A VIDA QUE PULSA
Obras como “Heart Pillow”, que reproduz os batimentos cardíacos de uma pessoa, brincam com a proximidade entre as pessoas
Por Giovana Casimiro
De São Paulo
Você já se perguntou qual a proximidade entre as obras de arte e os diversos aspectos da vida cotidiana? Mais do que representar a vida, os artistas contemporâneos se apropriam de seus elementos e criam obras surpreendentes (para alguns, um tanto intimidadoras). Da mesma forma que as tecnologias fazem parte do corpo e da vivência humana, a busca pela “humanização” desses dispositivos é, sem dúvida, presente na produção artística contemporânea, em especial para os que trabalham com linguagem digital. Reproduzir fenômenos, comportamentos e colocá-los frente à reação do público, proporciona um instante único ao espectador (aqui preferimos chamá-lo de “interator”). A obra o toca de forma natural. Surpreende, pois não se espera tal familiaridade, tal fluidez entre uma obra de arte interativa, mecanizada, e corpos humanos, orgânicos, sensíveis.
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A obra Heart Pillow, da dupla Bernardo Schorr & Maria Paula Saba, é um exemplo. Trata-se de um artefato “transumano” que reproduz os batimentos cardíacos de uma pessoa, remotamente e em tempo real. Ele permite que o próprio pulsar da vida seja transferido para um objeto cotidiano – um travesseiro -, tornado-se tanto uma extensão do corpo do usuário como mímica da própria vida, brincando com as percepções do público sobre a definição da vida.
Num primeiro momento, a obra parece extremamente simples. Porém, levanta questões interessantes sobre o significado das palavras “emoção” e “afeto” e suas aplicações para os vários modos de interação que podem surgir a partir de um objeto dessa natureza. Também possui funcionalidade: diminui as distâncias e as saudades, pois permite conectar um casal que está separado, acalmar recém-nascidos através dos batimentos cardíacos da mãe ou permite uma extensão de si mesmo em um objeto diário como meio de reflexão.
Os resultados da interatividade são diversos, pois cada indivíduo gera associações próprias com a obra, de modo a se sentir bem ou mal diante dela. Em geral, o público fica surpreso e demonstra felicidade, aconchego. As crianças ficam completamente abismadas, eufóricas quando sentem a frequência cardíaca de seus pais, irmãos, primos. Mas há quem defina a obra como “sinistra”, desconfortável. Especialmente aqueles que interagem junto a um estranho, sentindo-se extremamente envergonhados ao se aproximar da intimidade alheia.
Heart Pillow permite ao interator conhecer um aspecto extremamente íntimo do outro ser – seu coração. Ouvir o batimento de alguém pressupõe no mínimo, que você tocou na pessoa, se aproximou dela, a abraçou e dedicou alguns segundos para senti-la. Opõem-se à tendência individualista da atualidade, aproximando as pessoas por meio da tecnologia.
É interessante perceber que essas reações são desencadeadas por uma obra, cujo conceito evidencia o ser humano e sua sensibilidade, em vez de pura e simplesmente da técnica, do dispositivo. A produção em Arte e Tecnologia, na contemporaneidade, permite muito mais do que gerar relações entre homem x máquina; viabiliza a reconstrução dos próprios sentimentos humanos; torna real um conjunto de situações, até então, impossíveis – como um travesseiro “vivo”; transforma um dispositivo eletrônico em um fio condutor de novas sensações e reflexões, e torna mais do que nunca aquele velho ditado real: “A arte imita a vida e a vida imita a arte”.