CINE PE 2008: Amigos de Risco

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FINA FLOR DO AUDIOVISUAL PERNAMBUCANO
Longa de Daniel Bandeira rouba cena durante o Cine-PE e mostra que com baixo orçamento pode-se fazer uma obra plena
Por Fernando de Albuquerque

cine pe seloÁspero, ágil e tipicamente pernambucano, Amigos de Risco foi, de longe, o melhor produto audiovisual projetado durante todo o Cine-PE. São 88 minutos de exibição que deixam, atrás da platéia, um rastro de inquietação ao contar uma noite na vida de três amigos que vivem cruamente uma tensão urbana que pode acometer qualquer um de nós. Misturado a isso está a subversão afetiva, estética e ética projetados com o petardo de uma câmera indócil e uma fotografia suja, retratando com explícita fidelidade a periferia recifense.

Na história, Joca, interpretado por Irandhir Santos, está de volta ao Recife depois de passar bom tempo no Rio de Janeiro. O motivo da viagem fica no ar com a suspeita de envolvimento em negócios escusos. Para comemorar esse retorno nada melhor que uma noitada ao lado de Nelsão (Paulo Dias) e Benito (Rodrigo Rizsla), seus dois melhores amigos, que seguraram as pontas, da forma que puderam, durante essas férias forçadas de dois anos de Joca. O primeiro é um garçom de um restaurante chique, o segundo trabalha em uma gráfica expressa e o cotidiano de ambos os impede de maiores refastelações. Nesse momento o convite para a noitada por vários bares, onde os gastos no cartão de crédito são ilimitados, se torna quase irresistível. Mas sempre que a efusão ganha tons mais fortes, personagens e espectadores percebem que algo está fora de controle.

E nessa trajetória de descoberta – diferente de outros filmes que tiveram o Recife como pano de fundo – Amigos de Risco retrata uma cidade pelo avesso. Suja, maltrapilha, repleta de ruelas escuras, becos medonhos, círculos humanos que são a mais pura ameaça. Tudo tal como a cidade é. Bem distante da onírica mensagem turística criada em volta do título de “Veneza brasileira”. No Recife não há paz, mas sim crueldade. E o risco de morte está a cada esquina. É iminente. É verdadeiro e bate no peito com angustia, mas toca o coração a partir do momento em que o melhor e o pior de cada um dos personagens é colocado pra fora.

Durante a projeção vê-se a platéia bem firme, de olhos abertos, sentados na ponta das cadeiras tentando decifrar o futuro do trio. Joca é o rastilho de pólvora que desencadeia todas as desventuras. Seus dois amigos vêm de cotidianos acachapantes, forçados a vegetar em empregos pouco recompensadores, uma existência sem horizontes e agora terão de singrar os piores bairros da cidade para enfrentar duras conseqüências de uma amizade sanguessuga. E nesse trajeto, Nelsão e Benito lavam a roupa suja de seus próprios tormentos, entrando e saindo do pesadelo de ter que carregar Joca (desmaiado devido à overdose de pó) por ruas nada gratas. O percurso revela ao espectador o nascer e o morrer do sentimento amizade que vai sendo fulminado graças as trambicagens de Joca.

Amigos de Risco, então, funciona tal como um julgamento. Joca é o réu, Nelsão e Benito se revezam no papel de vitimas e juizes, a platéia é júri que, a todo o momento, pede a punição do algoz. A narrativa, então, comporta-se tal como uma parábola sobre a amizade e o companheirismo. Esse companheirismo masculino é abalado pelas revelações, a amizade passa a ter limites e todos envolvidos na projeção descobrem que há pessoas que merecem e que não merecem a solidariedade. Para chegar à essa parábola, o filme lança mão de uma desordem estética fundamentada na subversão da própria plataforma já que, captado em Mini-dv e transformado em película, Amigos de Risco pode até agredir um olhar excessivamente sensível. E através disso cumpre sua primeira missão de ocasionar contrastes opacos, subverter esteticamente o olhar do espectador e criar códigos internos ao próprio filme que faz a platéia entrar em sintonia ao material, ambiente e escolhas formais de seu diretor.

Poderíamos dizer que se vê em Amigos de Risco algo de um Scorcese profundamente soturno, mas o filme tem uma estranheza bem particular, que foge da representação correta dos personagens. E nessa representação o principal discurso é o da morte do humanismo – não como é a morte de qualquer ética – , mas a construção da imagem de uma humanidade que, agora, pode recusar o perdão a qualquer tipo de gesto.

AMIGOS DE RISCO
Daniel Bandeira
[Brasil, 2008]

NOTA: 9,0

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