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Foto: João Arraes/ Divulgação.

Um papo com Uana sobre “Megalomania”: “Eu sou uma artista pop criando com o brega”

A artista pernambucana mostra consciência artística em seu trabalho de estreia, fala das possibilidades do seu pop alternativo brasileiro e já planeja novos passos

Umas das novas vozes mais relevantes do pop nacional recente, Uana lançou na última quinta-feira (26) o seu álbum de estreia no pop, Megalomania. Com produção de Guilherme Assis e Barro – nome central na formação do “pop tropical”, que tem crescido no Brasil – e parcerias de JOCA, Mago de Tarso, Rachel Reis e MU540, o álbum pega referências de estilos do Brega e os leva para junto do pop e da música eletrônica.

Em uma conversa com a Revista O Grito!, Uana se aprofunda na construção do disco para falar sobre sua experiência de transição da música popular regional para o pop alternativa, suas impressões sobre os novos caminhos do pop nacional, as colaborações para o disco e sobre seu lugar como uma mulher que canta sobre sexo e sexualidade.

Leia a conversa completa na íntegra.

Esse momento pop da sua carreira foi precedido por um início seu em trabalhos com a música popular, que, inclusive, rendeu o álbum Pantera (2019). Como foi a transição de um estilo musical para o outro?

Então, não foi tão pensado, planejado, foi fluindo naturalmente, até por uma escolha de querer trabalhar outros gêneros, outros ritmos, que eu sentia que, dentro do que eu estava fazendo, poderia soar como uma mistura, talvez, até forçada, sabe? Sabe algumas experiências de pegar cultura popular e colocar de um jeito muito esquisito? Fazer um coco sampleado com funk, por exemplo? Não. Eu, ao mesmo tempo que amo o coco, o cavalo marinho e tudo mais, também gosto muito da cultura urbana, da música urbana, do brega, do brega-funk, do arrocha, da bregadeira, enfim.

Acho que seria muito esquisito tentar misturar uma coisa com outra só pra dizer “nossa, eu estou fazendo uma coisa diferente”. É mais interessante eu tentar achar uma coisa que eu gosto dentro da música e que eu consiga elaborar mais, né? Foi difícil de chegar nesse lugar. No meio disso tudo ainda teve a pandemia, então tive esse tempo em casa, para refletir.

Uma coisa que aconteceu bem natural na pandemia foi que eu precisei pegar minhas músicas e transformar em base. Não tinha como a gente fazer show com vários músicos, tinha muita live, muito vídeo, então eu precisei pegar minhas músicas, pegar tudo que eu tinha gravado com instrumento da época do Pantera e transformar em bases. É muito esquisito pegar uma música que tem, sei lá, mais de 15, 20 instrumentos e transformar aquilo tudo em um [arquivo] VS, né? Mas teve que acontecer por conta da pandemia. Então, só esse movimento de pegar as músicas e transformar em bases, eu já comecei a fazer música eletrônica meio sem perceber.

E aí eu comecei a trabalhar com [a produtora pernambucana] Libra, né? A gente começou a fazer umas lives, então eu ainda cantava algumas coisas do meu repertório antigo, e já fazia umas versões, e já colocava música nova no meio, tipo “Mapa Astral“, que é a minha primeira música mais pop. Foram várias coisas ao mesmo tempo, vendo que eu não tinha muito como explorar essa persona de diva pop e fazer as misturas musicais que eu queria, naturalmente eu fui percebendo e descobrindo a música eletrônica, começando a trabalhar muito mais com DJs, produtores e produtoras, em vez de um diretor musical. Foi uma mudança natural, não tão elaborada, mas, realmente, foi uma super transição, né? De um lugar mais de MPB regional para esse lugar mais da música pop e eletrônica.

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(Foto: João Arraes/ Divulgação)

Você já contou em outras entrevistas sobre a sua história com a música popular e com a música pop, mas eu queria saber sobre a relação com a música eletrônica. Como começou, quais gêneros você mais gosta de escutar?

