Através de aparato eletrônico, banda fez o disco mais “humano” da carreira
TRILHA DA EXPERIÊNCIA HUMANA
Alardeado como um dos mais importante discos desta década, novo do Animal Collective, é ao mesmo tempo significado e veículo onde se discute caminhos e pistas para o futuro
Por Lívio Paes Vilela
ANIMAL COLLECTIVE
Merriweather Post Pavilion
[Domino, 2009]
É fácil ficar perdido e atordoado com o hype num caso como o de Merriweather Post Pavilion. Pode-se argumentar contra, mas o disco foi o lançamento mais esperado desde Neon Bible do Arcade Fire, outro álbum carregado de um burburinho perigoso. São poucos os discos capazes de transformar os meses antecedentes ao seu lançamento em uma trama digna de novela mexicana. Quais álbuns por aí criam tanta expectativa, que fazem os fãs tentarem chantagear críticos de música e hackearem contas de e-mail, ao passo que levam as gravadoras a contratarem xerifes fora da lei (o Web Sheriff não tem nenhum poder real, na verdade) para tentarem domar um ambiente naturalmente fora da lei como a internet?
O fato é que Merriweather Post Pavilion fez com que um grupo que se estende entre a última resenha da Pitchfork e a última foto do Hipster Runoff esperar diversas coisas. Seja um novo grande disco para integrar seu cânone de grandes discos. Seja um álbum acessível o bastante para apresentar ao amigo fã de Coldplay. Seja um novo ponto de referência estética. Seja, talvez, uma obra que fornecesse pistas, respostas, um guia para indicar o caminho nesses tempos escuros de uma suposta falência da sociedade ocidental. Não são expectativas simples essas com as quais lidamos. Mas, felizmente, Merriweather Post Pavilion atende, a sua maneira, a cada uma delas.
Nos últimos 10 anos, o Animal Collective construiu um arcabouço de ideias tão diverso que, apesar da etiqueta freak-folk ter erroneamente colado em algum momento, não há outra maneira de encaixá-los no quebra-cabeça da música pop se não for ao lado de outras grandes formações da psicodelia americana. Bandas tão distintas quanto complementares, como Beach Boys, Velvet Underground, Captain Beefheart, Grateful Dead, Sonic Youth e Flaming Lips. Durante os 8 álbuns que antecedem este, o coletivo foi das altas frequências sobrepostas aos vocais delicados de “Spirit They’ve Gone, Spirit They’ve Vanished” ao pop caótico e ingênuo de “Grass”, buscou influências tanto na tradição musical da costa oeste americana quanto da a costa oeste africana, passando ainda pela re-estruturação rítmica do folk britânico e pela transformação do dream pop em paisagens sonoras dignas de uma tela de Salvador Dali. Sem dúvidas, foi uma longa, estranha e prazerosa viagem.
O que, no entanto, diferencia Merriweather Post Pavilion dos trabalhos passados do Animal Collective, é a capacidade encontrada por eles de agregar todas essas nuances da sua música em uma única, acessível e adorável obra, sem fazer disso algo limitante. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que resume a carreira do grupo, o álbum instiga e apresenta novas possibilidades, seja através da influência do início da house music e as batidas similares as do hip hop em “My Girls”, ou então à explosão de células rítmicas e à euforia de “Brother Sport”.
“My Girls” e “Brother Sport” foram as primeiras faixas a chegarem à rede e realmente são os pontos altos do disco. A primeira é o pop sing-a-long que Noah Lennox vem há muito tempo arranhando, que soa tanto como Beach Boys quanto Avalanches. Já “Brother Sport” é um tour de force que parte de uma sobreposição de vozes e de um sample de bateria de escola de samba para se transformar num hino de celebração da amizade como 2009 não verá igual.
No entanto, essas duas músicas não encobrem as outras nove obras primas contidas em Merriweather Post Pavilion. “In the flowers” abre já mostrando qual é tom e o ambiente da obra: pop psicodélico construído camada por camada, denso e atemporal. A canção parte de uma atmosfera delicadamente sonhadora, para despencar numa imensidão de cores e sensações, que, de certa forma, definem o que virá em seguida. Aqui, Davi “Avey Tare” Portner te convida para experimentar algo além da mundanidade no momento em que ele pede para “deixar o próprio corpo só por essa noite”. “Summertime clothes” é provavelmente a canção mais pop que a banda já compôs com seu ritmo festeiro e sua letra que parece tanto uma declaração de amor, como a descrição de uma experiência com psicotrópicos. Já “Daily routine” empresta as arestas pontiagudas dos primeiros discos do grupo para construir uma balada épica, que se desmancha num longo final, em que vozes e samples se mesclam, numa sonoridade que deve tanto às harmonias do pop sessentista quanto a parede sônica do shoegaze. “Bluish” é doce como uma música do Bread dilacerada por LSD, enquanto “Taste” e “Lion in a coma” seguem a tradição de “Peacebone” e seu o pop esquizofrenicamente matemático. “No more runnin” parte dos momentos mais contemplativos de “Feels” para criar um dream pop que equaliza tanto uma ambiência orgânica, quanto eletrônica.
Liricamente, o álbum parte da mesma matéria que fez “Fireworks” uma das grandes músicas dessa década. Noah Lennox e David Portner estão em busca daquilo que é concreto em meio ao caos, como se pudessem achar um mínimo denominador comum da experiência humana. Aqui, eles acham as respostas em experiências e crenças simples. Falam de banalidades como não se importar com as coisas materiais (“My Girls”), estabelecer uma rotina saudável (“Daily routine”) ou querer ficar ao lado de sua garota mais do que qualquer coisa (“Bluish”, “No more runnin”). Eles seguem na mesma direção que “Time to pretend” do MGMT, por exemplo, mas fazem isso despidos de qualquer cinismo. A proposta é tentar enxergar o que, na análise mais basal, nos faz felizes e seguros. “And I want to walk around with you” diz o refrão de “Summertime Clothes”, como disseram os Beatles em “I wanna hold you hand”, para então “Bluish” completar “I like the way you squeeze my hands / Pulling me into another dream / A lucid dream”. E quandoa percebem que estamos prestes iniciar uma longa e turbulenta jornada de ressignificação social imposta pela crise, eles ingenuamente perguntam: “are you also frightened?”
Em Merriweather Post Pavilion, o Animal Collective conseguiu construir através de máquinas eletrônicas o disco mais humano dos últimos tempos. Seja pelos conceitos que se propõe a transmitir ou pelas emoções que encerra em suas melodias, este é um álbum que fala direto ao coração, tão rico, quanto imediato. Uma obra que, mesmo sem um mínimo de auto-importância, parece pronta para ser tudo aquilo que se destina.
NOTA: 10