Foto: Marcelo Gomes
Em Céu, se encerra toda uma onda de lugares-comuns e obviedades que a indústria musical e também a imprensa usou para falar da nova onde de artistas femininas que apareceram nos últimos anos. Todas discípulas de uma MPB cadavérica, reverenciavam uma estilo de vida anacrônico com nosso tempo, além de buscarem um passado idílico do samba com alto teor de culpa. Céu vai além. Ela é o que os preguiçosos chamarão de moderna, mas é mais. Globalizada. Também. O que Céu representa para a música pop brasileira é tão maior que ela mesma que talvez o melhor mesmo seja curtir o que ela aprontou em Vagarosa, seu segundo disco, que foi lançado mês passado pela Urban Jungle e distribuído pela Universal no País.
Nesta entrevista para a Revista O Grito!, a cantora, que faz turnê pelo país, falou de sua formação musical, família, maternidade e uma certa “MPB”.
Por Paulo Floro
NESTE VAGAROSA, VOCE DECIDIU APOSTAR MAIS EM INFLUÊNCIAS JAMAICANAS. QUE IDEIAS VOCÊ TINHA PARA A SONORIDADE DESSE NOVO DISCO?
Uma sonoridade mais orgânica, apoiada na filosofia do menos é mais. Menos percussão, trazer a “pressão ” do disco pela ausência de instrumentos, pelas pausas e valorização da bateria. Quis também inserir elementos psicodélicos.
OLHANDO PARA ESTE DISCO, CINCO ANOS DEPOIS DO PRIMEIRO, VOCE CONSEGUE PERCEBER O QUE MUDOU EM VOCÊ?
Acho o segundo disco um pouco mais ousado, mas isso não foi premeditado, simplesmente aconteceu dessa maneira. Com o primeiro passei por um intensivão que aprendi muito, encarar plateias que não falam minha língua, plateias de festivais de jazz tradicionalíssimos, sacar um pouco mais de edição, gravação e toda a burocracia que a profissão exige, enfim… Pegar dias de estrada no perrengue e ter que estar com a voz linda e maravilhosa. Tudo isso me ensinou demais e com certeza refletiu nas minhas composições. Fora o fato de ter tido uma filha, que foi a grande mudança maravilhosa.
VOLTANDO NO TEMPO, QUAL A LEMBRANÇA MAIS REMOTA QUE VOCE TEM SOBRE QUERER SER CANTORA?
Trancada no quarto na adolescência imitando cantoras como Betty Carter, Ella, Nana e Clara Nunes.
SEU PAI TEVE INFLUÊNCIA NA SUA FORMAÇÃO MUSICAL? O QUE VOCÊ OUVIA EM CASA?
Muita. Meu pai me deu aulas de teoria musical e piano, mas a grande escola foram todas as músicas que ele me apresentou, direta ou indiretamente. Através dele conheci os Afro-Sambas, muita coisa do Baden [Powell]. Ele tocava no violão quando eu ainda era bem pequena. Peças do Garoto, Nazareth, Villa-Lobos. Também me ensinou a escutar e amar Joao Gilberto, nós costumávamos brincar de cantar duetos juntos, como “Jouxjoux et Balangandans”.
VOCÊ MOROU EM NOVA YORK UM PERÍODO E ISSO ACABOU SENDO UM MOMENTO IMPORTANTE EM SUA CARREIRA. TINHA NOÇÃO DO QUE ACONTECERIA POR LÁ?
Eu tinha a sensação que seria muito bom pra mim ir pra lá, não só musicalmente mas também pra me jogar no mundão a fora e aprender na labuta. Fui faxineira, garçonete, guardadora de casaco etc. Foi lá que me apresentei pela primeira vez cantando standards de bossa nova, jazz,etc. É uma cidade muito democrática e isso me ajudou a tomar coragem e cantar em frente a um público.
QUAL ERA SUA IDEIA QUANDO DECIDIU FAZER O PRIMEIRO DISCO? JÁ TINHA IDEIAS MAIS OU MENOS CONCRETAS OU A PARCERIA COM BETO VILLARES E ANTONIO PINTO AJUDARAM A DEFINIR O QUE SE TORNOU O SEU ÁLBUM DE ESTREIA?
