Crítica: As Crônicas Marcianas, de Dennis Calero

cronicas

ESSES HUMANOS
Versão em HQ de Crônicas Marcianas evidencia a melancólica trajetória dos humanos na colonização do Planeta Vermelho

Por Paulo Floro

Considerada uma das maiores obras de ficção de todos os tempos, As Crônicas Marcianas ganhou uma adaptação em quadrinhos com a bênção do escritor Ruy Bradbury, que escreveu as histórias em 1950 (a edição brasileira traz uma introdução assinada pelo autor). O quadrinista Dennis Calero mostrou uma sensibilidade acurada para traduzir em desenhos a narrativa de Bradbury, muito marcada por um sofisticação literária pouco vista no gênero sci-fi.

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A HQ, lançada pela selo de quadrinhos da Globo Livros, ganha ainda mais relevância com a morte de Ray Bradbury neste mês de junho. Autor de mais de quarenta obras de ficção-científica, Bradbury ajudou a popularizar o gênero ficção-científica para além dos aficcionados. É de se lamentar que sua importância não fosse tão evidente no Brasil, país que nunca publicou seus livros com destaque e regularidade necessárias. Muitos tiveram contato com sua obra com dois lançamentos recentes da Globo, estas crônicas e o anterior, Fahrenheit 451, outra adaptação de um clássico do escritor, lançado ano passado.

As Crônicas Marcianas foca no cotidiano de terráqueos e marcianos em uma série de pequenas histórias passadas entre 1999 e 2026. Nesse universo futurista, o homem colonizou o Planeta Vermelho, destruiu a cultura local para construir casas, shoppings, cidades. Mas, sua presença por lá não foi harmoniosa. Os humanos precisaram superar a própria humanidade em um lugar inóspito. Nos contos, vemos uma tentativa de mimetizar desejos e momentos de uma Terra que já não existe, como os subúrbios americanos dos anos 1950. Há um subtexto político, do medo de uma hecatombe nuclear na Guerra Fria, mas lendo hoje, as crônicas transmitem mais uma melancolia de uma possível falência da ordem mundial, um futuro pessimista do fim da civilização.

Nas histórias, vemos jardineiros plantando árvores para criar oxigênio em Marte, relatos de genocídio da espécie marciana pelos humanos, comida gerada em “icebergs voadores” e outros conceitos saídos da cabeça de Bradbury. Mas, é tudo muito mostrado de forma muito delicada, fugindo do óbvio em tramas do gênero. A adaptação para as HQs faz jus ao trabalho do autor, pois traz um respeito muito grande ao estilo da narrativa. Estamos longe de assistir a um desenrolar claro de acontecimentos passados em Marte.

O que Calero faz é criar painéis sobre a presença predatória humana em um planeta estranho, através de traços bem simples, claros, ajudados por técnicas de pintura digital. É uma proposta calcada na subjetividade, que se adequa bastante ao que foi proposto por Bradbury em texto. Como disse o escritor Aldous Huxley, As Crônicas Marcianas é um livro de poesia sobre Marte.

Crônicas marcianasAS CRÔNICAS MARCIANAS
Dennis Calero (texto e arte). Adaptação da obra de Ray Bradbury
[Globo Livros, 156 págs, R$ 39 / 2011]
Tradução: Érico Assis

Nota: 8,2

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