Alexandre Figueirôa: Luzes e sombras

Foto: Flickr /Hkvam

Desde o histórico momento, ainda no final do século dezenove, quando os irmãos Lumière lograram êxito, com a invenção do cinematógrafo, de registrar e reproduzir imagens em movimento, por meio de um equipamento simples e acessível, que o mundo nunca mais foi o mesmo. De lá para cá, as técnicas e processos de geração de imagens foram evoluindo num ritmo cada vez mais acelerado e, hoje, só possuindo uma bola de cristal poderíamos adivinhar com absoluta clareza o que nos aguarda no futuro.

Com a miniaturização crescente dos componentes eletrônicos, a convergência de meios, os processos de digitalização, o cenário do audiovisual é, no dias que se seguem, um dos campos mais fascinantes da produção de narrativas. Filmes, sem o suporte de película, transmitidos por satélite diretamente para as salas de cinema; redes de computadores e telefones celulares trocando imagens virtuais em tempo real; chips implantados no cérebro, reproduzindo imagens tridimensionais; enfim, parece não haver limites para tantas possibilidades de se contar histórias, sejam elas baseadas em fatos reais ou de ficção.

As novas portas da percepção foram abertas, mas uma questão emerge desse emaranhado de ondas e impulsos eletromagnéticos em circulação pelo planeta: estamos realmente preparados para deglutirmos tantas informações e tantas sensações? O admirável mundo novo, de Aldous Huxley, a aldeia global de McLuhan, os fantásticos delírios futuristas de Philippe K. Dike vão ser vividos com relativa tranqüilidade ou iremos sucumbir a uma histeria e a um estado de confusão mental em que não conseguiremos mais distinguir o real do virtual?

Teóricos da pós-modernidade e profetas do ciberespaço vêm tentando, é verdade, decifrar esses enigmas e nos garantem que alcançaremos a graça. Cavaleiros apocalípticos, no entanto, promulgam que estamos vivendo, sem perceber, a desintegração das consciências e, por isso, relutam em mergulhar nesse novo universo, defendendo com ardor a manutenção dos cânones clássicos das formas consagradas dos relatos e, como guerrilheiros em trincheiras escavadas na terra, advogam a manutenção de valores, para eles imutáveis, da nossa civilização.

Por outro lado, os adoradores da “nova era” apostam na diluição de todas as fronteiras e, sem receios, quebram os paradigmas vigentes, declarando a sua adesão total e irrestrita à composição binária zero e um, como a redentora de todas as barreiras que separam o homem de sua vocação universal. Quem ganhará essa batalha? Será que isso é um falso problema? Ou, o caminho que a civilização tomou é irreversível e só nos resta seguir? Estamos mesmo a partir de agora à mercê de mãos invisíveis que nos controlam e manipulam sem que façamos a menor idéia de onde tudo partiu? Embora passemos horas diante da tela de um computador em busca de uma resposta, ela nunca virá? Devemos jogar fora as TV’s de cristal líquido, os telefones de última geração, apagar todos os e-mails, desconectar todas as tomadas? Devemos largar tudo e voltarmos à condição de criaturas telúricas religadas com o divino e o sagrado para encontrar dentro de nós mesmos a resposta silenciosa e definitiva inquestionável capaz de tudo resolver?

Flickr /Midnight-digital

As questões estão postas e talvez não devamos ir muito além se não temos uma resposta, mas como perguntar não ofende, acho oportuno pararmos um pouco para pensar sobre esse momento ímpar de nossa trajetória enquanto produtores de sentidos. Como devemos avaliar a nossa capacidade de criadores de processos comunicativos, estaremos apenas sendo cordeirinhos e agentes úteis da dominação de bilhões de criaturas que não dispõem de acesso aos equipamentos de produção de imagens ou estamos construindo um mundo mais humano, democrático e justo?

Quando entro no Youtube e vejo milhares de imagens, circulando no ciberespaço, me questiono até onde essas inúmeras pequenas narrativas armazenadas sabe-se lá onde, estão deveras contribuindo para consolidar um modelo de existência que some e crie laços de solidariedade ou apenas satisfazem as necessidades narcísicas de seus criadores que produzem imagens para seu próprio gozo e de uns poucos que compartilham das mesmas idéias (sejam elas boas ou más). É curioso observar que apesar de todos os desvios ideológicos (e eles existiram) que os meios como o cinema e a televisão foram capazes de fomentar, sabíamos com o que e com quem estávamos lidando. Agora a conversa é outra. Eu faço um vídeo e o disponibilizo na rede, você o vê, mas ele parece não pertencer a ninguém, e será que isso é realmente o melhor dos mundos ou é a barbárie imagética em que o autor não existe, não se materializa, e assim, pouco importa o que ele está pensando e quais são suas reais intenções?

Portanto, caros leitores, ao mergulharem no universo mágico do audiovisual contemporâneo, não caiam na mera fascinação hipnótica das cores e sons. Riam, chorem, aprendam, debochem, mas também desconfiem, e não deixem de lado o senso crítico, pois sem querer ser alarmista ou criador de teorias de conspiração mirabolantes, é bom lembrar que existem mais mistérios entre o céu e a terra do que suspeitam as nossas frágeis mentes saturadas.

——
[+] Alexandre Figueirôa é doutor em cinema pela Sorbonne (França) e autor dos livros Cinema Novo: A Nova Onda do Jovem Cinema e Sua Recepção na França (Papirus) e Cinema Pernambucano: Uma História em Ciclos (FCCR). Atualmente é professor da Pós-Graduação em Cinema da Universidade Católica de Pernambuco. Escreve nesta coluna sobre os últimos lançamentos em DVD.