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“As Mulheres da Sacada”: fábula de horror feminista põe o dedo na ferida da misoginia 

Humor e gore se misturam em ótima produção francesa

“As Mulheres da Sacada”: fábula de horror feminista põe o dedo na ferida da misoginia 
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🎬 Acompanhe a nossa cobertura especial do Festival do Rio.

As Mulheres da Sacada
Noémie Merlant
FRA, 2024. 1h44. Drama.
Com Sanda Codreanu, Souheila Yacoub, Noémie Merlant

Das atrizes francesas mais interessantes da sua geração, Noémie Merlant faz sua segunda incursão na direção de longas-metragens em As Mulheres da Sacada (2024). Com uma narrativa que emprega elementos sobrenaturais e, simultaneamente, ótimas tiradas cômicas, o filme se apresenta como uma singular denúncia das mazelas patriarcais ainda tão impregnadas na nossa sociedade. 

Com uma bonita panorâmica que faz a câmera passear, sem cortes, pelas varandas da redondeza (e facilmente nos remete a Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock), a cineasta demonstra apuro estético ao apresentar suas personagens principais: as amigas Ruby (Souheila Yacoub), Nicole (Sanda Codreanu) e Elise (a própria Noémie Merlant). Em certa noite, o trio flerta com o vizinho da frente e, após convite do jovem sedutor, vão tomar um drinque no grande apartamento do rapaz. No dia seguinte, percebemos que algo muito brutal aconteceu e se inicia um enredo com as convenções de filme de suspense.

A adesão ao gore, logo nos primeiros minutos do longa, deixa claro a intenção da diretora em abraçar a violência excessiva como elemento discursivo (e simbólico) para retratar as violências cotidianas sofridas pelas mulheres. Noémie Merlant se aproxima, em algumas cenas, ao cinema mais extremo das também francesas Coralie Fargeat (A Substância) e Julia Ducournau (Titane); ela se distancia das conterrâneas ao empregar o humor nonsense que dá mais leveza à história, funcionando como respiro entre cenas e textos mais densos.

Há momentos extremamente desconfortáveis, principalmente os que envolvem a personagem Elise, interpretada pela cineasta. Por exemplo, na sequência do invasivo exame ginecológico, Noémie Merlant se põe vulnerável em frente da câmera, com nudez frontal. Em outra cena, sua personagem não quer transar com o marido, mas ele insiste tanto, faz tanta chantagem que ela acaba cedendo, a contragosto, num dos pontos mais incômodos de todo o filme.

A diretora, também roteirista do filme, insere falas incisivas e simbólicas na trama. “Eu só queria escrever uma comédia romântica. Eu só queria escrever uma história de amor”, expressa a personagem Ruby, escritora, quase como se a diretora falasse diretamente ao espectador. O machismo entranhado nas relações sociais é tão atroz, tão bestial, que o filme de Noémie Merlant nos grita: não dá para negligenciar tais atitudes criminosas. 

Com um final emocionante, expresso através da força da coletividade e da sororidade femininas, As Mulheres da Sacada revela-se uma obra contundente, na qual humor, horror e drama social se equilibram em perfeita sintonia. Grata surpresa na programação do Festival do Rio deste ano, o filme teve sua premiére mundial no Festival de Cannes. Torço, desde já, para que seja lançado no circuito brasileiro. 

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