Eu tinha algumas composições, como “10 contados”, “Malemolência”, “Lenda”… Fui dando forma a elas e percebendo que mais algumas eu poderia fazer um disco. Estava escutando dia e noite o Baduizm da Erykah Badu, cantora que até hoje é pra mim uma das maiores referências. Não sabia exatamente como seria o disco, o que queria. Acho que o que eu mais sabia era o que eu não queria. E isso já era um passo. Conheci o Antonio, até num primeiro momento achei que ele iria produzir o disco todo, mas depois ele ficou ocupado demais e não pode. Me apresentou ao Beto e eu corri atrás de um selo pra possibilitar a produção dele, que estou até hoje, a Urban Jungle Records.
VOCÊ DISSE UMA VEZ QUE NÃO REJEITA O TITULO DE “MPB”, MAS TAMBÉM ADMITIU QUE ELE É LIMITADO. COM O LANÇAMENTO DESSE NOVO DISCO, COMO VOCÊ SE DEFINIRIA?
A sigla MPB não me parece limitada, não, e acho que é nela que me enquadro…. Música, popular e brasileira.
A BOA RECEPTIVIDADE DA CRÍTICA TANTO BRASILEIRA QUANTO DE FORA TEM A VER COM A SUA MÚSICA TER REFERÊNCIAS MAIS UNIVERSAIS, MODERNAS? VOCÊ PERCEBE ISSO?
Talvez pelo fato de eu trazer referências não só brasileiras mas também jamaicanas, africanas (estou ouvindo muito Mulatu Astatke, da Etopia). Mas a essência da história tá aqui.
VOCÊ JA CONSEGUIU IDENTIFICAR O SEU FÃ ESTRANGEIRO? QUANDO VOCÊ CANTA PARA PLATÉIAS DE FORA, COMO VOCÊ PERCEBE O PÚBLICO. PODE DESCREVER A EXPERIÊNCIA?
É um público extremamente atento aos detalhes. É desafiador transmitir a idéia da sua música somente pela música mesmo, ritmo, harmonia e melodia, sem o auxilio das letras. Mas eles tem um carinho pelo Brasil, um respeito enorme por nossa cultura e sinto que estão cada vez mais sedentos por sonoridades que saiam um pouquinho do convencional que chega pra eles.
DEZENAS DE NOVAS CANTORAS SURGIRAM NO CENÁRIO MUSICAL RECENTEMENTE. VOCÊ TEM ACOMPANHADO?
Sim, é impressionante a quantidade de boas cantoras na nova geração. A Veronica Ferriani, a Marina de la Riva, Cibelle etc.
EXISTE UMA CRÍTICA QUANTO A NOVOS ARTISTAS DA MÚSICA BRASILEIRA QUE SE APOIAM EM REFERÊNCIAS DO PASSADO, CHEGANDO A SER CONSERVADORES EM CERTO PONTO. POR OUTRO LADO, NOMES COMO CURUMIM E RÔMULO FROES SÃO TIDOS COMO “ALTERNATIVOS” POR TRAZEREM TOQUES DE MODERNIDADE A MÚSICA POP BRASILEIRA. VOCÊ CONCORDA COM ESSE POSICIONAMENTO DA CRÍTICA?
Pra falar a verdade, não concordo, não, e estou me referindo a primeira parte da pergunta. Quanto às referências do passado, honestamente não acho que exista nada de novo sendo feito, tudo o que existe de aparentemente novo hoje em dia é apenas uma releitura do que já foi feito há algum momento atrás. E isso na minha opinião não é ruim, é apenas, ao meu ver, uma constatação.
Quanto aos meninos, sou apreciadora do trabalho de ambos, mais familiarizada com o do Curumin que é um cara que conheço de longa data, desde os tempos da Zomba. Sou muito fã dele.
VOLTANDO A FALAR DE VAGAROSA, VOCÊ INCLUIU A UNICA REGRAVAÇÃO QUE FOI “ROSA, MENINA ROSA”, DE JORGE BEN JOR. TEVE ALGUM MOTIVO ESPECIAL PARA ESCOLHER ESSA MÚSICA?
Foi uma homenagem a minha filha mais a vontade de registrar esse arranjo do Los Sebozos. Amo o Ben!
LEMBRO DE VOCÊ SE APRESENTANDO NO ABRIL PRO ROCK, GRÁVIDA. MUITA GENTE COMENTOU AQUELE SHOW, VOCÊ COM SEU BARRIGAO. QUAL A REPERCUSSÃO QUE A MATERNIDADE TEVE NO SEU TRABALHO?
É como se as verdadeiras prioridades tivessem entrado em seu devido lugar. Me mudou completamente e pelo que estou vendo vai ser pra sempre, todo dia.