De São Paulo (SP)
“Uma obra de arte é uma conversação. Entre o autor e o público que interage com a obra. Eu não penso em uma audiência hipotética quando escrevo. Claro, em todos os meus trabalhos, sempre houve alguém do outro lado, eu reconheço o valor disso. O problema é quando você precisa que todo mundo goste do que você faz”. A interconexão entre artista, obra e público foi uma das questões protagonistas da masterclass realizada pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com o roteirista e diretor Charlie Kaufman, na última quarta-feira (22). O bate-papo, com mediação da sua parceira profissional Eva H.D., aconteceu na Sala Petrobras da Cinemateca Brasileira.
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Conhecido por sua persona introvertida e ansiosa (espécie de Woody Allen duas décadas mais jovem), Kaufman revelou preocupação com os rumos tomados pela indústria cinematográfica, principalmente em relação ao cinema mainstream e o modo como filmes mais populares tem superficializado as possibilidades dialógicas com a audiência.
“As maiores preocupações do business do qual faço parte não são com obras preocupadas em dizer algo verdadeiro. A preocupação é com aquilo comercializável. Eu acho que isso interfere e compromete a possibilidade de a audiênciar se engajar criativamente. É uma doença social”, diagnosticou Kaufman.

Bem-humorado, o roteirista de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Adaptação e Quero Ser John Malkovich informou que estava no processo de criação de algo sobre Inteligência Artificial, mas abandonou a ideia no percurso. “Tudo em relação à IA está envolto em propaganda, filtrado em baboseiras comerciais. A cada dia, novos artigos nos jornais, novos avanços. É algo com a qual estou muito preocupado, é algo perigoso, as pessoas estão seduzidas e usando muito. Preocupa-me como isso pode afetar a cultura, a criatividade e a natureza humana”.
Na Mostra de SP, Kaufman apresenta Como Fotografar Um Fantasma, curta-metragem estrelado por Jessie Buckley sobre dois jovens, recém-falecidos, que perambulam pelas ruas de Atenas, na Grécia. Em meio à pulsação da cidade, os espíritos refletem sobre suas próprias existências, enquanto vivos, e lidam com novos sentimentos no novo plano em que se encontram.
“Tudo em relação à IA está envolto em propaganda, filtrado em baboseiras comerciais. Preocupa-me como isso pode afetar a cultura, a criatividade e a natureza humana”
Charlie Kaufman
Distinguindo-se de suas obras anteriores, a narrativa da obra demonstra preocupação com questões sociais latentes, como o fluxo migratório na Europa. Com imagens de arquivos e experimentações estéticas interessantes (o uso de fotografias é belíssimo), o filme exala uma melancolia enraizada, profunda, gotejada por respiros de esperança e dias mais iluminados.
Entre os questionamentos da plateia, uma chamou bastante atenção: perguntado sobre Spike Jonze, Kaufman não hesitou ao garantir que “adoraria fazer outra coisa com ele. Não há nenhum plano concreto, mas o Spike é um grande diretor, uma grande pessoa para colaborar. Ele é aberto e respeitável”. Sobre os projetos futuros, o nova-iorquino disse que está em fase de tentativa de levantamento de recursos para um novo longa-metragem. “Vamos ver se consigo financiamento. No intervalo, pode ser que surja outro curta-metragem. Porque preciso sempre estar exercitando”.
Cobertura 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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