Fazer essa lista de melhores do ano nos quadrinhos segue sendo muito difícil. Passamos as últimas semanas entre novembro e dezembro adquirindo e lendo muitas HQs que saíram antes do fim de 2024 para dar conta – o máximo que conseguimos – do que saiu de interessante. Até porque este ano além da CCXP, tivemos FIQ no meio do ano, o que sempre ocasiona uma leva enorme de lançamentos de artistas nacionais. E sempre fica a sensação que a lista poderia ter 40, 50 ou até mais posições!
Pela longevidade da lista tentamos dar um panorama amplo para fazer um retrato mais próximo possível da produção editorial do Brasil. Mas ela segue sendo a nossa opinião. E é por isso que nunca esperamos que ela represente “exatamente” o melhor da produção de quadrinhos. Nosso intuito é que este Melhores do Ano seja um bom guia de leitura, uma lista de sugestões (mas uma lista elogiosa, bom dizer).
Este ano a diversidade segue em alta, com quadrinhos que exploram do horror ao autobiográfico, passando pelas biografias históricas e ensaio. Tem ainda aventura, super-heróis, romance LGBTQIA+, jornalismo e muito mais.
Em tempo: esta ano vencemos o Troféu HQ Mix com o nosso livro Fora do Padrão: 40 Anos de Quadrinhos LGBTQIA+, organizado por Justin Hall e que reúne mais de 90 histórias com a produção queer nas HQs! Obrigado a todo mundo que votou na gente. E acompanhe a nossa página especial de cobertura de quadrinhos!
Edição: Paulo Floro. Textos e organização da lista: Alexandre Figueirôa, Isabela Ferro, Antônio Lira, Paulo Floro. Arte: Felipe Dário.
Especial Melhores de 2024
– 20 Melhores Livros de 2024
– 25 Melhores Filmes de 2024
– 20 Melhores Séries de 2024
– 30 Melhores Discos de 2024
– 50 Melhores Músicas de 2024
30
Pedacinhos, de Shintaro Kago
Darkside Books | Tradução de Luis Claudio Bodanese
Pedacinhos, novo trabalho do autor que chegou ao Brasil pela Darkside, monta o cenário clássico: um serial killer começa a matar mulheres jovens em uma região de Tóquio e tem como sua “assinatura” deixar suas vítimas cortadas ao meio. Assim como os os trabalhos de outros autores que estão no território do horror, a obra de Kago chama atenção, claro, pelos visuais chocantes e pelos enredos repletos de contextos violentos e sexualmente perturbadores, que então abrem espaço para os temas psicológicos. No entanto, é a discussão sobre limites e possibilidades do mangá que destaca Pedacinhos de outras produções, com uma estrutura improvável de reproduzir ou replicar. Leia a resenha completa.
29
Não É a Israel Que Meus Pais Prometeram, de Harvey Pekar e JT Waldman
Veneta | Tradução de Cris Siqueira
Mescla de autobiografia e da complexa história do povo judeu, Pekar, que se tornou conhecido pela série American Splendor, relata, a partir de sua própria vivência como filho de judeus poloneses que emigraram para os EUA, as questões com as quais foi se deparando e o levaram a se tornar uma voz dissidente no apoio irrestrito usual ao Estado de Israel. Junto com o desenhista, também judeu, JT Waldman, de forma lúcida e perspicaz, ele traça a sua transformação de jovem criado num ambiente onde o sionismo era a palavra de ordem para um crítico contundente de como Israel lida com os países islâmicos. Leia a resenha completa. | Compre: Amazon.
28
Debaixo D’Água, de Fernanda Baukat e José Aguiar
Nemo
Com uma abordagem jornalística, a narrativa quase autobiográfica de Baukat e Aguiar nos dá o suporte técnico das questões relacionadas à gravidez – como o dado sobre o aumento absurdo das cesáreas -, mas concentra sua riqueza na sua análise subjetiva dos desrespeitos e opressões sofridos pelas mulheres. As personagens Fernanda e José ilustram a desumanização contínua que a medicina tradicional e o mercado de saúde promovem sobre mãe, principalmente, e sobre o pai. Leia a resenha completa. | Compre: Amazon.
