El Caso Pasolini

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PASOLINI EM QUADRINHOS
Álbum tem como ponto de partida o assassinato do cineasta, mas abre espaço para as idéias de um poeta da rebeldia

Por Alexandre Figueirôa
Editor da revista O Grito!

No café de certa livraria – quando o movimento torna-se mais tranqüilo e espera-se a qualquer momento aquela voz invisível anunciar o encerramento das atividades –, cinéfilos simpatizantes da filmografia de cineastas transgressores, entre as prateleiras de filmes à venda, não podem deixar de citarem o nome de Pier Paolo Pasolini. Invariavelmente homossexualidade e morte são temas acionados para a conversa amistosa adquirir um tom mais íntimo. O fascínio encetado pelo diretor de Teorema e Pocilga é uma viagem universal. Agora mesmo os espanhóis estão podendo conhecer o álbum O Caso Pasolini de autoria de Gianluca Maconi, recentemente traduzido na Espanha, segundo El País, e cujo ponto de partida da narrativa é justo o assassinato do cineasta.

Segundo o jornal, a história em quadrinhos expande o episódio e relata as idéias de um dos intelectuais mais marcantes do século passado, cujo legado em filmes, romances, poesias e ensaios expõem uma atualidade permanente e, portanto, oportuna para questionamentos em campos tão diversos quanto o das deambulações estéticas quanto o das posições políticas. Se um dia o álbum chegar ao Brasil certamente teremos interessados em desvendá-los. Contudo, tal possibilidade estreita-se, pois como observa Luiz Nazário em entrevista ao jornal O Tempo, de Belo Horizonte, a vasta fortuna crítica do cineasta, parte importante de sua obra e os estudos sobre ele ainda são pouco conhecidas no Brasil.

Nazário – estudioso da vida e obra de Pasolini e autor de Todos os Corpos de Pasolini – tem razão. Mas isto não impede que a conversa entre os cinéfilos adquira uma coloração mais intensa. Lembrar de filmes como O Evangelho Segundo São Mateus e Saló, uma das obras mais polêmicas da história do cinema, permite um prolongamento das elucubrações e elencar aspectos interessantes de um artista que, no início dos anos 70, radicalizou suas posições, época em que a limitada divisão ideológica entre direita e esquerda, estigmatizava a lucidez crítica de pensadores como ele.

Todavia, o assassinato de Pasolini é um episódio até hoje não completamente elucidado, mesmo com o autor do crime, supostamente identificado, preso e julgado. Vez por outra as circunstâncias em que a morte dele ocorreu voltam ao debate. Maconi, pode-se dizer, é mais um dos que provocam na memória dos leitores o retorno à cena de uma praia nos arredores de Roma onde o corpo do cineasta foi encontrado e para o qual desde então há uma linha de investigação, com alguns fundamentos perfeitamente legítimos, defendendo a versão de um assassinato político, não apenas numa perspectiva metafórica, mas de uma ação concreta de extermínio.

Nas informações dadas ao El País, Maconi demonstra não ter baseado seus quadrinhos apenas em fontes secundárias. Ele mesmo partiu para uma investigação pessoal, lendo os autos do processo, entrevistando o próprio acusado do assassinato, o garoto de programa Giuseppe Pelosi, e também membros de associações que preservam a herança artística e ideológica de Pasolini. Ele desenha a cena do crime com três homens que antes de matar Pasolini o chamam de comunista (Pasolini militou no PC italiano na década de 40), tal e qual conta Pelosi ao dizer-se inocente. Maconi afirma desejar mostrar que uma história em quadrinhos pode conter uma investigação séria e trazer à luz por meio do desenho um novo olhar em torno da vida de Pasolini. O álbum inclusive, na Itália, foi lançado em 2005, ano em que se relembrava 30 anos de sua morte e as várias lacunas do caso ainda permanecem abertas.

Luiz Nazário é também defensor da versão de assassinato político, pois para ele a figura de Pasolini perturbava a hipocrisia da sociedade italiana e naquele momento dois trabalhos do intelectual inflamavam a cena cultural do país: Saló e o romance Petróleo, obras que denunciavam a corrupção política e davam munição para os grupos extremistas reagirem. O cineasta tinha também uma visão revolucionária do mundo e da homossexualidade e seu cinema, por exemplo, não acompanhava uma estética realista. Seu texto “O Cinema de Poesia” escrito em 1965, aponta com clareza as suas idéias no campo da representação fílmica. Ver seus filmes e ler seus textos invariavelmente nos induz a uma percepção de quanto ele estava à frente de seu tempo.

Se Maconi alcançou toda esta dimensão do artista e não repete uma leitura sensacionalista, a exemplo do que fez a mídia quando ele foi morto, por conta, sobretudo, da sua homossexualidade assumida, ler o álbum por ele criado poderá ser uma forma instigante de nos relembrarmos de Pasolini. E até fazer como um dos dois cinéfilos que nos conduziu nesta narrativa, o qual circunspecto comprou o DVD de Saló para revê-lo em silêncio enquanto tentará perscrutar o significado do sexo e do poder econômico na nossa vida cotidiana.

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