LIÇÕES DE COMO TRANSFIGURAR O REAL
Ocidente, curta do pernambucano Leonardo Sette é obra conceitual
Por Rafael Dias
É de um minimalismo monástico, quase fundamentalista. Em um primeiro plano estático, são apresentados apenas dois personagens, cujas silhuetas vão aos poucos se definindo sob um filtro fosco (um vidro?) e embaçado. Condicionadas a imagens imediatas, nossas retinas são forçadas a se adaptar a um outro ritmo, muito mais lento e detalhista. Em poucos segundos, identificamos ali um casal de idosos concentrados na leitura, absorvidos na indiferença de si mesmos e do mundo, em um recinto fechado em movimento. Um trem, constatamos em seguida, ao ver a paisagem que corre pela janela. E, assim, vamos moldando nosso olhar, desacelerando em alta velocidade.
É com essa imagem focada, de ação inerte e passiva que causa estranheza e um certo tom de angústia do vazio, que somos apresentados ao quadro “pintado” de Ocidente, curta em 35 mm do diretor pernambucano Leonardo Sette. Sim, o filme de apenas sete minutos se assemelha, guardadas as devidas proporções, a uma tela renascentista de Michelangelo: imutável e em sua aparente perfeição clássica, sem uma nódoa ou qualquer sinal de desequilíbrio, olimpiana. O recorte de uma cena aparentemente frívola e sem sentido.
Mas, a partir das gradações e interferências manipuladas pela câmera, o vídeo ganha outras camadas de interpretação. A certa altura, o olhar capta zooms da cena e seus elementos. Rosto, janela, céu azul, somos convidados a mergulhar numa tela fluida, que suga o nosso olhar. Em certo momento, podemos imaginar até um flerte com a levitação tarkosvkiana: as tomadas lentas, os planos longos, a fotografia suave (porém sem o tom de sépia). Como uma transfiguração da realidade, a imagem sugere um descolamento do instante nulo para um sentimento poético imanente, o alcance da sublimação.
Embora tenha sido pensado a priori, o vídeo parece ser fruto de um “momento”, de um lampejo glauberiano de uma câmera na mão – o que não significa desapreço, pelo contrário. Conceitual, o filme é uma obra “aberta” passível a qualquer tipo de interpretação. Uma crítica à ocidentalização material da existência? Um ensaio sobre solidão? Apologia à alienação? Ou sem sentido algum? Não se sabe. Há decerto uma falha, a de que talvez o filme nos deixa num novelo de muitos nós em aberto. Sente-se falta de uma amarra, de alguma pista adiante. É apenas um recorte de um todo muito maior e mais complexo.
OCIDENTE
Leonardo Sette
[Brasil, 2008]
NOTA: 7,5