27
As Guerras de Lucas, de Laurent Hopman e Renaud Roche
Comix Zone | Tradução de Flávia Yacubian
Mais do que um delicioso livro sobre os bastidores de criação de uma das mais populares franquias de ficção da cultura pop, As Guerras de Lucas traz também o drama humano ao mostrar a luta de George Lucas em fazer sua vanguardista criação finalmente ganhar vida. Conduzido de forma ágil e divertida, ainda que sem abrir mão da documentação histórica, a obra de Hopman e Roche traz ainda detalhes das tretas, romances secretos, politicagem dos estúdios e humor para recontar a gênese de Star Wars. | Compre: Amazon.
26
A Virgem Vermelha, de Mary M. Talbot e Bryan Talbot
Veneta | Tradução de Ludmilla Hashimoto
Louise Michel, conhecida como a “Virgem Vermelha de Montmartre” foi uma das mais importantes ativistas do feminismo e anticolonialismo e fez parte das famosas barricadas da Comuna de Paris. Sua vida inspirou revolucionários ao redor do mundo, ainda que seu nome seja relativamente desconhecido hoje em dia. Essa HQ de Mary Talbot (pesquisadora pela Universidade de Lancaster) e Bryan Talbot (famoso por suas parcerias com Alan Moore e Neil Gaiman em Sandman e outros trabalhos) une a precisão histórica acadêmica com a dramaticidade que remonta à tradição inglesa dos quadrinhos históricos. Tudo isso pontuado por uma boa construção de personagens e uma narrativa ágil e impactante. | Compre: Amazon.
25
Braba – Antologia Brasileira de Quadrinhos, de Rafael Grampá, Janaína de Luna, Eric Reynolds (org). Amanda Miranda, Bruno Seelig, Diego Sanchez, Gabriel Góes, Jefferson Costa, Jéssica Groke, João Pinheiro e Silene Barbosa, Paulo Crumbim e Cristina Eiko, Pedro Cobiaco, Pedro Franz, Rafael Coutinho, Shiko e Wagner Willian (arte)
Mino
A coletânea organizada pelo quadrinista Rafael Grampá e editora Mino, com a colaboração editorial de Janaina de Luna e Eric Reynolds, é a primeira antologia de quadrinhos feita no Brasil e coproduzida e publicada simultaneamente com uma editora estadunidense, no caso a Fantagraphics. Chama atenção nas HQs reunidas o requinte visual trazido por cada autor, exigindo dos leitores um olhar não apenas sensível e aberto, mas que seja capaz de observar a construção das narrativas em profundidade. Vale ressaltar aqui que o rebuscamento formal das histórias, não significa a colocação, em segundo plano, das questões humanas, sejam elas de alcance social ou voltadas para o campo do comportamento. Os dilemas ambientais, o cotidiano das ruas, as relações interpessoais ou as fabulas modernas expressas nas doze HQs mostram artistas sintonizados tanto com o que acontece nas periferias das grandes cidades e suas expressões visuais, como o grafite e o picho, quanto com as influências de outros gêneros dos quadrinhos, a exemplo do mangá. A liberdade e força de imaginação retratada nos manifestos de cada artista, os quais, embora sejam pessoais, ressoam e nos remetem ao que somos nesse país belo, potente e contraditório. Leia a resenha completa. | Compre: Amazon.
24
Celeste e Proust – Edição Integral, de Chloé Cruchaudet
Nemo | Tradução de Renata Silveira
Nos últimos anos a ficção passou a mostrar mais interesse nas pessoas que sempre viveram às sombras dos grandes nomes da história. Em geral, esposas e ajudantes que foram invisibilizadas, mas que tiveram um papel essencial para permitir que mentes brilhantes tivessem a tranquilidade para realizar seus feitos. A história de Céleste Albaret é um desses casos. A governanta de Marcel Proust foi uma figura essencial, porém silenciosa, para a escrita de Em Busca do Tempo Perdido. Chloé Cruchaudet joga luz sobre Celeste destacando seus pontos de vista do meio literário, suas aflições e imensa dedicação ao autor. Autora do ótimo Degenerado, Cruchaudet constroi com suas cores aquareladas um trabalho cheio de nuances, com um talento único para construção de personagens complexos. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #11 em 2020 com Degenerado.
