Um papo com Clarice Falcão, atração do No Ar 2019: “este é o disco em que mais me expus”

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"O retorno do público talvez seja o momento mais catártico. Saber que tem gente que sente o mesmo." (Foto: Pedro Pinho/Divulgação).

“Calma, vai ficar tudo bem. Tem conserto. Mesmo.”: a mensagem de Tem Conserto, terceiro álbum de estúdio de Clarice Falcão, não poderia ser mais objetiva. A obra, disponível nas plataformas digitais, traz nove faixas inéditas. A artista faz um passeio pelas músicas, que apesar de apresentarem batidas bem agitadas, promovem reflexões sobre o cotidiano e questões íntimas, inclusive da própria Clarice.

Quando a artista começou a compor percebeu gradativamente que todas as letras levavam a um mesmo lugar: tratar abertamente de temas como a depressão e ansiedade, vivida por ela desde a juventude. “É importante ressaltar que o disco não é um tratado sobre a depressão em geral, até porque eu nunca saberia fazer um. É um disco falando das minhas experiências”, explica a artista.

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Com produção de Lucas de Paiva, Tem Conserto apresenta uma ruptura na discografia da cantora quando comparado aos dois primeiros discos lançados por ela, Monomania (2013) e Problema Meu (2016).  

A artista se prepara para voltar a se apresentar no Festival No Ar Coquetel Molotov, no Recife, no próximo sábado (16). Além de Clarice, a organização promete uma maratona com mais de 20 atrações, entre elas Liniker e os Caramelows, MC Tha e Black Alien, no Caxangá Golf Country Club, na Zona Oeste do Recife.

Em entrevista à Revista O Grito!, Clarice Falcão deu detalhes sobre seu álbum mais recente e a expectativa para o show na capital pernambucana. Confira:

Você é natural do Recife. Qual a influência dessa cidade na sua obra?
Me identifico muito com o senso de humor pernambucano. É algo que sempre esteve presente na minha casa (meu pai e minha mãe são engraçadíssimos, cada um à sua maneira) e uma coisa que acho que levei não só pra minha obra como pra minha vida.

Qual a diferença da Clarice do primeiro disco pra esse?
Muita diferença. Algumas músicas do Monomania eu compus com vinte anos. Agora tenho trinta, sinto que tenho outras angústias.

Hoje o cenário da música é bem diferente do de décadas atrás. Como você vê o mercado atual?
Sei que o mercado está mais difícil para os artistas em vários aspectos, mas é inegável que a internet democratizou quem consegue divulgar o próprio trabalho. Antigamente, pra você ter uma chance, algum poderoso de alguma gravadora tinha que se interessar por você. É claro que o mercado (como o mundo) continua muito desigual, mas fico muito feliz de ver artistas negrxs trans e periféricxs fazendo sucesso. Tomara que isso só cresça.

As críticas te abalam? Você costuma ler os comentários?
Já me abalaram muito, hoje em dia acho graça. Não saberia sobreviver nesse meio se me levasse muito a sério.

Minha Cabeça” tem mais elementos eletrônicos e uma letra mais pessoal. Como chegou a esse som?
Já faz alguns anos que tenho curtido ouvir música eletrônica. Com esse disco me apaixonei por fazer música eletrônica. Me encantei com o mundo de possibilidades que se abre quando você produz sua própria música em casa. Sempre gostei de contrastar a sonoridade com o teor as letras, então pra mim foi muito legal fazer uma música completamente eletrônica sobre um assunto muito humano, ou uma música de pista sobre não querer sair da cama.

Sendo um trabalho que trata de temas como depressão e outros tipos de distúrbios pessoais, como foi assumir essa característica em Tem Conserto? Como se deu esse processo criativo?
Foi um assunto que surgiu organicamente na hora de compor. Quando dei por mim, o disco era sobre isso.

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“Depressão é um tema sério e por isso tentei ser o mais honesta possível”. Foto: Pedro Pinho.

A palavra “eu” aparece bastante ao longo das músicas. Dá a impressão de ser mesmo um disco que expõe você mais do que os outros.
Com certeza. Tanto em tema como em forma, é o disco em que mais me expus. Talvez por ser o disco menos bem humorado.

Foi importante estabelecer esse senso de pessoalidade no disco para tratar o tema de saúde mental com a seriedade que ele precisa?
É um tema sério e pessoal pra mim e pra várias outras pessoas então tentei ser o mais honesta possível.

É interessante como você passa por vários processos terapêuticos com a música: quando compõe, quando lança e quando recebe o retorno do público? Concorda com esta afirmação?
Concordo. O retorno talvez seja o momento mais catártico. Tem algo muito reconfortante em saber que mais gente se sente do jeito que a gente se sente. 

Em relação à depressão, você nota algum senso de responsabilidade para tratar desses assuntos por ser uma pessoa em evidência?
Sim, por isso é importante ressaltar que o disco não é um tratado sobre a depressão em geral, até porque eu nunca saberia fazer um. É um disco falando das minhas experiências.

O título do álbum é também esperançoso desde o título. É essa a intenção?
A música Tem Conserto foi a última que eu compus, mas eu nunca conseguiria lançar esse álbum sem ela. Foi feita justamente pra encerrar o disco de forma esperançosa.

O que você está pensando para o seu show no Coquetel Molotov, um dos principais festivais de música do Recife?
São só 50 minutos de show então não dá pra tocar tudo: vou dar prioridade para as músicas de pista. Devemos tocar a maior parte do Tem Conserto e repaginamos algumas músicas dos discos anteriores. Acho que vai ser lindo.