Crítica: Amantes Eternos, de Jim Jarmusch

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Adam e Eve: críticos idealistas da cultura humana. (Divulgação/Paris).
Foto: Divulgação/Paris Filmes.
Foto: Divulgação/Paris Filmes.

Jim Jarmusch cria vampiros melancólicos para falar sobre arte e decadência

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Por Paulo Floro

Em um primeiro momento, o novo filme de Jim Jarmusch (Flores Partidas) parece uma ode à decadência. Afinal, situa sua trama em duas cidades que vivem de um passado frondoso e cheio de prosperidade, Tânger (Marrocos) e Detroit (EUA). Em um segundo olhar sobre o longa, vemos que o diretor na verdade faz uma homenagem ao “cool” através dos tempos. E faz isso com dois protagonistas vampiros interpretados por Tilda Swinton e Tom Hiddleston.

A trama mostra a história de dois vampiros amantes, com centenas de anos de idade. Um deles é Adam (Hiddleston, famoso no papel de Loki em Os Vingadores), que vive em uma Detroit em ruínas, e é um músico viciado em tecnologias antigas e colecionador de guitarras clássicas. Ele conta com o “zumbi” Ian (Anton Yelchin), um humano que o serve com todo tipo de pedidos, desde uma rara Silvestone dos anos 1960 até uma bala de madeira que poderia dar cabo de sua vida.

Sofrendo de grave melancolia que pode levá-lo a desistir de sua vida eterna, ele conta com a intervenção de Eve (Tilda), que mora em Tânger e é mais adaptada às transformações que o mundo viveu. Com um olhar mais otimista da vida, ela migra de seu confortável e pacato cotidiano no Norte da África para Detroit como forma de ajudar seu amante eterno. Ela deixa por lá o velho Kit (John Hurt), um escritor que teria criado clássicos como Hamlet para Shakespeare, “um imbecil”, em suas palavras.

Adam e Eve: críticos idealistas da cultura humana. (Divulgação/Paris).
Adam e Eve: críticos idealistas da cultura humana. (Divulgação/Paris).

Amantes Eternos não se trata de mais uma produção sobre vampiros. Diferentemente de True Blood e Crepúsculo, Jarmusch usa o mito dos sanguessugas para contar uma história sobre cultura, arte, beleza e a decadência dos gostos. Tanto Adam quanto Eve são críticos idealistas, sempre engrandecendo todas as eras, dos compositores clássicos europeus até o moderno Jack White, citado no filme, inclusive. Há diversas referências ao longo da projeção, que incluem nomes como Mary Shelley, Mark Twain, Robert Johnson, Jean-Michel Basquiat, Franz Kafka, entre diversos outros.

A percepção é que todos esses nomes parecem deslocados hoje, assim como seus personagens, e são apenas mitos obscuros de uma era perdida. Já os vampiros, não. Eles seguem vivenciando essas mentes brilhantes como fizeram quando foram contemporâneos. O resto de nós, humanos, ou melhor, “zumbis”, como diz Jarmusch, só fizemos estragar tudo. O filme nutre essa melancolia constante, que serve também para enaltecer o estado catatônico de seus protagonistas.

O oposto disso é a personagem Ava (Mia Wasikowska), irmã de Eve. Ela é cínica e prefere viver o presente a ficar remoendo um ideal de arte que parece inatingível. Sua aparição dá movimento ao longa, que parecia destinado a um destino maçante. Ao contrário dos personagens principais, que vivem em cidades suspensas em sua própria ruína, ela vive na vibrante e rica Los Angeles. E também está mais ligada à sua natureza morta-viva e selvagem, daquele tipo old-school que se alimenta de humanos, ao contrário de seus amigos acomodados, que dependem de esquemas com traficantes para obter seus suprimentos de sangue.

Amantes Eternos é um dos melhores filmes de vampiros em muito tempo. Assim como diversos outros longas anteriores, a metáfora da vida eterna vampírica é usada aqui para discutir a existência humana a partir de valores estéticos. A ambientação em Detroit, que se transformou em uma espécie de cidade fantasma após a crise econômica da segunda metade da década passada.

O filme se agarra a um fiapo de história e se vale muito mais pela sensibilidade do diretor do que pela sua narrativa. É também um filme bem divertido para quem curte tagarelar referências culturais

Em um dos mais belos momentos do longa, Adam e Eve visitam um antigo teatro de Michigan, palco de concertos grandiosos e ricamente decorado, hoje transformado em estacionamento. Em outra passagem, eles assistem maravilhados a uma cantora libanesa em um café em Tânger, como se despertassem ali as esperanças no renascimento de um ideário de beleza quase transcendental. A arte teria esse caráter de reafirmar e enaltecer nossa própria humanidade. E só os vampiros conseguem captar isso.

amantesAMANTES ETERNOS
De Jim Jarmusch
[Only Lovers Left Alive, ING/ALE/FRA, 2014 / Paris Filmes]
Com Tilda Swinton, Tom Hiddleston e John Hurt

Nota: 8,6

https://www.youtube.com/watch?v=vsRTeZk9UZw