A gente está vivendo um momento da música eletrônica do Recife, com os coletivos se organizando e fazendo festas. A própria existência da Brota Produtora, que tem quatro ou cinco festas voltadas para música eletrônica, aí a gente tem mais um monte de festa de pop, tem pessoas da cena que trabalham produzindo faixas, tanto autorais quanto remixes. A gente está vivendo um momento de poder experimentar. Eu nunca tinha tido, antes dessa minha fase no pop, a experiência de fazer música eletrônica, então eu acho que isso foi acontecendo junto com esse movimento da música eletrônica do Recife, da música urbana pulsando novamente. Junto disso, vários outros artistas começaram a trabalhar olhando pra música eletrônica, pensando no pop, no brega-funk, na arrocha e tal.

Pensando especificamente no meu encontro com a dance, com o house, com o techno, tem uma influência direta de Libra e desse movimento da música eletrônica daqui do Recife, com toda certeza. Não é que eu não ouvisse ou não tivesse conhecimento de artistas, mas até a divisão do qual é cada gênero e o que é cada coisa, tudo isso eu aprendo mesmo com a galera da cena. Eu não parei e “ah, agora eu vou estudar”, é uma coisa que fui, de fato, conhecendo na convivência; perguntando “ai amiga, adorei essa batida, o que é o nome disso aqui?”. Então eu fui aprendendo e entendendo como é que isso aqui pode ficar legal com o brega e com os outros ritmos que eu quero experimentar e isso foi o que rolou no álbum.

Recentemente tem sido produzido um pop brasileiro que tira muita inspiração de outros ritmos populares que vêm, principalmente, da Bahia (pagodão, axé, bregadeira, etc), e Barro, que produziu parte de Megalomania, está no centro desse movimento. Você faz parte desse grupo, mas com um som de referências pernambucanas. Como foi o processo de trazer suas referências para esse tipo de música?

Foi uma escolha para demarcar o som daqui, porque esse movimento de música brasileira que está acontecendo agora está usando o pagodão como célula pra fazer tudo, sabe? Eu amo o pagodão. Minha banda preferida do Brasil é Àttooxxá, e eu acho que, de fato, o pagodão baiano mudou a maneira de a gente pensar a música brasileira. A gente também tem outros artistas da Bahia que fazem isso com excelência, sabe? Rachel Reis, Melly e toda uma galera da Bahia sabe fazer isso com excelência.

O que eu acho que a gente não pode fazer é ficar só na mesma célula. Aqui em Pernambuco a gente tem o nosso “ritmo-mãe” também, que é um guarda-chuva de muitos outros ritmos, que é o Brega. A gente tem o brega romântico, tem esses encontros da música pernambucana com a baiana, a bregadeira, o arrocha e várias outras facetas, até porque no final das contas somos todas irmãs. Mas, a gente também não pode achar que é porque isso deu certo, que bateu bem na plataforma, no algoritmo, que temos que ficar fazendo isso aqui. Vamos pensar outras maneiras de fazer.

Eu tive uma preocupação de como essas músicas iam bater por conta dessa coisa das plataformas de streaming indicarem músicas de sonoridades parecidos pelo algoritmo, então eu fiquei pensando “como é que eu vou encaixar?”. Eu sei que minha música entra em vários lugares, já tive a experiência de entrar em playlists e tudo mais, mas eu tive algum medo. O Brega está sendo disseminado, mas ele não é a célula da música, da nova MPB que é mais reproduzida. Eu acho que a gente tem um privilégio muito grande aqui em Pernambuco de poder fazer isso e dizer “ó, eu venho do Estado em que se faz isso e é assim que a gente faz”, sabe? Temos até esse “know-how” de fazer brega. Então, essa demarcação não veio no sentido de que não gosto disso, eu amo esse pop e tudo que tá sendo feito mesmo, mas, eu acho que a gente pode fazer mais porque a gente já tem muito material aqui em Pernambuco. É até uma dificuldade, as vezes, organizar o que é que eu vou fazer porque podemos ir por muitos outros caminhos.

Em uma entrevista à O Grito! você falou que alguns MCs e produtores do brega-funk nomearam sua música “brega funk melody”, mas você também se considera uma cantora do pop alternativo, e esse álbum é um entrecruzamento de gêneros bem diversos. Como você se sente em relação a essa categorização de gênero musical? Acha que é mais divertido borrar essas fronteiras e fazer uma música múltipla nas suas referências? 