23
Devolve Minha Cabeça, de Alexandre S. Lourenço
Ugra Press
Conhecido por suas narrativas experimentais no uso da linguagem e da forma nos quadrinhos, Alexandre S. Lourenço retorna com essa curta HQ parte da coleção Ugritos para contar a história de um homem que “perde sua cabeça”. Depois do sucesso de Damasco (com Lielson Zeni) em que demonstrou um ótimo domínio da narrativa longa e mais estruturada, Lourenço retorna para o seu parque de diversões criativo, com uma história contada sem requadros, calcados na repetição, no nonsense e na quebra de expectativa (como vimos em Boxe e em Robô Esmaga, pra citar alguns). Tudo isso pontuado por um humor ácido em que critica o peso exagerado das demandas que a vida contemporânea nos traz. | Compre: Ugra Press.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #8 em 2016 com Você é Um Babaca, Bernardo, #6 em 2017 com Boxe, #8 em 2023 com Damasco (ao lado de Lielson Zeni).
22
Damnata: Condenados Pelo Diabo, de Fabio Vermelho
Independente
Fábio Vermelho, autor de Eu Fui Um Garoto Gorila e Bebês Maníacos da Lagoinha, tem uma assinatura bem marcante no quadrinho autoral, com sua arte cheia de rachuras, temas lúgubres e um humor cortante, sempre exagerado. Damnata – Condenados pelo Diabo é sua primeira narrativa longa e é descrita como uma novela erótica em seis atos. Esse primeiro número se passa em uma noite chuvosa de 1961 em um convento que tem sua rotina perturbada por uma inesperável visita. Por esse primeiro volume já conseguimos perceber que se trata de um trabalho viciante, que engaja o leitor logo nos primeiros momentos. Um trabalho de fôlego de um dos nomes mais originais do quadrinho BR hoje. | Compre: Ugra Press.
21
Molho, de Lalo
Independente
Molho, de Lalo, é uma HQ sobre as encruzilhadas do romance e do sexo, com suas mil peripécias, enrolações, jogos de poder, tesão. Trata-se, mais ou menos, de uma continuação de Bode, gibi anterior da autora, que falava sobre comida. Lalo tem uma narrativa que se inspira no mangá para criar histórias cheias de dinamismo, forte impacto visual e personagens expressivos. Molho, no entanto, traz ainda um senso de urgência, uma tensão permanente, que leva a leitura ao clímax (e ao gozo) em pouco tempo. | Compre: Loja da autora.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #24 em 2022 com Harvi 1 (antologia) e #4 em 2021 com 11:11 (coletânea).
20
Arreda, de Ana Cardoso, Daiely Gonçalves, La Cruz, Jessica Goes, Hector Lourenço, Celle, Gamba Martins, Jade, Guss, Maria Juripira, Massai, Mayara Smith, João
Selo Copo Sujo
As antologias em quadrinhos feitas por autores e autoras de forma independente é uma das mais ricas tradições da HQ nacional nos últimos anos. Elas partem de uma inquietação coletiva e veem em eventos como o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) uma oportunidade única de distribuir esse material de maneira orgânica e repleta de trocas e conversas, ao vivo. Arreda é mais um desses exemplos. 13 quadrinistas negros mineiros, reunidos no selo Copo Sujo, se uniram para trazer um olhar pessoal sobre Belo Horizonte, sempre partindo de algo particular para trazer temas mais amplos que mesmo uma pessoa de fora consegue se conectar. Por conta do espaço, cito apenas uma HQ, a ótima”Pocs 2000″, que narra como é ser gay na BH dos anos 2000, de Lacruz. Mas todas as histórias, cada uma à sua maneira, são interessantes. Como toda boa antologia, esta é também cheia de surpresas, experimentações narrativas e formais e uma diversidade no desenho que entretém na leitura do início ao fim. | Compre: Vendas pelo Instagram do selo.
19
Samba – Música Popular em Quadrinhos, por Odyr Bernardi, Leandro Assis, Evandro Alves, Christiano Mascaro, André Diniz, Ilustralu, Rafael Calça, Tainan Rocha, Raphaela Corsi
Brasa
A Brasa nasceu para destacar a produção brasileira e foi escolhida como editora do ano no HQ Mix de 2024. Um dos destaques do seu catálogo é o projeto MPQ – Música Popular em Quadrinhos que se dedica a trazer o olhar de quadrinistas para clássicos da música brasileira. Depois de Grandes Sucessos (2023), esta nova antologia é focada no samba e traz histórias inspiradas em canções de nomes como Dona Ivone Lara, Chico Buarque, Jorge Aragão, Leci Brandão e Paulinho da Viola, entre outros. As narrativas tentam fugir da armadilha de transformar em quadrinhos o que é dito nas letras e vão além do óbvio para apresentar um olhar afetivo e original, muitas vezes se aprofundando em algum detalhe ou sentimento despertado pela obra original. Uma bela interesecção de duas artes legitimamente brasileiras em um diálogo potente. | Compre: Amazon.
