Por Renata Arruda
Há mais de 10 anos em atividade, o Ludov despontou em 2004 através da MTV Brasil com o hit “Princesa” (EP Dois a Rodar, Independente), vencedor do Video Music Brasil no mesmo ano. Três álbuns e quatro EPs depois, a banda formada por Vanessa Krongold, Habacuque Lima, Mauro Motoki e Paulo Chapolin lança Miragem (Independente), quarto disco de estúdio que rompe com os cinco anos de jejum desde o último álbum cheio, Caligrafia (2009). Segundo Vanessa, “Miragem foi concebido para ser um grande disco. Havíamos lançado 3 EPs comemorativos e sentimos a necessidade de produzir uma obra concisa, forte, com personalidade”. Dispostos a criar coletivamente um álbum partindo do zero, decidiram que o amigo Arthur Joly, “o gênio dos analógicos no Brasil”, era a pessoa certa para a produzir a obra e para a versão física, optaram pelo lançamento apenas em vinil, com arte desenhada e pintada à mão pelo quadrinista Gabriel Bá e viabilizado através de financiamento coletivo:
“Um lançamento em CD faz pouco sentido hoje em dia. O suporte físico nesse formato normalmente serve apenas para colocar no seu computador e transformá-lo em mp3. Se for pra ter o disco em mãos, que seja pela experiência completa: auditiva, visual, tátil. Nesse quesito, o disco em vinil é imbatível”, defende Vanessa. “O financiamento coletivo é a grande pré-venda. Favorece o artista e o público, que quase sempre paga menos pelos produtos nessa fase.”
Para O Grito!, Vanessa falou sobre a a experiência com o financiamento coletivo, a concepção de Miragem, a força dos “grupos de diversos tamanhos” que se uniram para que o projeto ganhasse vida e, ao lado de Habacuque Lima, ainda destrinchou o álbum em um faixa a faixa exclusivo:
Poderiam comentar sobre a concepção de Miragem, as influências e a decisão de chamar Arthur Joly para produzi-lo?
Miragem foi concebido para ser um grande disco. Essa sempre foi a intenção. Havíamos lançado 3 EPs comemorativos e sentimos a necessidade de produzir uma obra concisa, forte, com personalidade. E gostaríamos de ter um produtor com essas características também. O velho amigo Arthur Joly caiu como uma luva nessa classificação. O gênio dos analógicos no Brasil, cheio de personalidade e com um estúdio repleto de sintetizadores incríveis. Convite feito, aceito e o Arthur teve influência decisiva no que o Miragem se tornou.
E como foi que pintou a ideia de ter a arte de capa ilustrada por Gabriel Bá?
Além de decidirmos fazer um grande disco, também decidimos fazer um disco grande: um LP! A capa de um vinil é uma experiência à parte e não podíamos deixar de valorizar a arte a ser impressa nele. Gabriel Bá é um quadrinista premiadíssimo e admirado por todos nós. Já estava em nosso radar há alguns anos, desde que era colega de faculdade do Mauro. Essa pareceu a oportunidade ideal para finalmente aproximar nossos caminhos. Após algumas audições do disco, ele nos trouxe essa verdadeira obra de arte (toda desenhada e pintada à mão).
Com o Miragem, vocês decidiram fazer um financiamento coletivo para o lançamento em vinil. Por que o lançamento físico apenas nesse formato e como foi a experiência? Pensariam em repetir no futuro?
Um lançamento em CD faz pouco sentido hoje em dia. O suporte físico nesse formato normalmente serve apenas para colocar no seu computador e transformá-lo em mp3. Em termos de sustentabilidade, é muito nocivo produzir algo que não seja imprescindível. Melhor mandar direto pro computador.
