Cine PE tem noite de curtas decepcionante
O mais válido aprendizado nas mostras Pernambuco e Brasil é que nem todo mundo é Godard
Por Alexandre Figueirôa
De Olinda
A décima oitava edição do Cine PE teve início, na noite desse sábado (26), no Teatro Guararapes do Centro de Convenções, sob a expectativa de mudanças diante do novo formato da programação – entre elas, a criação da mostra competitiva internacional – e a seleção de filmes sendo feita por um curador. Entre as novidades tivemos ainda a realização da Mostra Pernambuco (curtas-metragens) já na abertura do evento, juntamente com a primeira parte da Mostra Curta Brasil. Com isso tivemos a exibição de dez curtas, o que para muitos dos espectadores presentes foi considerada uma jornada muito longa.
Olhando o conjunto da programação vemos realmente que a distribuição dos curtas ficou estranha. Se a colocação da Mostra Pernambuco no “horário nobre” do festival foi um fato positivo, concentrar quase todos os curtas concorrentes nos dois primeiros dias talvez não tenha sido uma boa medida. Sobretudo pela qualidade discutível de boa parte dos filmes exibidos ontem. O público prestigiou a abertura e lotou o Guararapes, mas os aplausos xoxos ao final de quase todos os curtas demonstraram que alguma coisa não foi bem.
Na Mostra Pernambuco o filme que conquistou a plateia foi Severo, curta de estreia de Danilo Baracho. Ele mostra a história de dois irmãos, onde um deles pratica delitos e leva dinheiro para casa enquanto o outro prefere ir para a escola e sonhar em ser um jogador de futebol famoso. A mãe dos garotos tem clara preferência pelo filho que lhe leva grana sem se importar onde ele a consegue, o que deixa o rapaz estudioso triste.
O argumento é interessante e dá um recado contundente ao mostrar como a lógica do “tudo por dinheiro” está entranhada em nosso sistema social. O filme, contudo, é uma colagem meio desordenada inspirada em filmes como Cidade de Deus, com recursos visuais desnecessários e uma narrativa, por vezes, ingênua e maniqueísta.
Outro curta a agradar foi Rabutaia, de Brenda Lígia. Um documentário simpático e despretensioso feito a partir das memórias de Gilson Silva, um cidadão brasileiro comum. O personagem é cativante, interage bem com a câmera e a montagem bem resolvida, a partir da fala de Gilson e de fotos suas ao longo da vida, consegue dar o recado pretendido pela realizadora.
Já a ficção Au Revoir, de Milena Times provocou uma recepção morna. O filme conta a história triste de duas vizinhas que estreitam seus laços quando uma delas, uma velha senhora, descobre que está com os dias de vida contados. As atrizes Rita Carelli e Gigi Bandler – do grupo Loucas de Pedras Lilás, estreando no cinema – estão convincentes em seus papéis de mulheres solitárias, mas a narrativa previsível, ancorada numa encenação cinematográfica pouco criativa não consegue dar alma ao filme.
Os documentários Tesouros do Araripe: os Fósseis e a Comunidade e Pontas de Pedros e Pedras completaram a Mostra Pernambuco. O primeiro dirigido por Tito Aureliano, apesar do tema importante sobre a exploração de fósseis na região do Araripe, do ponto de vista fílmico não tem nível para um festival. O curta é tecnicamente precário e tem um roteiro tosco. Uma reportagem mal feita com um fundo musical irritante que não tem nada a ver com o que está sendo mostrado e ainda atrapalha as sonoras dos entrevistados. O outro curta, fruto do interessante projeto Cine Jangada, também não correspondeu ao que se propunha. Imagens mal captadas, entremeadas por um longo depoimento de um único personagem destoa da longa trajetória no cinema do diretor Hermano Figueiredo. A intenção foi boa, mas o resultado não.
Na Mostra Curta Brasil o cenário do primeiro dia também não foi dos mais animadores. O primeiro filme a ser exibido foi o paulistano O Filho Pródigo, de Felipe Arrojo, uma ficção em torno de uma família de classe média vivendo uma crise financeira. A trama, pelas escolhas feitas pelo diretor na articulação dos planos, não chega ao espectador com força e clareza e, em vez de provocar envolvimento e apreensão, ela se torna enfadonha.
Anunciado como um documentário experimental com uma reflexão sobre a linguagem cinematográfica, o curta carioca Linguagem, de Luiz Rosemberg Cariri, não trouxe nada de novo. O prólogo é formado por diversos zooms sobre um mural de fotografias relacionadas com o cinema. Em seguida, vemos uma imagem na tela de um computador onde um longo texto é lido por Priscyla Bettin.
O texto é repleto de divagações filosóficas, metáforas, questionamentos sobre a sociedade do espetáculo, as guerras, o sexo… algo que, em filme, quase nunca dá certo (nem todo mundo é Godard), pois dificilmente conseguimos apreender tanta informação e acompanhar a lógica do que está sendo dito, isto é, se o que está sendo declamado tem afinal alguma lógica. Completa o documentário panfleto as imagens de uma emboscada mortal do exército americano contra árabes.
Notícias da Rainha, de Melanie Narozniak foi mais um documentário a tratar da questão da memória. O filme paranaense busca uma narrativa diferenciada para este tipo de obra, estabelecendo uma paralelo entre a rainha Elizabeth II da Inglaterra e uma rainha do rádio e propondo uma encenação no palco. O recurso é interessante como estratégia, mas a sua execução soou um pouco pesada e monótona.
Todavia, ao menos se mostrou mais inventivo do que o pernambucano No Tiro do Bacamarte, de Xisto Ramos. O motivo poderia render um belo documentário, mas é apenas uma grande reportagem sobre os bacamarteiros da região de Bonito, com o depoimento de um comandante que defende a tradição do folguedo, mesclado com imagens dos praticantes dando tiros.
Encerrou a Mostra Brasil o documentário paraense de Fernando Segtowick e Thiago Pelaes, No Movimento da Fé, mais um curta sobre a procissão em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, em Belém. O filme é bem feito e mostra a motivação de voluntários que dão apoio a festa religiosa. Rodado durante a procissão, as imagens são impressionantes, mas o tom institucional da narrativa enfraquece o impacto que elas mostram.
Como nesse domingo e segunda teremos apenas mais um filme da Mostra PE – Frascos, de Ariana Nuala – e dois da Mostra Brasil – Ecce Homo, de Clodoaldo Lino e Tubarão, de Leo Tabosa – vamos ver se esses trabalhos conseguem dar um pouco mais de brilho a esse segmento que ficou um pouco eclipsado nessa edição no Cine PE.