beraldo aborda diversos aspectos sobre sexualidade, como é o caso de “Amor Verdade” e “Gatas Sapatas”. Tece ainda um panorama do lugar feminino ao falar do mito grego de Helena, a mulher mais bela do mundo.
Integrante do grupo Quartabê, Maria esteve envolvida em diversos projetos recentes dessa renovação da música pop brasileira, de Elza Soares, Arrigo Barnabé a Iara Rennó. Seu disco contou com produção de Tó Brandileone e da própria artista para criar um trabalho de cores fortes, dramático e uma narrativa que revela a necessidade de se manter firme.
É também um trabalho que se insurge como representante assumido de uma estética queer. Em “Importância”, Beraldo fala de um amor não-binário (“Eu não sei dizer se é um homem / Ou uma mulher”). Já “Eu Te Amo”, de Chico Buarque e Tom Jobim, ganha aqui uma interpretação e arranjos bem diferentes, o que mostra a segurança da artista em imprimir uma personalidade própria.
E temos o hit “Tenso”, sobre um “tesão desavisado”, rompendo fronteiras do afeto. Um disco poderoso e reflexo de uma nova música pop BR, mais aberta a novas identidades e por isso mesmo mais corajosa.
MARIA BERALDI
Cavala
[RISCO, 2018]
Produzido por Maria Beraldo e Tó Brandileone