18
É Solitário no Centro da Terra, de Zoe Thorogood
Conrad | Tradução de Andressa Lelli
Indicada ao prêmio Eisner, a HQ do talento revelação britânico Zoe Thorogood trafega com muita delicadeza pelo tema espinhoso da depressão. Partindo de suas próprias experiências, Zoe trata tudo com uma honestidade brutal, o que certamente criará pontos de contato com pessoas que já passaram pelo mesmo problema, ao mesmo tempo em que promove um exercício de empatia com leitores de maneira geral. As ilustrações fazem uso de diferentes técnicas e estilos para traduzir diferentes sentimentos e contar histórias a partir de suas memórias. Tudo isso com um domínio muito preciso da linguagem dos quadrinhos. Ninguém sai o mesmo depois dessa leitura. | Compre: Amazon.
17
Não Sou Orlando, de Helena Cunha
Independente
Helena Cunha é uma das mais interessantes revelações do quadrinho brasileiro. Lançando trabalhos independentes há alguns anos, a autora apresenta em Não Sou Orlando o seu material mais maduro. A HQ é uma mistura de homenagem à Orlando, de Virgínia Woolf, e um estudo criativo sobre o papel das obras de arte na autodescoberta das pessoas LGBTQIA+. O traço minimalista e o talento da autora para criar bons diálogos seguem presentes aqui, com o adicional de trazer trechos de obras do livro de Woolf intercalados com suas próprias memórias de descoberta da sexualidade. Um trabalho primoroso, afetivo e que ainda aborda com delicadeza o poder da amizade. | Compre: Loja virtual da autora.
16
O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca e Rodrigo Terrasa
Devir | Tradução: Jana Bianchi
Um dos maiores nomes do quadrinho espanhol, Paco Roca é também um dos mais prolíficos. O Abismo do Esquecimento é mais uma obra sua a chegar ao Brasil. Nesta nova HQ, o autor novamente investiga as feridas históricas de seu país para contar a história de três pessoas afetadas pela Guerra Civil Espanhola: Leoncio Badíua, um jovem republicado que foi forçado a trabalhar como coveiro, José Celda, enterrado em uma vala comum como indigente e Pepica Celda, filho de José, que hoje aos 80 anos, espera recuperar os restos mortais de seu pai. Roca dessa vez faz o seu trabalho de investigação ao lado do jornalista Rodrigo Terrasa, sempre equilibrando precisão histórica com uma boa construção dos dramas humanos. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #15 com A Casa, em 2021.
15
Quarteto Fantástico: Moléculas Instáveis, de James Sturm (roteiro), Guy Davis (arte) e Michel Vrána (cores)
Panini | Tradução: Gabriel Faria
Quando temos a impressão de que a história de origem dos super-heróis da Marvel já foram contadas de todas as maneiras possíveis, nos surpreendemos com esse Moléculas Instáveis. Aqui, o foco é menos na gênese heróica e mais no papel que o trauma causa na vida das pessoas. James Sturn tem um enorme talento para desenvolver personagens e consegue criar uma bela dinâmica entre os quatro heróis ao mesmo tempo em que traz complexidade a cada um, individualmente. A arte de Guy Davis tem um tom nostálgico (reforçado pelas cores de Michel Vrána), mas traz um realismo que casa bem com a atmosfera da trama. | Compre: Amazon.
14
Bitch Planet – Planeta das Vagabundas – Livro Um, de Kelly Sue Deconnick e Valentine De Landro
Conrad | Tradução de Dandara Palankof
Uma das histórias de ficção científica mais instigantes dos quadrinhos nos últimos anos já conta com três volumes lançados no Brasil. Este primeiro número segue sendo impactante, disruptivo e um soco no estômago no que diz respeito ao espelho da nossa sociedade que sempre buscamos nas boas narrativas distópicas. Neste futuro imaginado por Kelly Sue DeConnick e Valentine De Landro, nos deparamos com um planeta penal onde mulheres que não se curvaram aos senhores patriarcais são levadas. O trio de autoras (composto ainda pela brasileira Cris Peter nas cores) constrói uma narrativa viciante desde as primeiras páginas e que encontra – infelizmente – ecos em várias situações vividas pelas mulheres na vida real. | Compre: Amazon.
