Antes do Orgulho: A paranoia estava por toda parte

Medo da homossexualidade gerava situações ridículas e coberturas jornalísticas seguiam o mesmo rumo

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Esta reportagem faz parte da série “Antes do Orgulho“, que aborda a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife. Acompanhe as outras reportagens da série:

+ Antes do Orgulho: Entre o ódio e o medo: a vigilância da homossexualidade pautou o discurso da imprensa recifense nos anos 1960-70
+ O caso do congresso de cura gay que virou caso de polícia
+ Terreiros em conflito
+ O candidato dos “frangos”

Parte 1: + “Anormais” – a homofobia na crônica policial do Recife
Parte 2: + “Bonecas não têm vez no Carnaval”:  duas décadas de hostilidades e intolerância na cobertura dos jornais

Acompanhando o noticiário nas décadas de 1960 e 1970 chama a atenção como acontecimentos que, de alguma forma, tivessem relação com a homossexualidade resultavam, por um lado, em atitudes disparatadas por parte dos envolvidos e, do outro, coberturas jornalísticas não menos problemáticas. 

Pelo que as matérias descreviam ficava evidente como o preconceito e a desinformação acionavam mecanismos paranoicos em quem protagonizava os fatos, como também nos redatores. Isso ganhava uma dimensão mais ampla quando envolvia questões religiosas, mas mesmo acontecimentos corriqueiros podiam se tornar casos explosivos.

As tangas da discórdia

Um bom exemplo dessa paranoia é a notícia intitulada “Rapazes e moças que desfilam com tanga são normais”, publicada no Diario de Pernambuco em outubro de 1972. O quiproquó teve como motivo a iniciativa de uma butique em realizar um desfile com rapazes e moças trajando roupas de banho de mar na orla de Olinda. O simples anúncio do Desfile de Tangas foi o suficiente para os jornais dizerem que o evento era um atentado ao pudor e que os desfilantes seriam homossexuais.

O desfile acabou não acontecendo e, na matéria, a loja promotora se defendia dos ataques recebidos, pois segundo o redator a butique responsável tornava claro que “nenhum dos participantes possui desvios físicos nem psicológicos que justifiquem o qualificativo dado pela imprensa local, de homossexuais”. 

O grupo de 20 moças e rapazes se apresentariam de tangas e apetrechos para banho de praia e não pretendiam chocar a opinião pública. A matéria se encerrava com a afirmação: “os componentes da turma pertencem também a tradicionais famílias pernambucanas e no grupo encontram-se estudantes universitários e artistas plásticos”.

Tarados e lunáticos

O pavor da homossexualidade era tamanho que até astrólogos e videntes viam nela razão para preocupações. Pelo menos é o que podemos deduzir lendo as previsões para 1973 publicadas no Diario de Pernambuco no dia 31 de dezembro de 1972. Com o título “Astrólogo prevê catástrofes e desgraças” um certo professor Joe Ramath encerra suas previsões dizendo que “A influência da Lua manterá ainda elevados índices de toxicomanias, taras sexuais (…). A moral sofrerá impactos tremendos: incestos, estupros, homossexualismo, bestialismo etc. Afinal estamos no ciclo dos lunáticos”. 

Antes do orgulho: a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife
Reportagem: Alexandre Figueirôa
Edição e revisão: Paulo Floro
Artes: Felipe Dário