Uma Nova esperança – Episódio IV, concretizou a nova Hollywood. Uma nova esperança fez do cinema o que a geração pós-1970 conhece como tal. Além dele, não mais que meia dúzia de filmes, tratando-se do cinema estadunidense, podem se vangloriar de igual feito. E O despertar da força, Episódio VII, como que ironicamente, é o sinal mais inconfundível, mais extremo, de que este novo cinema, cinema pós-Star Wars, arrasta a centenária arte cinematográfica à sua fase de menor brilho.
E isto depende muito pouco da satisfação que o filme causa aos fãs. O episódio VII consegue manter-se muito bem, do início ao fim, a despeito de seus defeitos incontáveis, o que é quase incompreensível. É como se seus deslizes fossem varridos por seu potencial nostálgico. É como se emoção de estar diante de algo que se insere em uma saga que é uma instituição, um artefato, que tem quase vida própria, obnubilasse o espírito crítico. E, deste modo, encantadoramente, ele atesta o desencanto de um cinema tão grande, tão absurdo quanto o hollywoodiano.
Há quem afirme (Joost Smiers, por exemplo) que, há pelo menos duas décadas, a indústria cinematográfica vem num movimento de concentração entre empresas-chaves, aumento vertiginoso dos custos de publicidade dos filmes, dependência crescente de outras plataformas de venda (indústria de brinquedos, televisão). Mesmo que se apontem erros neste diagnóstico, qualquer um observador mais atento notará que existe, hoje, uma tendência no cinema.
Este Star Wars decorre da vitória do seguro sobre o ousado, este seguro que é a própria anti-essência da arte.
Por exemplo, a quantidade de prequels, reboots, e continuações lançados. Ou a existência de uma fábrica de livros adolescentes ou de quadrinhos tornados automaticamente em filmes, que são lançados na quase totalidade de salas de multiplex do circuito exibidor (tal qual Vingadores – Era de Ultron ocupando, por exemplo, 1176 das pífias 2800 salas existente no Brasil). Ou a constatação de um Oscar cada vez menos relevante, que oscila entre a velha guarda, consagrada e reiterada, e uma nova geração cheia de falsos expoentes.
Hollywood, com seu cinema sempre comercial e sempre embasbacante, de que Jogos Vorazes talvez seja um dos últimos exemplos bem-sucedidos (não a nível de bilheteria, mas da junção entre qualidade e receita), atingiu um marasmo lamentável. Tornou-se apática diante da guinada espetacular da televisão, com seus roteiristas implacáveis, inovadores.
Star Wars optou, neste contexto, em fazer o que não fizera quando do lançamento de seu episódio IV, de fazer o que é quase contrário à sua essência altamente inovadora. Optou pelo conforto, que é regra na quase totalidade das produções de alto custo. Optou pela completa falta de criatividade, e investiu bilhões nesta opção. Optou por criar um retalho de episódios antigos, fundidos, postos como novo diante de um público que não teve o privilégio de assistir à versão original, à versão integral, aquela que mudou tudo consigo, inesquecível. Optou por dar ao público não a sensação plena de assistir a algo revolucionário, mas a sensação de saudosismo por algo que jamais será como foi há décadas atrás. Optou por respeitar os fãs, como se tem colocado. Por não os magoar. Por não os irritar. E, como resultado, bateu todos os recordes de bilheteria.
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O cinema que O Despertar da Força insinua é o triste desembocar da revolução concretizada por Uma Nova Esperança. É a catástrofe da arte do cinema, não por conta de seu caráter comercial, porque Hollywood já foi muito maior e muito mais rentável do que um produtor de hoje jamais sonharia, sem que com isto tenha deixado de produzir o que de melhor já se viu nesta terra.
É aquele tipo de catástrofe que decorre da vitória do seguro sobre o ousado, este seguro que é a própria anti-essência da arte. É a desonra para o cinema, que sempre foi lugar de homens aventureiros, homens que, como Hitchcock, David O. Selznick, os irmãos Segreto – e, por que não, o próprio George Lucas, em começo de carreira – estavam prontos a perder toda a fortuna do dia para a noite, como tantas vezes fizeram, para tantas vezes recuperar, às vezes com um sucesso estrondoso como Psicose, que hoje é menos sucesso do que ícone. Enquanto isso, a aventura do cinema parece ter-se relegado a países como o Brasil (como a romaria de Chatô de Guilherme Fontes prova).
E, deste modo, pouco importa se o episódio VII de Star Wars é um regozijo para os fãs, se os respeita, se os toca. O estigma deste filme que paira sobre o cinema hollywoodiano como um todo, sobre este cinema mitológico, é assustador. Um cinema que, diga-se a título de conclusão, é muito menos efêmero do que a vida de milhares de fãs da saga.