Agora, se for pra ter o disco em mãos, que seja pela experiência completa: auditiva, visual, tátil. Nesse quesito, o disco em vinil é imbatível. Porém, embora sejam cada vez mais comuns os novos lançamentos nesse formato, o custo de produção ainda é muito alto. Aliado a todos os outros custos do disco, se torna praticamente inviável. O financiamento coletivo é a grande pré-venda de uma obra que está por vir. Favorece o artista e o público, que quase sempre paga menos pelos produtos nessa fase. Mas o grande barato mesmo é o engajamento dos fãs para fazer o projeto ser bem-sucedido. Seja com dinheiro, com divulgação ou com a torcida, todos são responsáveis pelo sucesso do financiamento. Somos extremamente gratos por isso. E como a experiência foi positiva, não vejo porque não repetir, se necessário.
Depois de algum tempo sem lançar álbuns cheios, o que o Miragem representa para vocês?
Miragem é um disco coletivo, concebido por grupos de diversos tamanhos. Por um grupo que entrou em estúdio disposto a criar um álbum do zero e com todos os integrantes reunidos (e unidos). Também por um outro grupo de artistas talentosíssimos que assinam a produção, a capa, o encarte, os arranjos vocais. E por um grupo glorioso de pessoas que acreditam na banda e apostaram nessa produção com a gente. Olhando assim, é inevitável ver a força que esse grupo tem. Somos uma multidão. É isso que esse disco representa.
Site oficial: http://ludov.com.br/
Miragem, faixa a faixa:
1) Copo de Mar (comentada por Habacuque)
A Tainá me apresentou a letra um dia dizendo “acho que fiz uma música” eu li os primeiros versos e fui encaixando em um riff de guitarra que pra mim parecia o balanço de um barco em alto mar. Sim, ela tinha feito uma música e com imagens muito bonitas. Achei especialmente interessante o trecho em que ela diz “não tem céu que me sirva da capitão”. Esse céu ausente que serviria de guia e figura de confiança. Quando terminamos essa primeira melodia, que era o que havia de letra, eu achei que já tinha a música completa e que o refrão seria “O mar que você me deu não serve pra navegar”. Fiquei tentando imaginar arranjo, partes instrumentais e já pensando em apresentar isso à banda no próximo ensaio. Eis que a Tainá me volta alguns dias depois com o restante da música e, pasmem, um novo refrão. Quando cantamos juntos a parte do “esse seu copo de mar” ela disse: “acho que a música já tem nome: “Copo de Mar”. E assim foi.
2) Na fila do B52’s (comentada por Habacuque)
Uma música que começamos e finalizamos inteiramente no estúdio do Arthur Joly, a Reco-Head. A gente queria aproveitar aqueles sintetizadores analógicos dele, e quando surgiu o riff de guitarra ele logo foi transposto pro teclado, num tom mais grave, gerando um clima muito enigmático. Já nas primeiras vezes que a melodia foi cantada, o verso inicial era esse: “nós dois éramos bem mais do que eu supus, na fila do B52’s”. Era pra ser algo temporário, mas a partir daí a letra toda se desenvolveu pra essa história de um provável casal que não dá certo por conta de um contexto astrológico.
3) Cidade Natal (comentada por Vanessa)
Essa nostálgica faixa faz uma releitura do que vivemos no passado vistos pelo que somos agora. Quem éramos por quem nos tornamos. Como expectador, é possível até narrar o roteiro diário do Mauro na infância em Brasília: escola > prédio > lago > ponte > lar. Os contagiantes backing vocals na segunda parte da música são irresistíveis pra mim. Dá vontade de deixar de cantar o vocal principal pra me divertir com os backings.
4) Congelar (comentada por Habacuque)
Outra que surgiu ali na área recreativa da Reco-Head. A parte da melodia também pedia uma letra pra poder ser cantada, e essa letra provisória já terminava com a palavra congelar. Era janeiro e eu tinha lido que esse seria um dos invernos mais rigorosos da europa em não sei quantos anos. Além disso tinha acabado de assistir um filme chamado As Harmonias de Werckmeister do Béla Tarr, cuja cena inicial falava sobre um eclipse solar e em como isso causava uma sensação de imobilidade e desânimo em tudo o que era vivo, mas que o eclipse passa e que a vida volta. Enfim, juntei tudo com a ideia de congelar e fui em frente. Na parte do meio a gente resolveu experimentar um clima mais de improviso pra chegar ao solo juntando guitarra e sintetizador. Pra completar o Piero Damiani sugeriu essa maravilha de arranjo vocal, com três vozes se somando e no final quase trincando na palavra “congelar”.
