Esta reportagem faz parte da série “Antes do Orgulho“, que aborda a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife. Acompanhe as outras reportagens da série:
+ Antes do Orgulho: Entre o ódio e o medo: a vigilância da homossexualidade pautou o discurso da imprensa recifense nos anos 1960-70
+ O caso do congresso de cura gay que virou caso de polícia
+ A paranoia estava por toda parte
+ Terreiros em conflito
Parte 1: + “Anormais” – a homofobia na crônica policial do Recife
Parte 2: + “Bonecas não têm vez no Carnaval”: duas décadas de hostilidades e intolerância na cobertura dos jornais
A crescente movimentação pelos direitos dos homossexuais no Brasil só chegou ao Recife para valer em 1980 quando surgiu o Grupo de Atuação Homossexual (GATHO), a primeira organização de militância LGBT pernambucana. Mas na década precedente, mais precisamente no ano de 1978, foi um candidato a deputado federal quem ganhou as páginas dos jornais por ter como plataforma eleitoral a “liberdade gay” e a legalização do aborto: Baiardo de Andrade Lima integrava os quadros do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB), único partido de oposição permitido pela ditadura militar.
Os jornais quase sempre trataram a candidatura de Baiardo com um certo desdém, não faltando quem o considerasse um candidato pitoresco como nesta nota intitulada “Folclore político” publicada um dia antes do pleito eleitoral, na coluna social de João Alberto no Diario de Pernambuco, onde Baiardo abre a lista de candidatos folclóricos por fazer da “liberdade gay sua bandeira”. Na coluna Diario Político a solidariedade do vice-presidente da Câmara Federal deputado Adhemar Santillo a “Baiardo de Andrade Lima, o defensor da chamada ‘liberdade gay’” foi informada em uma nota cuja última frase diz “Há candidatos para todo gosto”.
Mas as injúrias mais perversas vieram de outro político, o jornalista Andrade Lima Filho – inclusive primo de Baiardo – como mostra matéria de 24 de novembro, já depois das eleições de 1978, “Defensor de ‘gays’ contesta críticas de Andrade Lima”. Nela o candidato rebate o artigo publicado dias antes no próprio Diario no qual o jornalista escreveu: “O Baiardo que usa o meu número e abusa do meu nome, lambeu os beiços: é o candidato dos frangos”.
Como resposta, Andrade Lima escreveu outro artigo em 06 de dezembro de 1978 onde reproduziu uma carta que diz ter recebido de um leitor com ataques ainda mais ofensivos. Na carta o missivista refere-se a Baiardo como “um candidato a deputado federal que anunciou, na sua propaganda eleitoral, em todos os recantos da cidade, ser o defensor da liberdade gay, isto é, dos invertidos sexuais, dos pederastas passivos, dos homossexuais, que o povo, na sua sabedoria, vulgarmente chama de frangos”.
Baiardo, apesar de todo o preconceito sofrido, recebeu 1242 votos e o Diario de Pernambucano, surpreendentemente, lhe abriu um pequeno espaço onde ele justificou sua derrota. Segundo a matéria Baiardo lamentou a impossibilidade de atingir a maioria do eleitorado esclarecido de Pernambuco por não contar com os meios de comunicação eletrônica – rádio e televisão – para tornar conhecida sua mensagem.
O candidato concluiu seu depoimento afirmando que “a discriminação ao homossexualismo atinge principalmente os homossexuais das faixas pobres e médias da população, enquanto nas faixas da alta classe média e na burguesia, o homossexualismo existe sem a perseguição desenfreada, inclusive feita pela polícia, que atinge as camadas menos favorecidas”.
Antes do orgulho: a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife
Reportagem: Alexandre Figueirôa
Edição e revisão: Paulo Floro
Artes: Felipe Dário