VOCÊ ESTÁ NA FREQUÊNCIA?
Chega ao Brasil, último volume da HQ que trouxe para ficção-científica conceitos de engajamento e inteligência coletiva
Por Paulo Floro
Da Revista O Grito!
Nunca se falou tanto em mobilização e engajamento quanto nos últimos anos. A internet possibilitou que pessoas comuns em todo o mundo pudessem repercutir de forma relevante em assuntos de interesse público. Bem antes de fatos recentes, como a Primavera Árabe, organizada via redes sociais e movimentos do tipo Occupy em cidades como Recife e São Paulo, o escritor inglês Warren Ellis (Planetary, Transmetropolitan) se baseou no conceito de “inteligência coletiva” para criar a série Frequência Global, que tem seu segundo e último volume publicado esta semana pela Panini Comics. Trata-se de uma das obras mais importantes do autor e referência de ficção-científica nas revistas em quadrinhos dos EUA.
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Leia um preview do primeiro volume
Se apoiando em histórias clássicas de espionagem, do tipo bem básico, estilo 007, Ellis criou uma saga simples, sem muita enrolação e com uma trama muito reta e cheia de ação. Pra começar, cada história é fechada e não tem ligação cronológica com outras edições. Ou seja, é possível ler qualquer uma das edições de forma aleatória. O que liga as HQs é sua trama central: Miranda Zero é a chefe de uma organização conhecida como Frequência Global, formada por 1001 agentes espalhados por todo o mundo. Quando as instituições formais dos governos não conseguem dar conta de uma crise, o grupo é acionado.
A proximidade do agente no local do evento é definidor para sua convocação, além de suas especialidades em determinado assunto. Os membros podem ser pessoas normais, como atletas de Parkour, bioengenheiros, linguistas, um nerd de 16 anos, ou até um assassino altamente treinado. Ellis imaginou a organização como uma força internacional, sem sede fixa – existe apenas uma única base de operações, secreta, onde vive e atua Aleph, uma cyberpunk que monitora todos os agentes espalhados pelo mundo. As ameaças podem ser específicas de uma região ou serem uma parte bem arquitetada de terrorismo envolvendo diversos países.
Todos os agentes são ligados através de comunicação via satélite através de telefone celular. Criado em 2002, Ellis não previu como seria datada sua escolha, visto que hoje já existem métodos bem mais modernos que um trambolho esquisito usado pelos agentes. Mas, isso é irrelevante para a história. O importante é evidenciar que foi essa tecnologia que permitiu esse engajamento coletivo. Crítico às instituições, a organização pensada pelo autor não tem ligações com os EUA e sua inteligência altamente militarizada. A Frequência Global, apesar de trabalhar em parceria com governos, não está ligada a nenhum deles.
O mais comum de acontecer em histórias de espionagem e combate à ameaças à segurança das pessoas é uma ideia mal disfarçada de defesa do “mundo livre”, que se resume ao Ocidente do Hemisfério Norte (EUA e Europa). Algumas obras trazem personagens que se revoltam contra esse sistema, em outras, os governos são provedores e agem como mocinhos contra “terroristas”. A mobilidade da Frequência Global de Warren Ellis é só um dos conceitos que vão contra ao status quo vigente para histórias desse tipo.
Ellis criou a história logo após os ataques às Torres Gêmeas em Nova York durante o 11 de Setembro. Àquela época, foi grande o sentimento de grande parcela da população do Ocidente por uma maior endurecimento dos Governos e órgãos oficiais por “justiça”, mesmo que não ficasse muito claro quem eram os inimigos para se dar o revide. Esse clamor teve resposta por parte da indústria dos quadrinhos, que criou obras para enaltecer instituições como os bombeiros americanos, policiais e o militarismo americano. A Frequência Global vai de encontro a tudo isso. Os agentes comuns, cidadãos espalhados pelo mundo é uma inteligência coletiva que atua à margem dos interesses dos Governos.
É provável que o autor não tivesse previsto que esse engajamento em rede teria implicações reais no mundo real, como pudemos ver na segunda metade dessa década, mas sua HQ com certeza captou um espírito do tempo que já dava seus primeiros passos pós-2001. Obras como Wikinomics, de Dan Tapscott e Anthony Williams já teorizam sobre o tema e pensadores como o economista Massimo de Angelis e o antropólogo David Harvey, da Universidade de Nova York já debatem sobre o engajamento coletivo dos movimentos Occupy pelo mundo.
A série teve apenas 12 episódios, que foram divididos em dois volumes lançados pela Panini, em capa dura e papel especial. A edição é caprichada, mas o primeiro livro é claramente superior. A começar pelas histórias, que possuem uma narrativa mais envolvente e conceitos criativos, como o uso de memes como armas. Traz ainda uma introdução que contextualiza a obra dentro do cenário político atual e aprofunda ideias que inspiraram Ellis, como os “smart mobs”, do pensador Howard Rheingold e teorias de Pierre Levy.
O segundo livro não traz nem a biografia dos autores e começa a leitura apenas com um breve resumo do volume anterior. Sem falar que a HQ está sendo lançada com bastante atraso em relação ao primeiro volume, que chegou às livrarias em dezembro de 2009. Ou seja, uma mancada editorial da Panini.
Publicada nos EUA entre 2002 e 2003, a série fez muito sucesso dentro do selo Wildstorm, atualmente parte da DC Comics, mas não foi renovada, para tristeza de muitos leitores. Diversos artistas participaram dos 12 números, com destaque para David Lloyd, Jon J Muth e Steve Dillon. Chegou a ter um piloto para uma série de TV, que nunca foi adiante (veja abaixo a íntegra do único episódio, postado no YouTube). Por aqui, antes da Panini, a editora Pixel e a Pandora Books chegaram a publicar a obra, sem nunca concluí-la. Só agora os brasileiros, com muitíssimo atraso, têm acesso à obra em sua totalidade. Ainda mais relevante, ler a série continua sendo uma experiência bem provocadora e nos leva a refletir o potencial que todos temos para provocar mudanças. Você está na Frequência Global?
FREQUÊNCIA GLOBAL
Warren Ellis (texto), Steve Dillon, Glenn Fabry, Garry Leach, David Baron, Roy A. Martinez, David Lloyd, John J Muth, Liam Sharp
[Panini Comics, 148 págs, R$ 39,90/ 2009]
Tradução: Edu Tanaka
[Recomendado]
Nota: 9,1
FREQUÊNCIA GLOBAL VOL. 2
Warren Ellis (texto), Simon Bisley, Chris Sprouse, Karl Story, Lee Bermejo, Tomm Coker, Jason Pearson, Gene Ha (arte)
[Panini Comics, 148 págs, R$ 42 / 2012]
Tradução: Edu Tanaka
Nota: 8,0
Veja a íntegra do episódio piloto de Frequência Global para TV (em inglês)