Crítica: Noé, de Darren Aronofsky

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Foto: Divulgação/Paramount.
Foto: Divulgação/Paramount.

É PRECISO FÉ
Noé tem visual estonteante, mas falha no tom moralista e literal do mito bíblico

O diretor Darren Aronofsky, que conquistou o maior público de sua carreira após o sucesso de Cisne Negro (2012), se arriscou em um projeto ainda mais ousado e com apelo para multidões: levar para as telas o espetacular episódio bíblico de Noé, o homem que construiu uma arca para salvar sua família e animais de um dilúvio trazido por Deus (chamado no filme de “Criador”). O maior problema do longa é que ele advoga a favor do criacionismo e dos preceitos religiosos do Antigo Testamento. Sendo assim, torna-se um blockbuster de roteiro absurdo, melodramático, e por vezes literal do primeiro grande desastre registrado.

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Ao assistir o longa com um olhar ateu  é possível encontrar a seguinte leitura: Noé (Russell Crowe, mantendo a mesma expressão séria por 2 horas) foi o primeiro genocida da história. Um homem com um julgamento torto, motivado por ideais compreendidos apenas por ele mesmo. Se dizia guiado por um Deus caprichoso que planejava extinguir a espécie humana já que esta não tinha saído do que jeito que planejou. Para isso, colocou nas mãos de Noé a missão de salvar sua família – únicos seres humanos escolhidos para sobreviver e procriar – e a de todos animais, considerados puros de coração nessa visão distorcida da natureza. Ele conta com a ajuda de Matusalém (Anthony Hopkins), um sábio eremita que o ajuda a desvendar as “visões”.

Prestes a serem dizimados por um temporal que inundará todo o mundo conhecido, as pessoas tentam de toda forma se defender da extinção. Uma parte considerável delas se junta como um exército contra a arca – essa cruel área VIP pela qual poucos serão salvos. Noé ainda conta com a ajuda de seres gigantes de pedra, conhecidos como guardiões. Eles foram outrora anjos que caíram em desgraça após desobedecerem o Criador – e agora encontraram uma redenção para a própria desgraça ao ajudar Noé e sua família. No filme servem como componentes típicos de blockbuster ao aparecerem como seres fantásticos sempre divertidos de se ver.

Foto: Divulgação/Paramount.
Foto: Divulgação/Paramount.

Com essas leituras, Noé já poderia aparecer como uma boa e interessante diversão. O problema é o trabalho de convencimento que Aronofsky faz o tempo inteiro. Ao tentar encontrar saídas plausíveis em algo que talvez nunca devesse ser lido tão literalmente, ele torna o filme enfadonho e por vezes sem sentido. A produção optou não abraçar o lado místico e alegórico das histórias do Novo Testamento e a partir daí buscar sentido e forma.

É o caso das explicações para fatos que sempre intrigaram religiosos e não-religiosos. Por exemplo: como animais ficaram ‘tranquilos’, todos juntinhos na arca, sem se comerem nem fazerem confusão? Outra: como a família de Noé seria capaz de povoar todo o mundo após a extinção pelo dilúvio sem cometerem incesto? E mais ainda, como construir uma arca de proporções épicas sem instrumentos ainda não inventados e com apenas meia dúzia de pessoas??! Feito uma aula dominical, Aronofsky tenta explicar tudo isso, tirando o tom de fábula.

O longa encontra seu melhor momento na segunda metade, quando Aronofsky tenta desconstruir o personagem do imaginário popular. E aí que vemos a assinatura do diretor, que se especializou em criar histórias que buscam despertar o pior de seus personagens. Como em Cisne Negro, ele vai fundo na onde de paranoia, que cresce como um câncer no protagonista até envolver todo o elenco. É preso dentro da arca que todo mundo tem chance de dar o seu melhor – sobretudo Jennifer Connelly, excelente na pele da mulher de Noé, uma personagem que tenta a seu modo driblar os caprichos de seu companheiro misógino e, talvez, louco. Emma Watson também tem destaque nessa parte e sua personagem, Ila, carrega a grande lição do longa. É um momento de suspense que subverte todo o filme até então: será que as visões do Criador alegadas por Noé fazem mesmo sentido? Estão corretas?

Noé tem um pouco da assinatura de Aronofsky, mas está longe dos seus trabalhos anteriores – tanto visualmente quanto na forma. É uma pena que não tenha usado a religião apenas como mote, mas como forma e conteúdo. Dessa forma, perdeu chance de discutir temas como obsessão, meio ambiente, transformação e papel da justiça, que sempre foram atribuídos ao mito de Noé.

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De Darren Aronofsky
[Noah, EUA, 2014 / Paramount]
Com Russell Crowe, Emma Watson, Jennifer Connely, Anthony Hopkins

Nota: 6,0

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