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(Foto: João Arraes/ Divulgação)

Eu quis fazer um álbum pop, e o pop vai flertar com vários gêneros, sempre. Ele não fica em si mesmo. Até no pop internacional eu vejo que as cantoras pop pretas, sempre estão flertando com o hip-hop, o rap e o trap; as que são brancas estão muito mais ligadas à música eletrônica, à disco, sabe? E a gente aqui no pop nacional tem o funk como esse lugar. Eu também estou um pouco ligada em como é que se produz um álbum pop, como é feita essa música, e aprendi que esse é um gênero que dialoga [com outros], a galera tem que ver que você sabe cantar dentro do pagodão, da música lenta, da música pra pista, do feat, tem que ir pra vários caminhos mesmo pra ser pop. Claro que você pode se debruçar numa coisa só e também ser pop, mas, para um primeiro álbum, eu quis realmente flertar com outras coisas porque eu gosto de diversidade. Eu já tinha feito coisas antes com todos os ritmos que estão no álbum; eu já tinha o House com produção de Vince, Já tinha alguns bregas-funk, brega romântico, afrobeat.

Então, eu acho que eu sou pop alternativo, não tem como fugir. Muita gente ainda tem uma dificuldade de enxergar que a gente produz um som alternativo, que fazemos música pop em Pernambuco, e estão sempre tentando nichar em algum outro lugar, ou no Brega. Mas eu acho que, olhando pro mercado mesmo, o lugar onde eu tô é o que a galera chama de “underpop”, que é esse pop que tem referências indies, que tem referências de música brasileira.

A multiplicidade sonora do álbum vem muito das parcerias dentro dele. Como foi o processo de selecionar e construir músicas com os artistas convidados? 

Foi bem natural, se eu dissesse que a gente planejou, seria mentira. Eu sou amiga de Barro há muito tempo, ele que produziu meu primeiro single mais pop, que foi o “Mapa Astral”, e aí, naquela época, Barro já trabalhava com Rachel Reis, que já tinha lançado “Ventilador”, que é um single da 2020 que eu amava. Aí Barro falou assim “Olha essa menina de Feira de Santana que veio pra Recicle pra gravar comigo. Tu acredita?”, e aí fui vendo a carreira dela, a gente sempre se acompanhou e se encontrava também em festivais, às vezes, até em camarim. Eu fiz uma música que eu tinha escrito com minha companheira, Marina, e já tinha aquela coisa do pagode e tinha que ser uma pessoa da Bahia, então eu pensei em Rachel e ela topou.

No caso de MU540, a gente produziu na hora. Foi uma coisa de alquimia musical mesmo. Falei para ele “Amigo, queria algo que tivesse suas referências, mas que tivesse na caixa do brega funk”, e a gente foi escutando o brega-funk, mandelão e o funk paulista, eu compus na hora e pronto. Foi uma produção de duas horas e nunca mais a gente se viu, mas a música ficou pronta.

A gente não pode reduzir um artista a isso. Se o artista sempre cantou putaria, a gente tem que olhar com o olhar artístico para tudo e parar de achar que é só safadeza.

No caso de JOCA, ele veio pra cá fazer um show através de um selo daqui e ele tinha me escrito: “Eu vou chegar em Recife e tal, eu conheço o trabalho. Será que não rolava de eu cantar ‘Pena que acabou no show’ ?” e me mostrou um verso que ele queria encaixar na música, mas aí precisaria mudar a base e tal. Quando ele me mostrou, eu pensei “caramba, velho, a gente deveria lançar um remix com você cantando sua parte”, mas depois eu pensei em “À Primeira Vista”, que eu já tinha pronta, mas que sentia ela meio repetitiva, faltava uma coisa. Aí eu mandei pra ele perguntando “amigo, você consegue criar uma coisa pra essa música aqui?” e ele topou. Só que aí a gente nunca mais se falou, então eu pensei que não iria dar certo e eu também não quis ficar insistindo, então fui gravar a voz final e quando a música estava já mixada ele perguntou se o feat iria acontecer. E eu já tava com a música fechada, e aí abriu e a música ficou linda com a participação dele.

