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Foto: Sereia Filmes/Distribuição.

“Mais Pesado é o Céu” retrata a dor de maneira brutal e, na mesma proporção, real

Uma jornada de sobrevivência e desespero, o longa confronta a realidade de um Brasil marcado pela melancolia

“Mais Pesado é o Céu” retrata a dor de maneira brutal e, na mesma proporção, real
3.5

Mais Pesado é o Céu
Petrus Cariry
BRA, 2024. 1h38. Gênero: Drama. Distribuição: Iluminura Filmes.


O cinema é uma ferramenta feroz e profunda para ser utilizada como denúncia. É, em essência, política. Petrus Cariry, cineasta que participa ativamente de todas as etapas de suas produções, dirige agora Mais Pesado é o Céu, longa protagonizado por Matheus Nachtergaele e Ana Luiza Rios. O roteiro é também assinado pelo diretor, em parceria com Firmino Holanda.

Na trama, Teresa decide acolher uma criança abandonada e, em meio a essa nova realidade, conhece Antônio, que se torna seu companheiro em uma jornada pelas estradas. O passado em comum entre eles é marcado por memórias de uma cidade que agora jaz submersa no fundo de uma represa. À medida que avançam em sua jornada, a linha entre sonho e realidade se torna cada vez mais tênue, enquanto o futuro permanece envolto em incerteza.

Acompanhamos a parceria estabelecida entre Teresa e Antônio, que caminham guiados por um instinto praticamente tomado pelo desespero. Há uma falta de esperança presente nos olhares e nos diálogos pausados. Não há mais espaço para o imaginário, para a visualização de um futuro em que a dignidade se faça presente. É a melancolia inevitável e é, acima de tudo, a realidade. Petrus define muito bem esse espaço entre a obra e o espectador. Já não se trata mais de ficção, nunca foi.

Ana Luiza Rios e Matheus Nachtergaele entregam belíssimas interpretações como Teresa e Antônio. O silêncio é um fator de extrema importância, presente num ritmo constante entre os diálogos. São vários os momentos em que palavras não precisam ser ditas para que o espectador entenda o que se passa na mente de duas pessoas que, juntas, enfrentam a dor. Esse resultado vem de uma boa direção e de um roteiro competente, mas nasce principalmente da sintonia do elenco, que aqui se encontra em perfeito estado.

Tudo isso se integra bem com as paisagens em planos abertos, alinhadas com o decorrer do longa-metragem. Ainda que seja frustrante ver o interior mais uma vez retratado como sinônimo de sofrimento, é de uma beleza inegável que o cenário carregue consigo uma importância dentro da montagem cinematográfica. Os personagens são impedidos de manter as memórias que lhes pertencem por direito. Ninguém sabe ao certo o que houve no passado, pelo menos em sua própria história.

Numa coloração já tão utilizada por tantas outras obras, o verdadeiro destaque é a mise-en-scène. Teresa e Antônio ocupam — ou tentam ocupar — uma espécie de casa abandonada, carente de vida. Miguel, o bebê que antes era chamado apenas de “menino”, dorme em uma gaveta improvisada, forrada por alguns tecidos. Se o desespero já estava presente até aqui, a dor agora é ainda mais profunda.

Teresa recorre à prostituição por míseros valores para que, através do sofrimento, possa comprar o pouco alimento que mal sustenta o trio. Procura trabalho nos poucos negócios locais, mas nenhuma solução eficaz surge. Antônio busca ajuda nas estradas e é constantemente ignorado.

Na reta final, o filme parece desconstruir esse ritmo delicado e poderoso. A brutalidade é necessária para que Petrus estabeleça bem a trajetória desses dois personagens que representam um mar de coisas a serem ditas. Ele precisa provocar, e deve. No entanto, falta a dosagem de uma representação que, a partir de certo momento, não passa de um puro sofrimento usado para preencher o que já foi declarado. As cenas de abuso sexual que Teresa sofre são dolorosamente repetidas.

O filme se encerra com um final aberto a interpretações, com uma atuação fenomenal de Matheus Nachtergaele, tomado pela dor. Mais Pesado é o Céu é o retrato da violência, um grito de frustração. É na busca de uma liberdade desconhecida que Teresa e Antônio tentam sobreviver, se arrastando. É sobre o Brasil.