A HORA DA VERDADE DO RED HOT
Banda mostra que tem fôlego e aposta o repertório nos potenciais hits recentes; clímax da turnê será no Rock In Rio
Por Leonardo Trevas
Colaboração para a Revista O Grito!
Como fazer para que vinte e cinco mil pessoas vençam cansaço, frio, garoa e o trânsito da cidade grande apenas para assistir a quatro músicos? A retórica poderia ser aplicada aos Beatles, se estivéssemos na décade de 1960. Mas, na segunda década do século 21, é o Red Hot Chili Peppers que faz milhares de maomés moverem-se até a montanha: a Arena Anhembi, em São Paulo, nessa quarta-feira (21).
A obra do grupo, que atravessa quase trinta anos, tem como expoentes os discos Blood Sugar Sex Magik (1991), Californication (1999) e By the Way (2002), responsáveis pela maioria das músicas tocadas na turnê sul-americana de divulgação de I’m With You (2011), último trabalho dos Chili Peppers. A gira, que começou em San José de Porto Rico, passando por Santiago do Chile e Buenos Aires, terá seu clímax na apresentação do Rock in Rio, no sábado (24).
A abertura do show foi por conta da inglesa The Foals, de um indie-rock moderninho que rendeu fracos aplausos e bocejos da plateia. Com um atraso de quase meia hora, entraram em cena às 21h50 os Chili Peppers, com “Monarchy of Roses”, música que muito bem poderia ser o single de divulgação do novo álbum. Vestido com uma estranha combinação de boné e franjas emo, e paletó (além de uma bizarra camisa onde estava escrito “Red Hot Perú”), o vocalista Anthony Kiedis cumprimentou a plateia com um gringuíssimo “tudo bem”. Em seguida, tocaram “Can’t Stop”, do By the Way, o que levou o público ao delírio. “Tell me baby”, única do penúltimo álbum Stadium Arcadium, rendeu aplausos calorosos, mas foi “Scar Tissue” do multi-milionário Californication que fez todos cantar. Seguiu-se a nova “Look Around” e seu refrão que convidava as pessoas a bater palmas; “Otherside” (megahit das rádios e MTV); “Factory of Faith”, outra recente; “Throw Away your Television” e sua mensagem politizada. Aliás, é preciso destacar os telões de LED que passavam imagens do show. A cada música, um efeito digital de saturação dava um ar de vídeo-arte à apresentação, mas que por vezes decepcionava o público da pista comum, que por conta do nivelamento da Arena Anhembi, não enxergava o palco a maior parte do tempo.
É necessário ressaltar também os problemas que a divisão em “classes” do espaço das arenas e casas de show tem gerado. A pista VIP do evento, com ingresso no valor de R$ 500 reais, estava mais da metade vazia, enquanto o lugar onde se encontrava a reportagem, próximo à grade de segurança que separa ambas as áreas, encontrava-se lotada, por vezes ocorrendo empurra-empurras e altercações. Tal prática elitiza um espaço que anteriormente era ocupado apenas pelos fãs mais hardcore, que chegavam a passar a noite anterior ao show na fila de entrada para poder guardar um bom lugar frente ao “gargarejo”. Isso acaba por saturar o espaço reservado aos pagantes comuns, causando desconforto à maioria do público.
Voltando ao show: “The Adventures of Rain Dance Maggie”, o novo single de I’m With You era cantado por muitos que acompanharam o seu lançamento online e por aqueles que já tinham escutado o disco, lançado há menos de um mês. Logo em seguida: uma das maiores surpresas da noite: “Me and My Friends”, de The Uplift Mofo Party Plan (1987) foi uma das poucas músicas da primeira fase da carreira dos Chili Peppers tocadas em São Paulo. Fãs dos últimos discos certamente estranhariam essa mistura enérgica de funk e punk que caracteriza a essência da banda, que diluiu-se em baladas de pegada pop já há cerca de dez anos.
“Under the Bridge”, talvez o hit mais conhecido dos Red Hot Chili Peppers fez o público de vinte e cinco mil pessoas cantar em uníssono, inclusive os backing vocals do final da música. Um problema: no dedilhado inicial o som começou a falhar e se emudeceu, fazendo com que o novo guitarrista, Josh Klinghoffer, tivesse que parar a execução da música e recomeçar. O vocalista Anthony Kiedis, nesse momento, chega perto do novato – como que para dar-lhe segurança –, e a canção segue sem problemas.
É interessante acompanhar a performance de Klinghoffer. Este entrou na banda com a importante missão de substituir John Frusciante – favorito do público –, também seu amigo e mentor. O jovem de 31 anos trabalha bem. Mesmo com poucos meses de turnê, já domina todas as músicas, cantando as segundas vozes de um jeito que lembra o ex-guitarrista. Ainda assim, é possível estranhar a mudança dos solos, tão gravados na memória afetiva dos fãs.
Seguiu-se a nova “Did I Let You Know” e “Higher Ground”, cover de Stevie Wonder, do disco Mother’s Milk (1989), que fez o público pular e girar a camisa. Logo após, mais um problema técnico na guitarra e o show para por alguns minutos. Para não deixar a batata esfriar, o carismático baixista Flea (Michael Balzary) toma o microfone e canta-toca uma pequena pérola: “Pea”, do disco One Hot Minute (1995). É interessante notar como a idade começa a afetar o músico, de 48 anos: na parte final da música, onde originalmente o tom mudaria e sua voz chegaria num registro próximo do falsete, o baixista escolheu cantar uma oitava abaixo do que seria o normal. Ainda assim, o que afeta a voz aparentemente não mexeu com a destreza manual de Flea, que executou perfeitamente suas linhas e solos de baixo baseados na técnica do slap.
Continuando: “Californication”, e “By the Way”, singles por excelência, terminaram a primeira parte do show. Após poucos instantes, a banda volta ao palco e toca a morna “Dance, Dance, Dance”, depois a surpresa “Don’t Forget Me”. Antes da última música, Flea, o baterista Chad Smith (também membro da superbanda Chickenfoot) e Josh Klinghoffer fizeram uma jam com o percussionista brasileiro Mauro Refosco. O feeling entre eles foi bom, o que se percebia para além da música com as piadas que Flea fazia com a cidade natal do músico convidado, e chamando-o de “bad motherfucker”.
O espetáculo termina com a funkeada “Give it Away”, do disco Blood Sugar Sex Magik (1991). Fica uma sensação de querer mais. Para os fãs da fase mais antiga do Red Hot Chili Peppers, foi como se tivessem aberto um pacote de biscoito e só lhe dessem uma bolacha. Seria interessante se a banda explorasse nas próximas turnês o repertório dos discos dos anos 80 e 90. Ainda assim, o show em São Paulo mostra um grupo que ainda tem muito gás para tocar novos projetos – como o próximo disco, que planejam lançar no ano que vem. Isso se o mundo não acabar em 2012.
* Leonardo Trevas é músico e jornalista. Escute o som dele no MySpace.