13
Leviathan Vol. 1, de Ishiro Kuroi
JBC | Tradução de Natália Rosa
Lançada originalmente na França e só depois no Japão, esse mangá de Shiro Kuroi une suspense e ficção científica com desenhos incrivelmente impactantes e detalhados que cria uma imersão na leitura. Calcado no gênero “Battle Royale”, a história gira em torno da luta por sobrevivência, mas avança também em muitas outras estratégias narrativas, como o terror, sem perder o ritmo. A história foca na vida de escavadores que ficam presos em uma nave à deriva no espaço de nome Leviathan. O problema é que, enquanto esperam por resgate, o oxigênio no ambiente só atende a uma pessoa. A trama ainda abre espaço para lidar com temas como política, meio ambiente e bullying. | Compre: Amazon.
12
Inesquecíveis, de Fabien Toulmé
Nemo
Na apresentação de Inesquecíveis, Toulmé reafirma seu fascínio pelas histórias verdadeiras e se declara um apaixonado pelas pessoas e por suas vidas. A HQ descreve a saga pessoal de seis personagens, cujas narrativas são inspiradas nos relatos dos acontecimentos mais significativos e inesquecíveis por elas vivido. Construídas a partir de entrevistas, cada capítulo são testemunhos que extrapolam o lado pessoal e acabam compondo um retrato da nossa sociedade, segundo palavras do próprio Toulmé. Além de histórias tocantes, outro fator importante no conjunto da obra é a forma como essas narrativas são desenhadas. O traço de Toulmé é simples, econômico, delicado e, talvez, por isso, tenha um efeito tão cativante sobre o leitor. Leia a resenha completa. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #30 em 2022 com Suzette ou O Grande Amor
11
Em Perfeito Estado, de Juscelino Neco
Veneta
Juscelino Neco, o autor de Matando Unicórnios (2016) e Reanimator (2020), se reinventa mais uma vez nesse livro que mistura erotismo e ocultismo em uma trama que explora o universo repleto de prazer e mistério dos colecionadores inveterados. Com uma estética realista que faz uma espécie de homenagem a Carlos Zéfiro, mestre do erotismo de banca, Neco apresenta uma obra experimental, explícita, cuja história é contada a partir de objetos, desenhos, e mais adiante, formas, que vão criando uma tensão à leitura até o final. Uma leitura que causa estranheza e que só reforça o potencial do autor em explorar as possibilidades da linguagem dos quadrinhos. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #24 com Reanimator em 2020 e Menção Honrosa em 2016 com Matando Unicórnios.
10
O Céu na Cabeça, de Altarriba, García Sanchez e Moral
Comix Zone | Tradução de Flávia Yacubián
Mais uma obra do espanhol Altarriba a chegar ao Brasil, dessa vez ao lado de García Sánchez e Lola Moral, O Céu na Cabeça mostra a história de Nivek, uma criança de 12 anos que trabalha nas minas de Coltan, no Congo. Os autores trazem uma narrativa cortante sobre a fuga do garoto para a Europa. Na tentativa de deixar a condição de uma criança-soldado, o jovem atravessa o deserto, florestas, em uma odisseia que tem como destino final a Europa e sua promessa de uma vida com mais conforto. A HQ traz uma narrativa violenta, com certa aspereza, mas conserva um olhar delicado e empático sobre as condições dessas crianças vítimas da guerra e da exploração. Os desenhos de Sánchez e Moral, fogem do realismo para criar figuras quase cubistas e trazem belíssimas composições de página com uso de geometria e elementos do cenário como requadros. | Compre: Amazon.
09
A Estrada, de Manu Larcenett
Pipoca e Nanquim | Tradução de Fernando Paz
A história criada pelo romancista estadunidense Cormac McCarthy já é velha conhecida dos fãs de ficção científica. Além de ter vencido o Pulitzer, foi também adaptada para os cinemas em 2009. A trama ganhou nova atenção, desta vez nos quadrinhos, nesta adaptação de Manu Larcenett, um dos mais celbrados quadrinistas franceses atualmente. A força do texto de McCarthy ganha novas dimensões e texturas nessa narrativa em HQ, que se apóia bastante nas diferentes visões de mundo de um garoto e seu pai em meios aos escombros da civilização humana numa Terra pós-apocalíptica. Há um sentimento de angústia e desolação típica das tramas distópicas, mas é a jornada e a construção desses dois personagens que fazem dessa leitura algo tão envolvente. | Compre: Amazon.
