Suelen Thompson amava Robertson. Robertson era casado, mas Suelen não se importava. Durante muito tempo, Suelen trabalhou na rua fazendo programa. Era a única maneira de sobreviver depois que o seu pai a expulsou de casa. Morava numa pensão com outras travestis, período em que tomou hormônios e fez implantes que a deixaram próxima da imagem que sempre sonhou para si. Com a morte repentina do pai, a mãe de Suelen a aceitou de volta. Com ela aprendeu a cortar e pintar cabelos e a fazer unhas. Ficou então ajudando a mãe no pequeno salão improvisado que ela mantinha num puxadinho ao lado de casa, no Beco da Caçamba, por trás do Conjunto Marcos Freire. Largou a rua e prometeu a si mesmo que nunca mais ia chupar rola ou comer cu de homem casado feio e barrigudo para ter o que comer. Ao cabo de dois anos, a mãe de Suelen teve um mal súbito e morreu. Alguns meses depois ela conheceu Robertson.
Robertson morava na favela Sovaco da Cobra, lá pelas bandas de Barra de Jangada. Era um tipo sarará, alto, corpulento, não tinha mais de 30 anos. Um tipão de homem, como dizia Jussara, a melhor amiga de Suelen. Ele vivia fazendo oia de pedreiro pelas redondezas e quase todo fim de tarde tomava uma cervejinha com os chegados no espetinho de Rosa. Suelen não gostava de ficar dando cartaz para macho nenhum do bairro. Desde que voltara a morar com a mãe se mantinha casta. “Passei dez anos da minha vida tendo que me esfregar em cada trepeça, tomei um abuso, quero distância de homem”, vivia repetindo para Jussara. “Oxe mulher, deixa de besteira, tu tão bonita e gostosa, custa nada brincar um pouco, é só não se apaixonar”, retrucava a amiga. “Quero não, antes só do que mal acompanhada”’, e seguia sua vida de cabeleireira, sempre bem vestida, maquiada, cabelo arrumado, mas só para atender as suas clientes.
Uma segunda-feira, dia de pouco movimento no salão, Jussara convenceu Suelen a ir tomar uma cerveja com ela no espetinho de Rosa. “Bora mulher espairecer um pouco, tu fica só trabalhando, e hoje eu tô atacada”. Suelen deu um suspiro e acompanhou a amiga. Sentaram, pediram um litrão e dois espetinhos de frango com bacon. A primeira pessoa que reparou a chegada das duas foi Robertson. Suelen percebeu que estava sendo olhada e quando seus olhos cruzaram o de Robertson ela sentiu a fisgada. O seu pau se mexeu na calcinha de renda vermelha que ela vestia por baixo da saia de bolinhas também vermelhas. Robertson deixou os dois amigos com quem estava e veio sentar perto delas. Jussara sorriu, sacou o clima e sem que desse tempo para Suelen reagir, disse, já se levantando: “amiga, vou ali falar com uma colega e já volto”.
A voz meio rouca e suave de Robertson deixou Suelen perturbada. Sem meias palavras, o rapaz disse que era cabeça aberta e que curtia qualquer pessoa. “Eu não sou desses que ficam com essa história que não percebeu. Eu te saquei e vi que você me curtiu”. O coração de Suelen disparou. Ela observou os dois brincos de brilhante falso nas orelhas do rapaz, a sobrancelha desenhada, o cheiro de Quasar… Em questão de segundos, os anos de recato e o entojo de tocar no corpo de outro homem sumiram. As veias marcando os braços longos e as mãos bem-feitas de Robertson fizeram-na desejar que ele a abraçasse com força. Num impulso ela levou a mão até o cabelo crespo e ruivo do rapaz. Robertson fechou os olhos e mexeu a cabeça como um gatinho quando é acariciado. Suelen se entregou.
