o clube das mulheres de negocios 2 creditos aline arruda
Foto: Divulgação.

“Clube das Mulheres de Negócios”: boas ideias esbarram em narrativa acidentada

Estereótipos de gênero são invertidos em novo filme de Anna Muylaert

“Clube das Mulheres de Negócios”: boas ideias esbarram em narrativa acidentada
2.5

Clube das Mulheres de Negócios
Anna Muylaert
BRA, 2024. 1h35, Drama, Comédia
Com Irene Ravache, Rafael Vitti, Luis Miranda


Patriarcado às avessas. Se preferir, relações abusivas de poder em uma sociedade “matriarcal”. Este é o mote do satírico Clube das Mulheres de Negócios (2024), filme dirigido por Anna Muylaert que chega ao circuito brasileiro nesta quinta-feira (28). Diante da premissa instigante, esta é daquelas obras que, mesmo antes de assisti-la, eu torcia para gostar. Escrever uma crítica positiva. Infelizmente não é o caso e confesso certo desconforto em avaliar a produção: sou homem, cisgênero, e talvez minha análise carregue consigo partículas dos privilégios deste meu lugar de fala. Caberá à leitora e ao leitor aquiescer ou não com os argumentos porvindouros. 

A inversão na lógica dos gêneros fica evidente logo nos primeiros minutos do filme, no figurino de personagens secundários. Na luxuosa sede do clube de campo que dá nome ao título, os garçons que servem às poderosas conselheiras estão vestidos com shorts curtos, pernas à mostra, numa ótima crítica à sexualização das mulheres deste e de tantos outros ramos profissionais. É dia de folga e as sócias se reúnem para um almoço especial, convocado pela presidente Cesárea (Cristina Pereira); além dos negócios de sempre, elas recebem a visita do jornalista-influencer Candinho (Rafael Vitti) e do fotógrafo Jongo (Luís Miranda). As tensões começam a escalar quando três onças (que são criadas no local) fogem da afastada jaula e são vistas perto do casarão. 

O filme conta com um elenco admirável: além dos já citados, integram o time de atrizes principais nomes como Irene Ravache, Louise Cardoso, Helena Albergaria, Grace Gianoukas, Katiuscia Canoro e Clodd Dias. A direção de Muylaert é assertiva em estabelecer o perfil de cada uma daquelas mulheres, mesmo que de forma caricatural (neste caso, isto não é um problema). O primeiro ato do filme é o melhor momento da narrativa: abraçando o absurdo de circunstâncias que, na vida real, sabemos ser naturalizadas entre figuras masculinas, o roteiro destila acidez na medida certa, com boas tiradas cômicas. 

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Apesar da boa premissa, o longa soa didático e ingênuo. (Divulgação).

Se se mantivesse fiel ao escracho da sátira, talvez Clube das Mulheres de Negócios encontrasse o tom ideal para sua proposta. O problema é que o despolimento do roteiro resulta em didatismo ingênuo: cenas mais sérias, nas quais a intenção de “enviar uma mensagem” é tão clara quanto exagerada (como na fala da personagem de Irene Ravache sobre a corrupção entranhada na sociedade brasileira). Se acerta na explicitude da cena do abuso cometido por Yolanda (Grace Gianoukas) contra Candinho, o filme adentra um terreno muito perigoso ao criar um momento no qual dois homens conversam sobre o assédio ocorrido. 

Com uma montagem truncada, que saltarilha entre o humor e a seriedade sem fluidez, a cena acaba por perder força dramática e nos dá, mais uma vez, a impressão de deboche (aqui, em relação ao fato das mulheres se sentirem culpadas, e não conseguirem reagir, quando vítimas de violência sexual). Diretora experiente, Anna Muylaert subaproveita as possibilidades deste mundo imaginário, onde os estereótipos de gênero estão invertidos, e prefere se alongar em sequências desinteressantes sobre as benditas onças à solta. Tudo isso para fazer um paralelismo parco com o capitalismo selvagem à brasileira, já que a onça pintada ilustra a cédula de 50 reais. 

Transitar entre gêneros (da sátira ao filme de crime, até mesmo ao horror) não seria um problema, se a narrativa fosse regida coesamente. O que acontece, de fato, é o esmorecimento de uma história que chega ao terceiro ato em destroços. Não há tensão qualquer e a cena no arvoredo à noite, onde três personagens armadas vão em busca dos ferozes animais, é lamentavelmente esdrúxula.

Os efeitos visuais das onças não incomodariam tanto se a obra vestisse a camisa do trash; como há a face sóbria de filme-com-mensagem, a tosquice dos animais digitalmente criados fica mais latente. Com a proposta mais do que relevante de vociferar contra as mazelas do machismo, Clube das Mulheres de Negócios é um filme cuja ótima ideia, ao meu ver, merecia melhor execução. Em um ano maravilhoso para a produção cinematográfica nacional, receio que a obra recairá, penosamente, na vala comum de filmes esquecíveis. Talvez eu esteja equivocado; o futuro dirá.

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