08
Quando Nasce a Autoestima?, de Regiane Braz e Jefferson Costa
Trem Fantasma
Regiane Braz já tinha se provado uma roteirista com incrível talento para os diálogos e também para dar forma e textura aos personagens em Em Ti Me Vejo (2023). Desta vez, trabalhando ao lado de Jefferson Costa, ela vai ainda mais fundo aos nos apresentar Bia, uma professora que precisa lidar cotidianamente com inseguranças construídas ao longo da vida. É quando ela passa a compreender as questões estruturais do racismo e saber mais sobre letramento racial que as coisas mudam e ela passa a enfrentar a vida de outra maneira. A arte de Costa segue surpreendendo com soluções gráficas que fogem às convenções, além de trazer dinamismo com seu traço fino bastante expressivo. Destaque para a presença ao mesmo tempo discreta e perturbadora do quadro branco que aparecem em todas as páginas, um incômodo da branquitude sentido pela própria Bia e que agora pode ser experimentado, simbolicamente, pelos leitores. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: Regi Braz: #9 com Em Ti Me Vejo, ao lado de Marília Marz em 2023; Jefferson Costa: #6 com Graphic MSP: Jeremias- Alma, ao lado de Rafael Calça e #15 em 2018 com Graphic MSP – Jeremias: Pele, também com Calça.
07
Estados Unidos da África, de Anderson Shon e Daniel Cesart
Bebel Books
Na trama de Estados Unidos da África, o Rei Bantu, de Camarões, adquire misterioros poderes sobre-humanos e com o tempo unifica todo o continente africano. A trama se apóia no saturado gênero super-heróico para criar uma trama provocativa que subverte as expectativas do leitor ao mesmo tempo em que toca nas feridas ainda abertas do neocolonialismo e do racismo estrutural. A partir dessa gênese do super-herói africano, o quadrinho vai confabulando esse mundo em que os países africanos se tornaram estados em um só país, com toda sua complexidade e problemas. A questão da fome, por exemplo, não se resolve com super-poderes por mais incríveis que sejam. O talento narrativo de Cesart alinhado ao texto do poeta e escritor Anderson Shon deu estofo a essa narrativa que é cheia de sutilezas na sua condução, mas que trafega sempre com o potencial da África no horizonte. | Compre: Amazon.
06
Filosofia do Mamilo, de Kael Vitorelo
Veneta
Em Filosofia do Mamilo, Kael Vitorelo aborda toda a dificuldade para realizar a mastectomia masculinizadora (conhecida popularmente como remoção cirúrgica dos seios). Este trabalho autobiográfico parte dessa saga burocrática e judicial contra planos de saúde e seu sistema adoecedor para adentrar em questões mais profundas sobre identidade trans não-binária, isolamento e solidão de pessoas queers, sexualidade e o corpo como um espaço de disputa cada vez mais frequente na nossa sociedade. Depois de obras ótimas como Kit Gay e TILT, este é o gibi mais pessoal de Vitorelo, que mais uma vez recorre ao seu talento de criar HQs que navegam entre a autoficção e o ensaio, sempre mantendo o leitor instigado na leitura. Apesar do tema sério e de caminhar por um tom pessimista em alguns momentos, o gibi conserva certo lirismo e traz passagens divertidas. Mais uma obra complexa de um dos nomes mais originais de sua geração. | Compre: Amazon.
Anteriormente em Melhores do Ano: #25 em Boy Dodói (antologia), #24 em 2022 com Harvi 1 (antologia), #25 em 2021 com Kit Gay.
05
Fiordilatte, de Miguel Vila
Veneta | Tradução de Michele Vartuli
Fiordilatte marca a estreia no Brasil do italiano Miguel Vila, um dos nomes mais celebrados do quadrinho europeu atualmente. A HQ apresenta um triângulo amoroso entre os namorados Marco e Stella e uma jovem mãe, Ludovica, dona de seios fartos, que ainda amamentam um pequeno bebê de meses de idade. É uma obra sobre vouyerismo, mas também sobre a complexidade da sexualidade humana. O destaque da HQ, sobretudo, reside no talento de Vila em contar histórias. Fazendo uso de uma arte bastante expressiva (e extrema em alguns momentos), o autor usa as cores chapadas para dar um contraste em situações perturbadoras apresentadas em um tom onírico. Trata-se de um trabalho, até em certo ponto, experimental, uma vez que foge de convenções para dar conta de uma trama ousada que não segue caminhos fáceis em nenhum momento. | Compre: Amazon.