Suelen e Robertson passaram a primeira noite no Motel Devaneios. No primeiro orgasmo ela viu que estava perdida. “Quer que eu goze de novo, sem tirar, quer?”. E assim foi feito. Robertson não colocava dúvidas a quem estivesse disposto a dividir o prazer com ele. Só certezas. E tragada por uma sensação de gozo que nunca havia experimentado, em apenas uma noite, Suelen foi arrastada para o redemoinho de uma paixão onde só havia uma opção, deixar-se levar por ela. Não conseguiu dizer não, mesmo com a música da Banda Carícias ecoando pelo quarto … usar meu corpo pra sentir prazer… depois vai me jogar na solidão… por isso eu digo não não não…
Quando Robertson disse a Suelen que vivia com uma mulher, ela nada sentiu. Apenas perguntou se ele continuaria indo ao Devaneios com ela. E assim foi feito. Durante dezenove meses, todas segundas e quartas, eles entravam no motel às quatro da tarde e saiam às nove da noite, chovesse ou fizesse sol. Uma vez por mês, Robertson ia no salão para Suelen lhe cortar o cabelo, fazer a sobrancelha e as unhas das mãos e dos pés. Para enganar a mulher com quem vivia, Robertson disse que tinha arranjado um serviço fixo na Muribeca e Suelen dava-lhe um dinheiro toda semana para ajudar na mentira. Jussara não concordava. “Esse cabra tá é se aproveitando de você, amiga”. Mas Suelen não ligava. “Deixa o bichinho, esse dinheiro não me faz falta”.
Um sábado, quando estava abrindo o salão, enquanto se abaixava para puxar um ferrolho, Suelen viu as pernas de uma criança, de um ano e meio mais ou menos, entrando no seu campo de visão. Levantou a cabeça e deu de cara com uma mulher morena, um pouco gorda, mais velha do que ela, cara fechada, segurando a criança pendurada pelos dois braços. Sem esperar que a porta fosse completamente aberta, a mulher colocou o pirralho no chão e começou o baile. “Então é você a rapariga que tá saindo com meu homem? Sua puta! Não tem vergonha de dar em cima do marido dos outros?”. O escândalo começou a chamar a atenção da vizinhança. A criança chorava, mas a mulher não parava de gritar. Estava cega de raiva. “Quenga safada!” Suelen permaneceu serena e, com receio da outra partir para a agressão física, disse enérgica: “Tenha calma, minha senhora”. Ao ouvir a voz de timbre masculino de Suelen, a mulher se calou. A raiva transmutou-se em espanto. Depois de alguns instantes inerte, ela colocou a criança nos braços e partiu sem olhar para trás. Suelen acompanhou com os olhos apreensivos a mulher se afastando e retomou a arrumação do salão como se nada houvesse acontecido.
Durante duas semanas Suelen esperou Robertson e ele não apareceu. Não ligou e nem mandou recado. Ela sentiu uma tristeza tão grande que achou que ia morrer. Começou a sentir falta dos braços do amante lhe pegando por trás, do chamego na banheira de hidromassagem do Devaneios, do filé à parmegiana que dividiam todas as quartas-feiras, de sentir o pau grosso de Robertson bolinando nas suas coxas. E nem Jussara, que tinha ido morar no Tocantins, ela tinha mais para desabafar sua amargura. Começou a se punir por se envolver com homem casado e até pensou em ir morar noutra cidade para esquecer tudo.
Na quarta-feira da terceira semana depois da cena na porta do salão, às quatro da tarde Robertson reapareceu. Suelen estremeceu. Ele apenas perguntou se ela ia para o Devaneios. Suelen pegou a bolsa, fechou o salão e seguiu com o amante para o motel. No caminho ela perguntou: “como é o nome do menino?” “Robertson Neymar”, disse o rapaz com a voz de veludo que Suelen tanto gostava. No seu íntimo, Suelen pensou: “Essa bicha é doida”. No quarto, já despidos, Suelen alisou os longos braços de Robertson, beijaram-se, ele pegou a nuca dela e conduziu sua cabeça até a virilha. Ela suavemente envolveu o pau dele em seus lábios e deliciou-se sentindo-o crescer firme em sua boca. Robertson acariciou seus seios. Trocaram olhares e Suelen sentiu a mesma fisgada de meses atrás. Suelen amava Robertson. Robertson era casado, mas ela não se importava.
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