capitu e o capitulo
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Capitu e o Capítulo, de Júlio Bressane, faz releitura pouco convencional de Dom Casmurro, de Machado de Assis

Cineasta permanece fiel ao seu estilo em não seguir padrões narrativos para contar a história de amor entre Capitu e Bentinho

Capitu e o Capítulo, de Júlio Bressane, faz releitura pouco convencional de Dom Casmurro, de Machado de Assis
3.5

Capitu e o Capítulo
Júlio Bressane
BRA, 2021, 1h15. Drama. Distribuição: Pandora Filmes
Com Vladimir Brichta, Mariana Ximenes e Enrique Diaz

Não é a primeira vez que o cineasta Júlio Bressane se debruça sobre a obra do escritor Machado de Assis. Em 1985, ele realizou o interessante Brás Cubas, inspirado no romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, um filme ensaístico e crítico em que o realizador discutiu, sobretudo, a questão da adaptação cinematográfica de obras literárias. Agora, o papa do cinema marginal brasileiro (também conhecido como cinema udigrudi, movimento que marcou o cinema brasileiro no final dos anos 1960 e início dos anos 1970) volta ao universo machadiano com o filme Capitu e o Capítulo, leitura pessoal e livre do romance Dom Casmurro, cujo núcleo central é a história entre Bentinho e Capitu, apaixonados desde a adolescência, mas que enfrentam dificuldades para viverem plenamente seu amor.

Quem conhece a obra pregressa de Bressane, sabe que o realizador desde que começou a fazer cinema – ele iniciou a carreira como assistente de Walter Lima Jr. em 1965 – não segue os padrões da narrativa clássica. Junto com o também cineasta Rogério Sganzerla ele fundou a produtora Belair, cuja proposta era rodar filmes de baixo orçamento. 

Sua marca sempre foi a irreverência e a ruptura dos padrões estéticos estabelecidos. Bressane é autor de uma vasta filmografia com cerca de 60 filmes e participação em festivais do mundo inteiro. Entre suas obras mais conhecidas estão Matou a Família e Foi ao Cinema e O Anjo Nasceu, ambos de 1969, Tabu, de 1982, e Dias de Nietzsche em Turim, de 2002.

Nesse seu novo trabalho, Bressane se mantém fiel a sua maneira de contar as coisas. Assim, não esperem um drama tradicional. Bentinho vivido pelo ator Vladimir Brichta e Capitu, interpretada por Mariana Ximenes, estão lá, mas o que interessa ao cineasta é a estrutura do texto de Assis e é a partir dessa perspectiva que ele constrói sua narrativa, fazendo uma releitura desse que é considerado um dos clássicos da literatura brasileira.

É um filme, portanto, onde o enredo é trabalhado bem além do texto literário. A forma como os diálogos são apresentados, os espaços por onde circulam os personagens e a ênfase aos olhares, movimentos e percepções por eles vividas ganham ênfase e distanciam a narrativa do cinema romanesco convencional.

Capitu e o Capítulo acaba se tornando uma curiosa mistura de concretismo – a sugestão de enfatizar o lugar do capítulo no livro de Machado de Assis partiu do poeta Haroldo de Campos com Bressane anos atrás – com um certo estilo que paira entre o kitsch e o barroco. Se os movimentos de câmera e a montagem remetem a uma poética da imagem em consonância com um cinema arrojado e moderno, a mise-en-scène e os elementos cenográficos têm um ar de século dezenove fake mixado com novela mexicana.

E tem ainda o narrador, vivido pelo ator Enrique Diaz, digressando sobre poetas românticos enquanto o quiproquó amoroso do ciúme doentio de Bentinho e a possível traição de Capitu se desenrola. Esse não é o melhor trabalho de Bressane, mas mostra um realizador que continua inquieto e sem medo de experimentar.