04
Ilhas Meia-Lua, de Rogi Silva
Independente
O quadrinista pernambucano Rogi Silva vem desenvolvendo um trabalho onírico e altamente inventivo desde que abandonou as narrativas sequenciais mais convencionais (ele é autor dos ótimos Não Tenho Uma Arma e Mergulhão, entre outros). Ilhas Meia-Lua é seu novo projeto que chega como o principal conteúdo do seu financiamento coletivo recorrente no Catarse (é possível acompanhar um pouco também pelo seu Instagram). Assim como Pumii do Vulcão, Rogi mais uma vez cria um cenário fantástico e inusitado com personagens que parecem saídos de uma narrativa fantástica atemporal, mas que guardam referências locais do imaginário pernambucano e nordestino (a máscara de La Ursa, o elefante e as carrancas, só pra citar alguns). É uma leitura que impressiona pelo poder que tem de surpreender o leitor como aquelas lunetas fractais vendidos em feiras livres. Cada vez que olhamos há uma explosão de cores e formas que parecem totalmente novos. | Leitura via Catarse e Instagram.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #13 em 2022 com Ragu 8 (antologia), #14 em 2021 com Pumii do Vulcão e #14 em 2017 com Não Tenho Uma Arma.
03
Minha Coisa Favorita é Monstro – Livro 2, de Emil Ferris
Quadrinhos na Cia. | Tradução de Érico Assis
A esperada sequência do impactante trabalho da quadrinista Emil Ferris é de uma força inacreditável. Ao narrar a saga da jovem Karen na cidade de Chicago em 1968, a autora nos mostra, com suas próprias palavras, a dimensão de sua obra: “Acho que arte e histórias são as maiores invenções dos seres humanos. A melhor maneira de ser um monstro forte que derrota o mal é fazer arte e contar histórias”. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #3 em 2019 com Minha Coisa Favorita é Monstro.
02
Chumbo, de Matthias Lehmann
Nemo | Tradução de Fernando Scheibe
A história de dois protagonistas irmãos, Severino e Ramires, bem diferentes entre si, nos dão chaves para entender a história política no Brasil na segunda metade do século passado. O primeiro, sensível e ligado às artes, acabará se dedicando ao jornalismo e a literatura e, mais tarde, será preso e torturado pelo seu engajamento com a luta armada. Já o último, mais extrovertido e canastrão, abraçará a causa dos militares e fará uma defesa do autoritarismo e da violência, sobretudo no período de maior repressão, entre 1968 e 1974, os tais “anos de chumbo”. É nesse panorama generoso que reside a maior força de Chumbo, uma obra de fôlego, que usa a história política brasileira como parte essencial da narrativa. Os personagens, fatos e cenários políticos reais aparecem, simultaneamente, como pano de fundo para a saga familiar e também como primeiro plano da HQ, uma escolha narrativa que faz um uso inteligente da própria linguagem do quadrinho para dar coesão a essas duas facetas. Leia a resenha completa. | Compre: Amazon.
01
Pigmento, de Aline Zouvi
Quadrinhos na Cia.
A partir da história de uma tatuadora cuja pele não consegue ser tatuada, Aline Zouvi nos traz uma trama sobre autodescoberta, inseguranças, desejo, corpo e também amor. Com um talento único para trabalhar no claro e escuro e com um traço firme e expressivo, a autora mostrou um grande domínio da linguagem e da narrativa sequencial nesta que é sua primeira HQ de fôlego. A obra é cheia de camadas e traz diferentes referências literárias e históricas que convidam a mais de uma leitura, sempre trazendo à tona novas descobertas. Com uma perspectiva queer, a história é bastante convidativa e acolhedora para um público que por muito tempo nunca se reconheceu nas histórias. Tudo isso costurado pelo fascinante universo da tatuagem, com todos os seus significados nas mais diferentes culturas. | Compre: Amazon.
Anteriormente nos Melhores do Ano: #24 em 2022 com Harvi 1 (antologia), #25 em 2019 com Pão Francês.
Especial Melhores de 2024
– 20 Melhores Livros de 2024
– 25 Melhores Filmes de 2024
– 20 Melhores Séries de 2024
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