Maior trunfo de Girls é criar identificação com seu público-alvo: garotas nos vinte e poucos com medo da vida real
O ano de 2013 não poderia ter começado melhor para a atriz, roteirista e produtora Lena Durham. Criadora da série Girls – cuja segunda temporada está sendo exibida pela HBO no Brasil – a moça conquistou dois Globos de Ouro: Melhor Série Cômica e Melhor Atriz de Série Cômica. Desde a sua estreia, o seriado tem sido bastante comentada por retratar os dramas existenciais de quatro garotas nova-iorquinas na faixa dos 20 e poucos anos, em busca de novos amores, experiências e/ou definições profissionais e por um pouquinho de diversão.
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“It’s About Time” – primeiro episódio da segunda temporada – começou muito bem, alcançando uma audiência de 4,1 milhões de espectadores, mostrando uma reviravolta na vida afetiva de Hannah (Dunham). A aspirante a escritora termina o seu relacionamento conturbado com Adam (Adam Driver), e logo cai nos braços de Sandy (Donald Glover, da série Community), um jovem negro e republicano. Chega a ser engraçado ver como ambos os personagens, que afirmam ser liberais e livres de qualquer preconceito, mostram seus verdadeiros pensamentos e crenças após a primeira briga do “casal”.
Já a personagem de Jessa (Jemima Kirke) se casa no final da primeira temporada com Thomas (Chris O’Dowd) estranho – porém rico – empresário, que a princípio odiava, mas que acaba virando seu noivo em poucas semanas de convivência. A jovem, então, afirma com a confiança típica da juventude atual, muitas vezes impulsiva e que preza apenas pelo prazer momentâneo, que “a caça havia terminado” – se referindo ao fim da procura pelo seu grande amor.
O que no início pareciam ser só flores e sexo, se transforma em uma realidade triste (mas ao mesmo tempo cômica), descrita de forma pontual na cena do quarto episódio, “It’s a shame about Ray”, onde Jessa mostra o seu verdadeiro “eu” em um jantar com os pais do marido. Abalando assim uma relação baseada em mentiras, comodismo, medo e dinheiro.
Marnie (Allison Williams), nessa temporada, terá uma das histórias mais interessantes ao se envolver com o amigo e ex-namorado gay de Hannah, e logo depois engatar um romance com um artista plástico que sempre admirou, mas que no fundo não irá corresponder suas expectativas. Ela também começa a trabalhar como hostess em um bar, apenas pela grana e por se encontrar, como grande parte dos jovens de 25 anos, em uma crise de não-saber-o-que-fazer-da-vida.
Por fim, Shoshanna (Zosia Mamet), que na primeira temporada se deparava sozinha e com zero experiência na vida sexual, perde a sua virgindade com o amigo do ex de Marnie, Ray Ploshansky (Alex Karpovsky), e aprende a enfrentar os sabores e dissabores de sua primeira relação afetiva, o que rende uma boa fonte de risadas e de fofura. A trilha sonora pode ser considerada a personagem mais descolada do seriado, sempre eclética e bem escolhida, passando por artistas como Oasis, Fleet Foxes, M.I.A e pela banda Fun., de Jack Antonoff, namorado de Lena.
Girls não tem esse nome à toa: Dunham faz, pensa e direciona a sua criação especialmente para garotas como ela: na faixa de 20 a 30 anos, que se identificam, riem e temem a chegada da vida real e de seus desafios, muitas vezes acompanhados com drogas, músicas indies melosas, amizades verdadeiras, ou então, dúvidas, perdas, decepções e ilusões.
Previsivelmente, a série já foi comparada com Sex and The City, por ter em comum a cidade de Nova York e por contar a história de quatro amigas. Diferentemente de Carrie e cia, onde as personagens são mais velhas e com personalidades e conflitos distintos dos de Hanna, Jessa, Shoshanna e Marnie, Girls se difere porque não brinca tanto com a moda, as roupas, e o glamur que acabaram se tornando marca registrada da série de Carrie Bradshaw.
Por outro lado, ambas se assemelham ao transmitir sentimentos de insegurança, e até de certa futilidade traduzidos em certas atitudes egoístas de Hanna (no caso de Girls) ou na compulsão por compras ou vaidade excessiva de Carrie (em SATC), por exemplo.
Mas o que realmente cria uma identificação genuína com o público de Girls é a realidade que todos os jovens terão de enfrentar um dia. Entre elas, a falta de dinheiro, a busca por independência longe da proteção emocional e financeira dos pais, sonhos frustrados, rejeições, medo de comprometimento/responsabilidades, e uma fome danada por novos sentimentos ou simplesmente a total inabilidade de lidar com eles. Felizmente, o seriado consegue transmitir esses e outros dilemas de forma simples, popular, e de fácil entendimento.
Ha espaço para cenas forçadas nesta segunda temporada, tudo para evidenciar uma excentricidade, humor e modernidade apenas existentes na cabeça da autora. A imaturidade e os mimos excessivos (típicos da geração “Y”), parecem não diminuir, e vir de forma insistente e até mesmo irritante nos sentimentos e ações de Hanna, o que mostra a sua falta de capacidade em lidar com diferenças e intimidades em uma relação a dois.
No entanto, muitas situações, que podem ser consideradas exageradas ou “sem noção”, despertam o sentimento de “pelo menos tem alguém passando por um perrengue ainda pior ou maior do que o meu”, ou então, “e eu achava que eu era maluca…”.
Uma mulher escrevendo sobre e para mulheres pode parecer pouco atrativo, e por demais clichê, gerando um ar de desconfiança e de preguiça no público-não-alvo da série (leia-se os homens). Mas, assim como New Girl, de Zoey Deschanel, Girls pode ser descaracterizado se tratado apenas como um seriado “girly”. Um olhar mais cuidadoso vai revelar o que essas meninas tem características sensíveis e bem humoradas visíveis a todos. A série se aproxima de um final, e ainda há muitas reviravoltas a acontecer. A HBO já confirmou o terceiro ano, o que mostra que a produção vem agradando audiência e executivos da emissora, apesar das controvérsias.
GIRLS – 2ª TEMPORADA
HBO, domingos, 21h
[Criada por Lena Dunham, HBO, 2013]
Nota: 8,0