Nascido numa família de artistas, Lucas Torres é um dos novos nomes da cena musical autoral contemporânea de Pernambuco por seu estilo inovador. O seu som une elementos da música brasileira, pop e rock envoltos numa aura de mistério e psicodelia.
O artista se prepara para circulação estadual do seu primeiro álbum, SignoSer, com incentivo do Funcultura, ocupando teatros e espaços de música independente no interior de Pernambuco. A obra tem canções compostas por Torres e seus parceiros musicais.
Entrevista com Siba Carvalho: a arte é nossa arma
A produção e os arranjos do disco ficaram nas mãos de Juliano Holanda. “É minha principal fonte de inspiração. Um mestre parceiro e incentivador” ressalta Torres. O álbum propõe um mergulho em colagens de sons experimentais, impressões e sensações construídas pelo artista. A base dessas aventuras sonoras são suas indagações e anseios sobre ser e estar no mundo.
Confira o bate-papo que batemos com o artista:
Qual a origem do título do seu álbum SignoSer?
Signoser é o nome de um projeto que venho desenvolvendo há cerca de cinco anos e que não abarca só a música, mas performance, poesia, pesquisa e autoconhecimento. Trata-se da junção das palavras signo e ser. SIGNO, representação de algo a que atribuímos valor, significado ou sentido. SER, sensação ou percepção de si próprio. O sujeito da espécie humana. A criatura, ente que vive realmente ou de modo imaginário. A ação de ser, a existência.
Decidi colocá-lo como título também do disco pois está tudo interligado. Inclusive, há uma música chamada signoser. Uma poesia musicada que canto na abertura do show e que não foi gravada nesse disco. Vou lançá-la em 2020 num EP que faz parte da continuação do projeto, junto com um livreto de poesias e ilustrações.
Como foi pensada a sonoridade do disco?
Na verdade, levamos ao estúdio o que eu já costumava fazer, com uma sonoridade que sempre esteve ali, bruta, pronta para ser lapidada, experimentada. Tive o prazer de contar com Juliano Holanda na produção e direção musical e também como arranjador das versões. Conversamos sobre como eu imaginava o contexto do disco, com interferências, noises, ruídos, gostaria de trazer esse universo abstrato, mas com uma base no pop contemporâneo. Todo o resto fluiu naturalmente, as músicas foram ganhando um corpo interessante, poderoso. Juliano captou a essência do Signoser como ninguém. Ele já acompanhava meu trabalho e soube exatamente como dar vida as canções. Não procuro me prender a uma sonoridade específica.
O trabalho, eleito Melhor Álbum Pop pelo 10º Prêmio da Música de Pernambuco (2019), é composto por canções suas e de outros colegas.
Quem colaborou com a obra?
A realização desse disco conta com a colaboração muitos amigos e amigas, em especial a minha avó, Guiomar Torres, grande incentivadora de meu trabalho. Signoser possui 10 faixas. Quatro delas são composições de parceiros, músicas que sempre cantei. “Esquecimento” e “Prenúncio” foram criadas por meus tios, Júlio Holanda e Zé Torres. Juliano Holanda é autor de “Quando” e Philippe Wollney criou “Cada Segundo”.
O disco contou com a participação de Tom Rocha, que colocou a bateria nas músicas, Sam Silva, Walter Areia, Almério, Philippe Wollney e Juliano Holanda. Ernesto Rodrigues fez a foto da capa. Ganhar o 10º Prêmio da Música foi marcante pois sei que é uma conquista de todas as pessoas que fazem parte disso. Sou muito grato a cada uma, cada um que esteve comigo durante todo o tempo de concepção e gravação do meu primeiro álbum.
Você mescla música experimental, poesia e performance nas suas apresentações. Como descreve o seu trabalho artístico?
Meu trabalho parte da experimentação. Não sou muito de técnica, sou mais do sentir. Sempre fui fascinado por temas curiosos, arte abstrata, surrealista, fantasia, ficção científica, ocultismo, filosofia quântica… Leio e escuto muito. Todo dia procuro escutar algo novo, seja de amigos que estão lançando novos trabalhos ou músicas de outras culturas. A poesia e a música, para mim, são linguagens que estão intimamente conectadas. Em minhas apresentações sempre houve uma cênica muito forte. Fiz dança popular e teatro durante três anos. O resultado em palco é a soma dessas experiências, mas flui sempre de forma natural. Não marco nada, deixo sentir e transpasso no corpo.
