AMORES EXPRESSOS
Por Rafael Dias
Nem a própria mídia se deu conta da proporção do feito desse jovem cineasta. Daniel Ribeiro, paulistano de 25 anos, é autor do curta-metragem Café Com Leite, seu primeiro trabalho solo atrás das câmeras (já foi editor assistente de Antônia- o filme, de Tata Amaral, e Corpo, de Rossana Foglia e Rubens Rewald, além de co-produzir vídeos). Essa pequena obra vem fazendo um arrastão nos festivais por onde passa: venceu o Urso de Cristal, na mostra Geração 14plus (direcionada ao público adolescente), ganhou menção honrosa na categoria curta-metragem de ficção do festival de Cartagena (Colômbia), além de aplausos da crítica no 40º Festival de Cinema de Brasília.
O que ninguém percebeu é que Café Com Leite, que vem arrancando elogios por sua delicadeza e sinceridade, talvez seja o primeiro curta brasileiro declaradamente gay que rompe a barreira dos festivais fora do circuito do queer cinema. O enredo versa sobre um casal homossexual e a reação de um dos rapazes ao perder os pais e receber a missão de cuidar do irmãos mais novo. O trabalho será exibido no 12º Cine PE – Festival do Audiovisual, entre os dias 28 de abril e 4 de maio. Em entrevista por e-mail, Daniel Ribeiro contou a O GRITO! que é de seu interesse filmar o universo gay com naturalidade, distante da versão estereotipada, e que seu cinema tem influências de Wong Kar-Wai e Michel Gondry.
Acho que a crítica brasileira nunca olhou pra mim antes e não consigo dizer que percebo ela olhando agora
O GRITO! – Como surgiu a idéia do roteiro de Café com Leite? Por que esse título (no original, se chamaria Irmãos)?
Daniel Ribeiro – Na época que escrevi o roteiro, estava terminando meu TCC na faculdade, que era sobre o personagem homossexual no cinema brasileiro e a forma como este foi retratado ao longo do tempo. Neste estudo, eu dividia este retrato em 3 categorias. Na primeira, havia o retrato debochado e estereotipado do homossexual. Na segunda, a temática do filme abordava a descoberta ou conflitos envolvendo a sexualidade dos personagens. E numa terceira categoria, a orientação sexual do personagem era somente uma de suas características, não estando diretamente ligada aos seus conflitos. Então, me interessava fazer um filme com personagens que se enquadrassem nesta terceira categoria.
Quanto ao título, só num tratamento mais avançado do roteiro que veio a brincadeira de um irmão chamar o outro de “café com leite”. O roteiro era bem diferente, tinha um monte de personagem, acontecia muita coisa. Com o tempo ele foi diminuindo e eu fui percebendo que Danilo era “café com leite” quando se tratava de cuidar de uma criança. Então surgiu essa brincadeira, de um irmão se referir ao outro como “café com leite”, quando, na verdade, era dele que se estava falando. E Irmãos era um título provisório (que eu nunca gostei, pra falar a verdade) pra mandar pro edital.
O curta vem amealhando críticas elogiosas pelo festivais por retratar uma relação familiar diferente (união homossexual e a relação pai-filho entre irmãos) de forma natural e delicada. Isso representa uma mudança na visão da sociedade acerca do núcleo familiar tradicional?
Acho que este núcleo familiar tradicional já é, há um bom tempo, questionado. Não é raro o retrato de diversos tipos de famílias diferentes (casais com diferença de idade, ausência materna ou paterna, etc). Agora, os casais homossexuais surgem como mais uma possibilidade de família.
Que reações você espera do público diante de sua obra?
Acho que o grande objetivo era que a sexualidade do Danilo e do Marcos ficassem em segundo plano, e que a história dos irmãos e da dificuldade de adaptação fosse o mais importante.
Que referências estéticas você usa para compor o filme?
A gente usou alguns filmes do “cinema independente norte americano” como referência pro filme. Pra arte, por exemplo, nos inspiramos em Eu, Você e Todos Nós, da Miranda July. Mas tinha mais coisa pairando pelo ar na época da concepção do filme, desde Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças do Michel Gondry até Felizes Juntos, do Wong Kar Wai. Acho difícil encontrar algo deste último no Café com Leite, mas, de qualquer maneira, era um filme que ficou no meu dvd player por um bom tempo quando estávamos em preparação.
Acho que o núcleo familiar tradicional já é, há um bom tempo, questionado. Agora, os casais homossexuais surgem como mais uma possibilidade de família.
Além do tema gay: curta debate relação afetiva pai-filho entre irmãos
Antes desse trabalho, você co-dirigiu os curtas gays Mona do Lotação e A Outra Filha de Francisco. Incomoda a você ser esquadrinhado na prateleira do cinema queer?
Não me incomoda porque a temática me interessa e, de certa forma, os filmes se encaixariam (também) nesta prateleira. De qualquer maneira, eu não faço com o objetivo de ser um filme queer. A Mona.. e A Outra Filha… foram feitos especialmente para o Show do Gongo, que é um evento do festival Mix Brasil, pra um público homossexual. O Café com Leite já foi feito pensando no público geral, tanto que em Berlim foi selecionado para uma seção voltada para adolescentes. Eu tenho novos projetos que envolvem personagens homossexuais e outros que não. O bom de prateleiras é que dá sempre pra reorganizar! =)
Após importantes premiações no exterior, a crítica brasileira passou a olhá-lo com outros olhos, ou ainda há um preconceito?
Acho que a crítica brasileira nunca olhou pra mim antes (e não consigo dizer que percebo ela olhando agora), então não sei dizer se sinto um preconceito ou a falta dele.
Pela dificuldade de exibição, produzir um curta no Brasil funciona mais como um portfólio para experimentação do cineasta. Após Café com leite, você já cogita partir para um longa-metragem?
Ainda acho um pouco cedo pra dirigir um longa, mas como no cinema tudo demora muito pra ser feito, estou desenvolvendo algumas idéias que podem virar um longa, mas ainda tudo muito embrionário.
Há chances de o curta ser exibido nas salas brasileiras (pelo projeto da Petrobras)?
Espero que sim, mas por enquanto não tem nada definido.
SAIBA MAIS: http://www.lacunafilmes.com.br/cafecomleite/