Crítica: Aline Lemos une cyberpunk, política e amor fantasma na HQ Fogo Fato

Distopia imaginada pela autora discute questões sociais e urbanas ao mesmo tempo em que mostra divertida história de amor como pano de fundo

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Crítica: Aline Lemos une cyberpunk, política e amor fantasma na HQ Fogo Fato
8.5

Aline Lemos é uma das artistas brasileiras mais versáteis de sua geração e vem experimentando diferentes estilos e temáticas ao longo dos anos. Após chamar atenção com o excelente álbum Melindrosa (2017), já tivemos tantas diferentes propostas de HQs desta autora mineira que sempre bate a empolgação de ser surpreendido a cada novo gibi. Eis que chegamos ao novo Fogo Fato, obra financiada coletivamente que une ficção científica, fantasia, humor e drama político em uma história ambientada em meio ao caos urbano.

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A trama se passa em Limiar, uma cidade em intenso processo de modernização que vive sob o jugo de um governo autoritário e tecnocrata. A trama acompanha a história de duas hackers, Cris e Mina, esta última uma namorada fantasma, em meio a uma investigações sobre misteriosos incêndios que atingem os cemitérios da cidade. Adicione a isso o fato de que a sociedade está tentando lidar com os recentes conflitos envolvendo a crescente população de fantasmas que andam livres e abertamente por aí.

O ambiente sufocante que Lemos imaginou para a HQ remete à narrativa clássica cyberpunk, que traz um sua essência um imaginário que une caos urbano com uma sociedade dependente de alta tecnologia. É um futuro distópico onde o aparato tecnológico não resolveu nenhum dos problemas sociais que prometia e, pior, só aprofundou a repressão e as desigualdades. Por isso, os personagens dessas histórias são sempre tipos marginalizados que vagam por essas cidades ultramodernas e decadentes.

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Fogo Fato cumpre bem o desafio de imaginar esse futuro distópico, quando, em certa medida ele já é uma realidade (ao contrário dos clássicos do gênero escritos nos anos 1970-80, como Neuromancer, de William Gibson, ou mesmo HQs como Ranxerox, de Liberatore). Por isso, o gibi é antes uma alegoria política sobre resistência a um sistema opressor e menos um exercício de reverenciar um gênero. A principal referência à realidade foram as ondas de protestos contra os aumentos de passagem, que aconteceram a partir de 2013. Gostei do modo como tudo isso é trabalhado, bem natural, como algo importante à trama, mas sem ser óbvio. O que está em primeiro plano é a relação de Cris e sua namorada fantasma, o que rende passagens bem emocionantes, engraçadas em uma muito bem trabalhada representatividade LGBTI+.

Na ambientação, Aline fez um decalque da paisagem urbana de prédios de Belo Horizonte, adicionando o verniz futurista, mas mantendo as pixações, estilos arquitetônicos e mesmo o estilo dessas construções, o que deu ao resultado final uma imersão por conta dessa referência real.

A adição do tom de fantasia, com a população de fantasmas convivendo nessa ambientação cyberpunk, é também bem interessante. É um gibi com um interesse genuíno em experimentar na narrativa e buscar interseções entre gêneros. E esta é também uma das marcas autorais mais legais de Aline Lemos, sempre em busca de novas aventuras criativas.

Em tempo: Aline Lemos assinou a capa e uma HQ da Plaf #3. Baixe gratuitamente aqui.

FOGO FATO
De Aline Lemos
[Independente, 80 páginas, 2020]

Para adquirir a HQ entre em contato com a autora pelo Instagram

Aline Lemos
A autora Aline Lemos (Foto: Divulgação).