Há muitos artistas na sua família: os poetas Zé Torres e Júlio Holanda são seus tios e Juliano Holanda, responsável pela direção musical do disco, é seu primo. Como se deu essa influência? Sempre pensou em trabalhar com música?
Como você disse, a arte é um vetor que direciona grande parte de minha família e isso é a fonte primordial de minhas influências. Nasci e cresci numa casa sem tabus, onde “ser artista” é algo de muito valor. Meu pai é percussionista, minha mãe sempre teve um gosto muito apurado para plástica e artes em geral. Aprendo muito com todos. Juliano é minha principal fonte de inspiração. Um mestre parceiro e incentivador.
Sempre soube que nasci para cantar, esse sempre foi o meu sonho e é o que me move. O “trabalhar” com música foi algo de uns seis anos pra cá. Trabalhei em várias outras áreas para investir em minha arte. Infelizmente, não é fácil para um artista independente do interior de Pernambuco viver apenas da música. Mas cantar é minha prioridade, sou muito dedicado à minha carreira e, hoje, ela é meu trabalho.
Você é do município de Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Como foi colocar as referências dessa região dentro do seu trabalho?
Não é algo pensado, essas referências estão de forma natural, inerente. Escrevo e canto o que sinto. Goiana é o lugar onde aprendi o que era mundo, tanto as belezas quanto suas mazelas. É a terra onde estão fincadas minhas raízes. Essas referências estão em mim, são marcas presentes no que faço, no que sou.
Há uma parceria de Quando, faixa do disco em que você canta com Almério. Como foi essa parceria? Quais outras parcerias na música você tem realizado?
Foi incrível! Almério é um dos artistas mais generosos que conheço. A presença marcante dele na música faz com que ela seja tão especial! Eu já desejava essa parceria desde antes de pensar em gravar o disco e, assim que o convidei ele topou. Junto com Juliano, sugerimos a canção “Quando” e a sintonia foi imediata! Ele também participou do videoclipe da música, gravado todo em Goiana. Um amigo essencial. “Quando” é uma canção/presente que ganhei de Juliano no início de minha carreira “solo”, há uns dez anos. Na época, estava enfrentando muitas barreiras internas. Questões de aceitação, de superação, de me compreender como jovem LGBT numa cidade pequena e tradicional, onde o preconceito arraigado é uma violência constante. “Quando” foi o fôlego para encarar aqueles desafios. Significa muito para mim.
Tenho parcerias com vários outros artistas! Criar junto é bem melhor do que sozinho. Algumas parcerias mais novas com Juliano Holanda, Philippe Wollney, Valfrido Santiago, Sam Silva, Jonatas Onofre, já fazem parte dos shows.
Você se afeta muito pelo que está rolando na política? Como encara a conjuntura política brasileira atual?
Com certeza, tá tudo tão assustador… Um mar de retrocessos, uma onda de crueldade. Sou artista, gay, nordestino… e vejo todos os dias nossos direitos sendo ameaçados por este desgoverno. Não há como se isentar disso. Estamos falando sobre o essencial para os direitos humanos: o respeito à vida! Eles estão nos censurando, nos matando, nos tirando o direito de liberdade… Isso é um sinal de que a sociedade está muito doente. Para mim, defender e apoiar fascismo e todas as atrocidades deferidas por este “presidente” não é questão de política, é questão de caráter. Eu escolhi lutar.
Você inicia em breve uma turnê pelo interior de Pernambuco. Como ela está estruturada?
A Turnê SIGNOSER Estadual é um projeto incentivado pela lei de incentivo Funcultura e vai passar por cinco cidades: Arcoverde (21/09), Bezerros (28/09), Goiana (09/11), Recife (13/11) e Afogados da Ingazeira (15/11), abarcando as macrorregiões Zona da Mata, Agreste e Sertão. Estou muito instigado para nossa estreia que será agora dia 21/09 (Sábado) em Arcoverde. Em cada um dos shows haverá participações especiais, como Helton Moura, Ciel Santos, Isaar… Para mim, construir essas pontes artísticas é fundamental, aguça a criatividade e fortalece a essência do que é fazer arte. Conhecer outras expressões, pessoas, lugares, tudo isso é reconhecer-se. Estou muito feliz com essa andança! Estarei divulgando tudo sobre os encontros em minhas redes sociais.