Crítica-HQ: Joan Cornellà revela o pior de nós mesmos em Zonzo

cornella

O quadrinista espanhol Joan Cornellà tornou-se um hit na internet com suas tiras que combinam humor negro e traço que remete a desenho meigo, de paletas claras. A expectativa é logo quebrada por uma HQ cheia de personagens disformes, mutilados, quase sempre em situações violentas. O que Cornellà vende é o desconforto, e faz isso como ninguém.

O desenho de Cornellà também encontra sucesso ao fazer uso de um outro veículo bem comum do nosso tempo: a saturação do horror em nossa vida cotidiana mediada pelas redes sociais. Quando ele mostra uma pessoa sendo feita de bicicleta e tendo seu ânus dilacerado enquanto é “pilotado” por outra pessoa, o autor nos conecta com o pior de nós mesmos. Ou quando um homem tem o braço decepado e seu jorro de sangue faz um passante escorregar. E sangue espirrando é o que não falta por aqui (e sêmem e fezes, igualmente).

A genialidade de Cornellà é propor esse riso nervosos, quase como uma armadilha, para depois nos expor e revelar a crueldade desses tempos. As tiras do autor acabaram se tornando virais – muitas vezes sem a autoria devida – o que amplificou seu alcance para países como os EUA. São mais de 3 milhões de seguidores apenas no Facebook.

O trabalho de Cornellà encontra parâmetro nos trabalhos de Johnny Ryan, quadrinista norte-americano conhecido pelo tom politicamente correto que imprimia em seus trabalhos. Um dos mais conhecidos é Angry Youth Comix, que saiu pela Fantagraphics. Há também muito em Zonzo inspirado pelos cartoons nonsense da TV dos anos 1990.

cornella2

Mas Cornellà pegou todas essas referências de mentes perturbadas e adicionou um tom ainda mais sofisticado, sem tirar-lhes o impacto do absurdo. Para começar, sua abordagem caminha para o surreal, sempre subvertendo expectativas do leitor. Depois, ao abrir mão de balões e não localizar suas histórias, ele fez uma obra universal, que unindo o Ocidente a partir do que ele tem de pior.

Cornellà faz também uma crítica a instituições, por isso é comum em seus desenhos figuras que representam policiais, médicos, executivos. Na maior parte, seu alvo são as pessoas ordinárias, agindo sempre a partir de atos podres disfarçados de normalidade. Em resumo, o mundo de Cornellà, sempre aparece em sua disrupção, ou seja, pelo que tem de pior. É isso que fez o seu trabalho ser tão controverso quanto genial.

Zonzo, que a Mino acaba de lançar, traz 46 HQs em um livro de capa dura. É o primeiro lançamento internacional da editora, que estreou no mercado em 2014 com obras de Shiko, Pedro Cobiaco, Lelis e Luciano Salles.

joan2