E, por último, o álbum é mixado e masterizado por WR No Beat, que já foi parceiro em outras composições que a gente lançou. E aí não tinha nenhuma música pra ele no álbum, e quando ele já estava mixando e eu percebi que a gente não tinha nenhuma música, mas a gente já teve tantas parcerias, então achei que seria legal uma música com ele. E então eu perguntei se Mago de Tarso toparia – eu não o conhecia – e WR disse que toparia sim, então eu falei com o Mago, ele topou e na outra semana gravou, então foi bem natural. Depois achei massa que tem dois feats do sudeste e tem dois feats do nordeste.

Megalomania tem seu lado sensual bem pronunciado, sem eufemismos. Outras mulheres negras da música, como Deize Tigrona, por exemplo, até hoje são criticadas por cantar sua sexualidade. Você já sentiu algum bloqueio externo por cantar sobre sexo? 

Até agora não, sabe? Eu confesso que eu também tive questões de fazer uma música que realmente fala em “buceta”. Fiquei pensando “Poxa, eu também sou mãe, né?”, em algum lugar eu pensava “nossa, será que isso vai bater legal?”, e aí eu olho para as carreiras de amigas também e percebi que ninguém tá fazendo isso, mas aí eu olho para o [o pop] de fora e percebo que todos os artistas que eu amo, tem uma ou outra canção com “pussy”, que fala “fuck”; e a gente também coloca nossa sexualidade de maneira fofa, sensual, misteriosa – e eu tenho muitas músicas assim. Mas, às vezes, as músicas são mais explícitas mesmo. A gente não pode reduzir um artista a isso. Se o artista sempre cantou putaria, a gente tem que olhar com o olhar artístico pra tudo e parar de achar que é só safadeza.

Você citou Deize e nossa…ela faz poesia, cria melodias incríveis em cima do funk, consegue criar e falar de sua sexualidade de uma maneira muito foda e muito especial. A gente não tem outros artistas que fazem música daquele jeito, a gente tem que valorizar. Eu acho que tem uma coisa negativa do pop que rola, que é um esvaziamento. As pessoas falam “Ah, eu amo o Brega Funk, eu quero usar o beat da panelinha, eu quero isso, eu quero aquilo” e aí tira essa safadeza. Oxente? O Brega Funk não tem pra onde! É essa safadeza. Todas as músicas de Brega Funk, não tem pra onde.

Eu nunca vi um brega funk que não falasse sobre isso. Pode ser que tenha, mas é muito raro. A gente também tem que entender que tem os temas, né, que tem a ver com os gêneros também, e é muito ruim descaracterizar. Eu não estou aqui pra descaracterizar nada, sabe? Eu não sou uma artista do brega criando, eu sou um artista do pop criando com o brega. É colocar o Brega para flertar com outras coisas sem ter que embranquecer ou higienizar muito. Então, às vezes vai ter uma palavra safada mesmo e é isso [risos].

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Capa do disco (Divulgação)

E quais suas expectativas para essa era? Quais as perspectivas agora que o álbum está no mundo? 

Ah, eu tô tão feliz, sério mesmo. Eu não criei muita expectativa, porque eu tive muitos medos, sabe? Eu até falei que tive essa questão com a música “Gulosa” pensei muito “meu Deus, meu álbum… eu acesso tantos espaços, será que eu vou botar uma palavra, dessa?”, mas é isso, eu faço arte, eu também me sinto muito confortável no meu lugar de artista pra dar minhas piradas. Eu quis não criar muita expectativa porque eu fiquei com medo de como é que ia chegar na plataforma, a gente correu muito nesse final pra conseguir entregar e não demorar mais. No final começou a ficar difícil, não tinha muitas sobras e tendo que criar coisa nova, mas segui insistindo.

Foi massa não ter criado tanta expectativa porque agora eu estou maravilhada com as coisas que estão vindo, e, com certeza, tem coisas que eu tinha pensado, mas foram ainda melhores. Ainda estou vendo a receptividade maior pelas plataformas, tanto as redes sociais quanto as plataformas de streaming e tá muito legal, eu estou no presente, focada em fazer o show, finalizar esse show e conseguir me apresentar, conseguir rodar com esse show, porque é algo que eu amo fazer. Quem já foi no meu show sabe que eu amo e entrego, realmente. O palco é um lugar precioso pra mim. Então tô nesse momento, e já tentando fazer coisas novas, iniciando, para, quem sabe, um deluxe ou alguma coisa assim.