5) Quem Cuida da Casa (comentada por Vanessa)
O riff criado por pelo Hurso Ambrifi deu origem à canção mais envolvente do disco. A música tem uma essência tão sinestésica que foram necessárias apenas 3 frases pra contar tudo o que ela precisa va dizer. Cada melodia surgiu ali, nas brincadeiras sobre a base de acordes. E antes que pudéssemos evitar, já estávamos todos batendo palmas juntos.
6) De Cima do Muro (comentada por Vanessa)
De Cima do Muro foi uma daquelas músicas que rapidamente fluiram. Em pouco tempo, tínhamos a harmonia composta e o instrumental bastante definido. Mas faltava a letra… Essa composição teve o método mais alternativo que já fizemos. O Habacuque deu a ideia de brincarmos como naquelas brincadeiras de colégio, em que várias pessoas escrevem uma história juntos: uma frase no caderno e se passa adiante. Quem recebe não pode ver a história toda, apenas a última frase. E por algum caminho muito misterioso as histórias fazem sentido quando uma frase dá as mãos à outra, como aqueles bonequinhos de dobradura. E assim essa letra foi composta, frase a frase. E não é que fez sentido?
7) Reparação (comentada por Vanessa)
Essa é uma música que nasceu do instrumento. Em um sábado de sol, o Mauro chegou mais cedo ao estúdio e começou a brincar com um Fender Starmaster do Arthur Joly (1 dos 9 existentes no mundo, diga-se de passagem). Quando a gente chegou, boa parte da música já estava composta. Por esse motivo, essa é uma das exceções do disco: é uma composição do Mauro, apenas. A letra discorre sobre o exercício desnecessário da argumentação em discussões que de edificantes não têm nada. Há de se saber escolher em que brigas entrar, não é mesmo?
8) Perspectiva (comentada por Vanessa)
Eu costumo brincar que essa é uma ópera rock. É uma música com 3 partes bastante definidas, e ainda tem aquele fim maluco com o arranjo vocal maravilhoso composto pelo Piero Damiani. A sementinha dessa música ja existia há alguns anos, quando a apelidávamos de “SPAY” ao balbuciar esses fonemas numa estrofe sem letra. O apelido se manteve com uma pequena alteração ali no trecho “Pra admirar melhor me afaSTEI”. Uma das minhas preferidas do disco, foi executada e produzida com primor, fazendo com que a roupagem acomodasse o clima da música sem arestas. Gosto muito.
9) Sétima Arte (comentada por Vanessa)
Embora o arranjo torne a esquisitice dessa métrica bastante sutil, a música tem o compasso 7/4. Daí logo se imagina qual foi a inspiração para o título, não? A música incentiva a inventividade de cada um ao dirigir o filme da sua própria vida. Sétima Arte ganhou praticamente duas versões. Havíamos criado uma melodia bastante baseada nos riffs de guitarra, e eu nunca achei que aquela melodia fosse a que a música pedia. Conversei bastante com o Piero Damiani sobre o que eu imaginava e pedi a ajuda dele pra concretizarmos a ideia. E ele compôs uma nova melodia e me mostrou. Bingo! Exatamente o que eu queria, melodioso e fluido como foi pro disco.
10) O Fim da Paisagem (comentada por Habacuque)
Era um tema musical antigo, sem letra, gravado nos meus arquivos. Resolvi, já no meio do processo de composição do Miragem, tentar colocar uma letra nele e me veio essa ideia de como seria o fim de tudo, se por acaso acabasse o mundo de uma vez pra todo mundo que vive aqui. É bom imaginar que pode ser bonito ver o que vem depois, e chegar à conclusão que depois do fim da paisagem provavelmente veremos outras paisagens. Ao levar pro estúdio, apresentar pra banda, a gente percebeu que essa poderia ser uma música muito baseada em sintetizadores, até pelo tema mesmo. Gosto muito do sintetizador repetir a melodia da voz, como se estivesse contando a mesma história em outra língua, futura.